quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Os poetas suicidas


Georg Trakl, 1914 (foto da Web)




OS POETAS SUICIDAS


Os poetas que eu amo são poetas suicidas.

Amaram demais a vida.

A corda tensa arrebentou.

Eu vomito quem não é quente nem frio, disse o Senhor,

e os poetas suicidas acreditaram.

Amaram desesperadamente a vida,

consumiram-se, queimaram-se no fogo da paixão.

Georg Trakl viu a guerra, os mortos, o sangue,

sentiu a fraqueza humana diante de tanta vida para viver,

tomou ópio e cocaína e outras drogas querendo sempre mais vida:

morreu de amor à vida.

Paul Celan viu as câmaras de gás, os fornos crematórios, as pilhas de cadáveres

e sobreviveu, o que era demais para a fraqueza humana,

e cantou a fraqueza e a dor, o desespero e o abismo transcendental,

até que um dia o fio se rompeu.

Ana Cristina César viu a noite, o poço, a borda do abismo cotidiano,

comeu a sua cota de sola de sapato, bebeu a sua cota de fel,

conheceu a morte e a morte era boa,

a morte era a única coisa boa.

Os poetas suicidas amaram demais a vida.

Eu sou diferente: tomo um gole d’água na borda do poço

contemplo as estrelas refletidas no fundo,

a lua pálida como a minha face

e penso ter descoberto a minha identidade.

Eu amo os poetas suicidas porque não vêem,

como eu, indiferentes,

os dedos marcados na borda do poço.


(2007)


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2 comentários:

  1. Parabéns, pela postagem !
    Vc viu o anúncio sobre o livro do Cariricaturas? Sua participação é esperada .

    Grande abraço!

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  2. Grande Brandão!!
    superlativo nos versos
    e no fonemanome.

    Melhor ver com indifença
    as marcas de dedo nos copos...

    (batom já é demais!)

    Não se mate Carlos, a vida é assim:
    um dia dá
    no outro manda a conta!

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