domingo, 16 de maio de 2010

APRENDENDO A DIRIGIR - Por Edilma Rocha


Ele estava bem alí, estacionado.
Chave na ignição como que me esperando. O jeep 51 do papai. Limpo, reluzente depois da pintura de Moreirinha, que fazia qualquer carro velho ficar novo.
Era verde oliva com capota preta de vinil. Os bancos novinhos, a direção grande e a alavanca das machas com a cabeça em acrílico colorido, comprada no Juazeiro. No retrovisor central o terço com Jesus dependurado para livrar-nos do perigo. Os pneus eram zero, com os biscoitos bem definidos no polimento a óleo. Os três pedais, embreagem, freio e acelerador, eu já tinha teinado bastante o movimento. Agora era só colocar uma almofada nas costas para compensar a distância entre o banco e eles, e sair para a prática.
Vesti um jeans, cabelo preso num rabo de cavalo, pés descalços e me lancei na aventura. Seria só uma volta até o Pimenta. Olhei para os lados da rua e a vi vazia ao meio dia. Seria rápido e ninguem iria perceber a saída do Jeep da porta da casa. Dei partida na chave e pegou de primeira, acelerei três vezes e fui soltando o pé da embreagem aos solavancos com três pulos inesperados. Tinha logo que passar a segunda marcha para manter minhas duas mãos na direção. Consegui ! Agora era só acelerar e seguir o prumo da rua vazia. Alcancei a Duque de Caxias e dobrei na Praça da Sé. Passei pelo Alagoano e senti alguns olhares na minha direção, mas não desviei à atenção do calçamento. No caminho fui desviando bicicletas, pedestres e deixando para trás alguns carros estacionados. Não existia sinal na cidade para alguma parada brusca. E tome pé no acelerador ! Sentada ao volante, dominava o Jeep fazendo-o ir para onde eu quisesse. Era o máximo ! Eu estava dirigindo pela primeira vez. Ouvia o chiado dos pneus correndo rápido na virada da curva da praça do Pimenta e logo logo depois senti um frio na barriga quando avistei o Aero Willis de Cândido Figueirêdo. Enfiei a mão na buzina mas graças a Deus o carrão dobrou no Parque Municipal a tempo. Uffa ! Foi por pouco ! Precisava chegar logo em casa , antes que notassem a falta do Jeep. Contornei a Praça da Sé, entrei na Duque de Caxias e depois entrei na Rua da Vala. Estava indo rápido demais e não conseguia diminuir a marcha. A minha frente estava o perigo da vala aberta, já tinham caído muitas pessoas por lá e do outro lado os muros das casas. Numa virada só quis colocar o carro dentro da garagem, mas esqueci que o portão de ferro estava fechado. Senti os cabelos balançar prá lá e prá cá no sacudir do meu corpo franzino e levei o portão nos peito, ou melhor, no parachoque. E o Jeep só parou porque soltei o pé da embreagem e estancou...
Com o estrondo, todos sairam para ver o que havia acontecido. Eu me encontraram ao volante, o muro quebrado, o portão por baixo dos pneus, e um sorriso amarelo estampado no rosto.
_ Cheguei !

9 comentários:

  1. Eita, que história !
    E se eu te disser que estou reaprendendo a dirigir?
    Mas não quero correr riscos...

    Edilma, quando vc chega? Estamos ( eu e o Crato) com muitas saudades !

    Aquele projeto "Casa Recreio" vai precisar de você, viu?

    Um grande abraço, minha amiga querida !

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  2. Edilma,
    belíssimo texto.

    Palavras vivas.
    Imagens soltas.

    Envolto em tua escrita transparece um espírito atento:
    pleno de memória e encanto.

    Carinhoso abraço.

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  3. Edilma,

    Tão bom te ler... Sabe, eu acho que te vi dobrando a esquina. (risos).

    Abração,

    Claude

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  4. Esta história no meio é domínio e controle. No início e fim trangressão das regras. Ou seja, do ponto de vista do narrador é tudo domínio e controle. Até para derrubar um muro com aquele objeto de desejo dos tempos de então. Embora um relato aparente de acidente, é um incidente no sentido de acréscimo à narrativa princiapl: aprendendo a dirigir.

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  5. Querida Socorro,
    Cuidado, sua garagem está sempre fechada... kkkkk
    Acho que só irei no lançamento do livro, mas quem sabe...
    Tenho que conhecer mais detalhes desse projeto - Casa Recreio.
    Estou interessada.
    Beijo !

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  6. Domingos Barroso,
    Agradeço aos elogios.
    Passei um tempo fora do ar mas quero ler seus versos outra vez.
    Publica logo esse livro para superar a ausência da internet.
    Grande abraço !

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  7. Claude,
    Pensei em passar na sua porta mas não sabia dar a marcha ré ...kkk
    Se viu uma louca na direção do Jeep de Satisfeito, era eu com certeza.
    Bons tempos ! Que saudades !
    Beijo !

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  8. Do Vale,
    Quanta honra em ter a interpretação do meu pequeno texto por você.
    Na história, o lugar, os personagens e batida no portão, são reais.
    Eu era mesmo audaciosa.
    Um abraço !

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  9. Parabés, Edilma, contar história de forma escrita não é para qualquer um. Eu quase ouvi o barulho do choque no portão.

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