segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Ruas da Infância - por Socorro Moreira

 
Andei a pé pela cidade, como gosto de fazê-lo. Sol ardente de Outubro, cabeça refrigerada no tempo.
Santos Dumont, a rua da minha tia Ivone. Olhei para o interior da casa , aonde ela morou tantos anos. Procurei na vizinhança, Dona Madalena, Seu Pedro Felício, Dona Zélia,  Evangelina , Dona Nadir ... Tudo virou comércio. E eu fiquei pensando como aquelas casas conjugadas, tão pequenas, abrigavam tanta gente.
Não existia o limite para hospedar parentes e amigos. O feijão sempre era suficiente. As redes eram armadas na cozinha, corredor, em cima das camas, mas tinham o cheirinho limpo das alfazemas , jogadas nos baús dos guardados. Hora de almoço, jantar, merenda, era uma festa de doces nos tachos e sequilhos nas latas.
Não lembro que faltasse à classe média  a grana do básico. Os moradores da Batateira, que ajudavam nos serviços da casa , faziam sua feira  com  fartura nas quantidades : café  em grãos, arroz, feijão de corda, farinha de mandioca,farinha de milho, goma, rapadura para substituir o açúcar, toucinho , corredor de boi  para acompanhar o pirão.
Ganhávamos presentes seus, como cana , ovos caipiras , frutas diversas, feijão e milho verde.. Se não tínhamos eletro domésticos, eles também não. Os tecidos  que  iam parar nas mãos das modistas e alfaiates, faziam talvez uma pequena diferença. Entre a chita e a cambraia de linho, viviam as classes sociais : pobre e média !
O estudo era gratuito. As escolas públicas possuíam grandes mestras.Criei-me sem entender a preocupação de uma nota promissória, cheque especial, e dívidas no cartão de crédito. As pessoas  tinham a paz  dos não-endividados. Se vestiam repetidamente o mesmo vestido, sabiam esperar com paciência, as quatro festas do ano  para a renovação do guarda-roupa :Padroeira, Natal, S.João  e o dia do aniversário. Ano Novo pegava carona no Natal , e representava um dia , quase como um outro qualquer.
Eu sinto saudades dos quitutes que eram servidos nas festas de aniversários : galinha caipira desfiada, farofa dos miúdos, pastel de carne ,canudinhos, sequilhos, sonhos, bolo de carimã, beijinhos de coco, salto de cortiça, refresco de maracujá... Balas, chicletes e chocolates, no quebra-panela. Guardo o cheiro e o colorido  dos papéis de beijos.Saudades dos meus avós, pais,  irmãos menores , primos, tios, e colegas de escola. 
Tudo passa. O leiteiro, o carteiro, o lenhador, o menino dos pirulitos, a zoada da máquina Singer pregando as sianinhas.
Os banhos ,quebrada a frieza, nas tardes do dia a dia.  Meu caderno de caligrafia; Meu livro de leitura, meu mata-borrão... Onde estão? Virou lixo, virou chão !?

Hoje  voltei aos tempos das cadeiras na calçada,  das ruas mal iluminadas , e adormeci no colo de Donana .
Se existe o acontecendo, em várias dimensões, quero o meu avô vestindo caqui, juntando moedas de cruzados , para umas comprinhas de mariolas, na bodega de Seu Adauto.
Pedro II, a Rua que testemunhou minha primeira infância !

5 comentários:

  1. Ô amiga, disseste tudo direitinho... bem evocado, bem descrito.Ô ô ô ô.................

    (agora uma risada kkkkkkkk)

    xeros
    stela

    ResponderExcluir
  2. Socorro,

    Diante da madorra desse embate político que assola o país, seu texto foi água fria nos ânimos inflamados, foi paz, foi bálsamo.

    Foi bom te ler.


    Abraço,

    Claude

    ResponderExcluir
  3. Stela da Pedra Lavrada , Claude do Pimenta, o cuscuz está na mesa !
    Podem abusar da nata do leite . O sal tá no ponto !


    Abraços !

    ResponderExcluir
  4. Socorro voce é porreta, voce é de lascar, parabens por este caminho que voce fez lindo e rico de saudades. Um beijo do seu admirador e primo. Edmar Cordeiro (Edcor)

    ResponderExcluir
  5. Edmar,

    Saudades do seu carinho e alegria.
    É tempo de voltar !


    Beijo

    ResponderExcluir