domingo, 13 de setembro de 2009

Calçada molhada, domingo azul - Pedro II , a rua de todos os meus tempos- Por : Socorro Moreira

Foto: Pachelly Jamacaru )

Uma figura humana , a rua, e fios. Esses elementos me atiçam !

Um céu azul, um chão molhado

Sem a esquina de Seu Adauto.

Quase revi Dona Otília

Luzanira, Odília...

Dona Suzete , e Dona Santinha

Meus avós paternos

Dona Liô,

Soledade e Neli...

Não deveria tecer uma história em cima de uma foto artística . A foto passa a representar um presente , que reconta um tempo, e eu quero falar de mais gente !
A Rua Pedro II é da minha criancice. Será da minha velhice , que retarda a hora , porque ainda é cedo, agora...!


Infância na Pedra Lavrada - Anos 50

Fui menina na Pedra Lavrada.Brinquei na calçada de combinação, cinturão-queimado, cabra-cega.Pulei corda, bamboleei,dancei frevo, dancei samba ,soltei cebolinhas, chuvinhas e balões,
nas noites de São João.
Apaixonei-me "Come Prima" aos 6 anos de idade, e com essa idade, escrevi minha primeira carta de amor:
"Querido Joaquim"...
Pedalei nas calçadas, em manhas de sol ,tive falsos crupes,quebrei três vezes a clavícula, torci o pé, outras tantas, e eu nem era tão traquina! Meu corpo se intimidou de medo, e nunca mais peralteou!
Na Pedra Lavrada perdi meu avô, escutei minha mãe parir , meu pai cantar, assobiar e tomar Brahma. Quis imitá-lo e ouvi do meu avô :"mulher não assobia.”
Na Pedra Lavrada dos anos 50 , a gente comprava lenha , leite , pão, nos carrinhos-de-mão .
Tomei injeção de bismuto com Dona Soledade , e pra completar o tratamento , minha mãe cauterizava minha garganta com uma solução de "colubiazol". Comi “crespo" da casa de Dona Santinha, brinquei de boneca com Nájela de Dona Lourdes, e mais as outras meninas, próximas ou acanhadas:
Teresa Neuma (filha de Dona Júlia), Valda Farias (filha de Seu Modesto e Dona Adalgisa),
Irenilde, as meninas de Seu Vicente Chicô, Cirene de Dona Otília, Ziana de Seu Adauto,
Dólia, Dagmar, Bernadete, Lúcia e Joanita Primo.
No quarteirão de cima, os Lemos.No quarteirão de baixo, os Siebra Brito da Ponta da Serra.
No meu quarteirão, o violão de Vicente Padeiro, e a vitrola do meu pai, em toda altura.
Li todos os livros de Dona Liô ; estudei com Dona Neli ; risquei de carvão as calçadas ;fiz vestidos de boneca; tremi com medo das almas ;, acordei com goteiras, e a canção da chuva, nas telhas.
Aprendi catecismo no Abrigo das velhas, catei carrapetas no parque , sempre esperando um lobo, que nunca veio .
Meu primeiro livro foi o Patinho Feio . Infância de complexos, até descobrir que eu era um cisne,
foram-se muitas décadas.
Comi chouriço, mel de jandaíra, sequilhos na banha de porco ,tripa de porco torrada no jantar, e pudins caramelados,sem leite condensado.
Tive tracoma, coqueluche, febre asiática...Era um luxo, tomar guaraná natural com biscoito champagne , comprados em João Gualberto.
Fomos embalados,no ranger dos armadores. Vozes entoando samba-canções,e ameaçando a chegada do bicho-papão. Tomamos banho de tina , na água quebrada a frieza, aromatizada com folhas de eucalipto. Fazíamos xixi em urinóis, vestíamos pijaminhas de flanela, vestidos com sianinha, gregas, babados de organdi plissado , sapatos de verniz e meias de seda.
Ouvimos o som do pilão,na hora da paçoca, que a gente comia com baião.
Tomávamos água do pote e quartinha ; rezávamos pro anjo-da-guarda, antes de dormir,
e acordávamos com o barulho do chiqueiro.
Comi pão-de- feito por minha avó. Fumei cachimbos de brinquedo com folhas secas de alfazema. Usei óculos receitados por Dr. Herbert, acordei de sonhos e pesadelos , sóbria, ou levemente bêbada...?
E o tempo voou . Cai no futuro de asas quebradas. Estou viva,embora tenha morrido sete vezes!

2 comentários:

  1. Que coisa boa, Socorro, encontrar aqui essas lembranças, tão parecidas com as que fazem parte de minha infância, e, com certeza, de tantos outros companheiros desse espaço aconchegante que é o Cariricaturas (meu irmão, que passa por aqui às vezes, chama de "Cariricriaturas").
    Muito gostoso de ler, mesmo. Grande abraço!

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