quarta-feira, 28 de julho de 2010

O Vaticano continua o mesmo (Mino Carta)

Philip Pullman, escritor inglês dos bons, escreveu um livro intitulado The Good Man Jesus and the Scoundrel Christ (O Bom Jesus e o Pilantra Cristo). Há quem diga que se trata de obra blasfema. Em compensação a crítica Charlotte Higgins, do The Guardian, define o livro como “fascinante, de prosa próxima daquela dos irmãos Grimm”, enquanto o arcebispo da Canterbury, Rowan Williams, primaz anglicano, afirma: “Texto emocionante, marcado por uma genuína espiritualidade”.

O título expõe o propósito: diferenciar Jesus, “verdadeiro revolucionário”, do Cristo de quem a Igreja se apossou, depois de Paulo de Tarso ter inventado um salvador filho de Deus. Paulo, militar como Ignácio de Loyola, general do exército da contra-reforma. Clara está a revolução de Jesus, pregador da igualdade em um mundo profundamente desigual. Os outros dois eram talhados para a guerra.
Neste momento, atingida pelas conseqüências do escândalo dos padres pedófilos, a Igreja Romana, por meio de purpurados porta-vozes, declara-se alvo de uma campanha política, ousada a ponto de pretender desestabilizá-la. Se as críticas têm conteúdo político, nada mais justo. Pois a Igreja é, no mínimo desde o momento em que se tornou a religião oficial do Império Romano no começo do IV século depois de Cristo, um poder eminentemente político, e temporal desde o VIII século, quando começou a se expandir territorialmente.
Poder totalitário, feroz na perseguição de idéias discordantes, na condenação da “heresia”, na estratégia do genocídio, original igual ao pecado, com os autos de fé na Espanha e em Portugal, e amiúde devasso em turvos momentos de libertinagem desbragada. E sempre tragicamente anacrônico, como se seus dogmas, aceitáveis somente à luz da fé, representassem a realidade conquistada, com muito risco e dor, pela razão.
As mudanças atuais em relação ao obscurantismo de séculos atrás são, sobretudo, formais. A irredutível oposição eclesiástica ao progresso científico, a intransigência quanto a comportamentos de vida civilizada e democrática ganharam feições novas só na aparência. Escreve Timothy Shriver, católico praticante e editorialista do Washington Post: “Se esta Igreja, com sua atual hierarquia, com seu papa e seus bispos, não saberá confessar a Verdade; se continuará a esconder suas culpas como Nixon no escândalo Watergate; se provar ser mais devotada ao poder do que a Deus, então nós, católicos, teremos de procurar alhures um guia espiritual”.
Shriver é filho de Eunice Kennedy, irmã de John e fundadora do Special Olimpics, a paraolimpíada da qual hoje ele é presidente. E escreve: “Nós temos fé em Deus, e não em uma hierarquia que perdeu a credibilidade e parece mais interessada em conservar o poder do que viver conforme o espírito dos Evangelhos”. Do lado oposto manifesta-se, entre outros, o cardeal Angelo Sodano, 83 anos, que até 2006 foi secretário de Estado do Vaticano. Segundo Sodano, os atuais “ataques” a Bento XVI recordam aqueles desferidos contra Pio XII, que silenciou diante do shoah e que Ratzinger proclamou “venerável”, a caminho da santidade, no ano passado. Ou contra Paulo VI, que na encíclica Humane Vitae excomungou a camisinha.

Observe-se que os papas nem sempre entendem-se entre si. Papa João XXIII, de saudosa memória, via em padre Pio de Pietralcina um impostor. João Paulo II fez dele um santo. Quanto a Pio XII, considerava o nazismo um baluarte contra o comunismo. Política? Política. A ex-presidente das comunidades judias da Itália, Tullia Zevi, do alto dos seus 91 anos, pondera, com a devida ironia: “Enfim, quem decide quem é santo?”
“Por que o papa – pergunta Zevi – não cuida de perceber que o celibato é contra a natureza?” Mas é do conhecimento até do mundo mineral que o celibato correspondeu a uma injunção econômica: a idéia da família implica graus de independência, financeira inclusive, inaceitáveis para os donos do poder eclesiástico, que querem todas as rédeas em suas mãos.
De todo modo, o escândalo da pedofilia, antigo e deliberadamente ignorado, é brasa debaixo das cinzas a faiscar até menos do que tantos outros. Por exemplo, as ligações do banco vaticano com o crime organizado, a envolver lavagem de dinheiro e até assassínios. Ou as insuportáveis interferências na vida política de vários países, a começar por Itália e Espanha, onde o Estado se diz laico, mas os governos sofrem as pressões de batina e freqüentemente se ajoelham obedientes e compungidos.

Autor: Mino Carta
Postagem: José Nilton Mariano Saraiva

4 comentários:

  1. Ótima postagem, José Nilton. Pena que você não tenha comparecido ao evento que também era seu.

    Sentimos a sua ausência.

    Abraço,

    Claude

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  2. pois é, zé nilton, tantas pessoas publicam textos sobre a igreja e só eu sou visado e espicaçado. vejo textos mais contundentes (porém verdadeiros) sobre CRISTO/RELIGIÃO e aquelas minhas postagens do CRISTO nu, até hoje não foram devidamente digeridas. acho mais que CRISTO é apenas um pretexto (toca mais as pessoas falar de religião), o que incomada verdadeiramente ELE, são minhas postagens ERÓTICAS. criticar só as postagens ERÓTICAS vai ter menos audiência. colocando CRISTO no meio, envolve mais pessoas. é bom saber mais pessoas pensando sem as amarras da formação CATÓLICA que tivemos.

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  3. Hoje fiz a entrega dos teus livros.
    Confirme com o seu mano.
    Pra desenvolver consciência crítica , texto importante !

    Abraços.

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  4. Claude,
    Pretendíamos se fazer presente ao Crato Tenis Clube, no sábado (24); entretanto, um telefonema inesperado, de Fortaleza, nos obrigou a antecipar a passagem (já comprada) de domingo (25) para sexta-feira 23).
    Coisas da vida...

    Lupin,
    Suas postagens são marcantes. Continuamos a acompanhá-las (embora esporadicamente comentando) por entendermos tratar-se de um belíssimo trabalho.
    Bola prá frente.

    Socorro,
    Já os recebemos, aqui em Fortaleza, e começamos a repassá-los para os amigos. Excelente trabalho.
    Quanto à postagem do artigo do Mino Carta, você contundentemente atingiu o alvo: o objetivo é mesmo desenvolver a consciência crítica.

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