segunda-feira, 9 de novembro de 2009

No silêncio do corpo - Por Ana Cecília S. Bastos

O campo é um centauro, dizia o professor. Uma encruzilhada hermenêutica que construo mas me incorpora definitivamente em seu intransponível horizonte de equívocos. A análise é um centauro. Eu sou um centauro, às vezes sem existência real, só mitologia, torrentes de palavras neste momento.
Contemplo minhas patas e garras, a cauda do dragão no átrio da Igreja. Seu incenso. Que me açoita e revela o meu eu, minha pertença, o mim. Algo muito fundo.
Do profundo do tempo me amaste, Senhor.
Eu vã, eu louca e ausente, mas ali estou e sou eu, e não sou, fora desse átrio, origem e destino, nenhuma dúvida jamais nesse lugar. Do profundo do tempo esse sintoma me toma e define. Asma como eu. Ana como eu. Que me trava quando contra mim para que eu talvez caminhe em meu favor, mas pelo avesso, e me silencia, me paralisa quando preciso. E como preciso, desesperadamente.
O mundo contra mim, o fluxo contra mim, o eu ignoto remoto no pátio da Igreja, no vão da porta, no átrio.
A Nave.
Asma, unha cravada na pele da alma.
Nenhum sangue.

Desenho de Ígor Souza.
por Ana Cecília

4 comentários:

  1. Belo, belíssimo !!!
    Tua poesia, me converte !
    O dia amanhecendo ...Tão lindo quanto ele !

    Abraços, Ana .

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  2. Querida Socorro,
    seu comentário me comove. Há tanta coisa nesse escrito, um dia conversamos sobre tudo isso.
    Se essas palavras tocam você assim, é porque seu coração e sua sensibilidade pedem uma conversão, com toda a beleza que há.
    abraço grande!

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  3. Ana Cecília,

    Este é um dos mais belos textos que li ultimamente. Tocante e de uma suavidade tão forte ao mesmo tempo que nos penetra a alma e nos faz festejar a vida nos recônditos do nosso ser.

    Agradeço a você por me proporcionar esta leitura deliciosa e não menos reflexiva.

    Abraço,

    Claude

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  4. Ana

    Dizem que o ser humano, ao se constituir biologicamente, refaz o percurso embrionário de toda a escala zoológica. Em paralelo, tua poesia tem algo de esfinge revelando a ti mesma num percurso existencial,psíquico e espiritual.

    Assis.

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