sábado, 27 de agosto de 2011

Lógica Maior


Janildo Queiroga era uma espécie de Mithbuster de Matozinho. Todas as pendengas mais delicadas da vila vinham, inevitavelmente, bater às suas mãos para a devida apreciação. Sertanejo de quatro costados , o homem nunca fora afeito aos meandros da filosofia, mas , intuitivamente, descascava toda a Lógica aristotélica. Seus pareceres rápidos em geral e ácidos como solução de bateria saltavam em meio às conversas formais e informais. Como não cobrava pela consultoria, vivia da renda de um quiosque sortido numa das travessas da Rua Cel Uglino: “O Quiosque do Qui-Qui”.

Contavam-se às resmas suas apreciações sobre as mais variadas e intrincadas ingrizias . Tantas e tantas que se foram perdendo , à medida que o cupim inexorável do tempo foi carcomendo as memórias vivas de Matozinho. Para que não se perca definitivamente todo o compêndio de Lógica Menor de Queiroga é que resolvi salvar alguns trechos num material menos perecível que a língua : o papel.

O filho de Janildo chegara um dia revoltado . Fora atravessar a cerca do roçado próximo à casa quando melara aos mãos em excremento colocado maldosamente nos paus do passador. Abramos aqui um leque para explicar este artefato que , com o desaparecimento das cercas de vara, praticamente evaporou-se junto. Pois bem, o passador era uma espécie de escadinha de varas que ascendia de um lado ao outro da cerca, permitindo a passagem de pedestres, em pontos estratégicos. Subia-se pelos degraus de um lado e descia-se pelos do outro. Entenda-se que existem safados por todo canto e que calabreiam de binga as varas da escada para que as pessoas que a vão cruzar terminem por se contaminar inadvertidamente. O menino não se conformava , reclamando enquanto lavava as mãos repetidamente:

--- Filhos da puta ! Queria pegar um desgraçado desse. Quem já se viu? Cagar e melar o passador !

Queiroga, calmamente, lavrou seu parecer :

--- Meu filho ! É impossível cagar sem melar o passador, num é?

Num sábado, Janildo acompanhava um dos únicos esportes náuticos de Matozinho : a pesca no Rio Paranaporã. Já no mês de agosto, água baixa, o Rio transformava-se em poços esporádicos e a moçada, cheia de mendraca na cabeça, ficava jogando landuá e pegando traíra e cangulo. Na beirada do poço , o fogo feito e a panela fervendo já esperavam os primeiros peixes para o preparo. Era uma algazarra só. De repente, na despescagem, um piau grande escapou das mãos de João Socó que, como bom pescador, gritou de lá:

--- Diale ! O bicho escapou ! Parecia uma baleia , tinha uns cinco palmos e pesava bem uns vinte quilo !

De seu lado, um Queiroga observador e atendo lavrou sentença:

--- Deu tempo a medir , deu tempo de a pesar, só num deu tempo a pegar, num é Socó ?

Ano de seca braba, alguém chegou no quiosque afirmando que ia chover com certeza, pois tinha observado o céu na noite anterior e notara que a lua pendera. O matuto tem essa história: em lua crescente, se se observar bem a lua fica parecendo um balde de água prestes a derramar o líquido por uma das pontas; por alusão, se depreende que aquela água toda vai cair na terra em forma de chuva. Janildo , porém, matou a charada:

--- Conversa , rapaz! Em 1958 a lua pendeu tanto que nós tivemos que escorar para ela não cair e a chuva toda do inverno não deu prá encher um dedal !

Dias atrás, Sulino chegou no quiosque trazendo notícias da capital. Fora visitar um filho que casara recentemente. A noiva havia morado no Rio de Janeiro e , antes do matrimônio, havia contado ao noivo que, infelizmente, não era mais moça. Perdera a virgindade numa queda de bicicleta. O noivo, apaixonado, engolira a história, mas Sulino, cabreiro, voltara ainda com a pulga detrás da orelha. Resolveu, então ,consultar o mithbuster de Matozinho:

--- Compadre Qui-Qui , uma mulher pode deixar de ser moça só porque caiu de uma bicicleta?

--- É difícil, Sulino, mas onde é que foi mesmo essa queda desastrada?

--- No Rio de Janeiro, compadre, na mata da Tijuca...

--- Ah! Compadre! Perfeitamente! Lá é muito arriscoso e é danado prá acontecer. Basta cair em cima de uma moita!

--- Moita de quê? De mufumbo, Qui-Qui ? De quina-quina?

Queiroga, mais uma vez, concluiu com a lógica irrefutável:

--- Não , compadre ! De rola, de rola dura...


J. Flávio Vieira


A beleza das flores - Por José de Arimatéa dos Santos

Foto: José de Arimatéa dos Santos
As flores encantam
E deixam qualquer ambiente
Mais alegre e jovial
Presente da natureza
Que com sua diversidade
De cores e beleza
Representam o feminino,
A mulher
Na sua mais infinita
Delicadeza
E deixam esse mundo
Bem mais suave,
Com ternura
E muito amor!

Para Claude Bloc


Sardade de tu

Tô cum farta de forgo
Num aguento arrespirar
De tanta sardade dela
Da minha amada
E minha fulor

Vorta logo
Num dexa eu triste
Da sardade que tenho de tu
Vorta vorta ligeirinho
Minha irimã meus amor

A casa amarela num é a merma
O Jardim já muchô
Os patão inferrujaram
Ur gatos num pula mais
De sardade e tanta dor

Ragea Alegre Ragea Alegre
Num dexa eu assim
Aguniado de miolo mole
O curpado é Raimudim
Ele dê seu jeito
De adevolver minha irimã pra mim



Jacques Bloc Boris
Artista Plástico

O gosto das palavras novas - Emerson Monteiro

Há inúmeras formas de ganhar o dia. Dentre as muitas maneiras de tornar saboroso o tempo diário bem pode significar adquirir novas palavras para contar as velhas histórias desse chão. Entre a pessoa e os objetos, ali, imperam as palavras, entes sagrados, o significado de aprender para ensinar aos outros o conhecimento adquirido, nas presenças desta vida.

Assim, quando passamos a outros só os objetos e suas movimentações, transmitimos o que vemos no jeito que podemos. No entanto quando, a isto, acrescentamos o sentimento e repassamos palavras, no reflexo do que vemos, produzimos poesia.

Caso trabalhemos com os frios fenômenos da natureza, descrevendo e ensinando, repetimos, transmitimos técnicas, construímos nos outros a ciência. Quando, porém, dizemos daquilo que nasce dentro, no coração da gente sua forma abstrata, sem comparações com o mundo real, visível, material, trabalhamos os setores da alma. A arte vem desse lugar. Arte, o empenho dos artistas pretenderem que os demais sintam o que eles sentem, e, nisso, elaboram peças de sabor espiritual, os conhecidos bens simbólicos.

O nível de receber essas produções varia ao infinito, no grau de cada indivíduo percebê-las. Esse poder de captar o fazer artística que resolveram batizar de sensibilidade, palavra que representa o padrão de receber os impulsos da criação artística nos seus vários segmentos e manifestações. Música. Pintura. Escultura. Cinema. Literatura. Artesanato. Esportes. Teatro. Televisão. Radiofonia. As elaborações da criação nas diversas modalidades, naquilo que tocam adiante a emoção sem a importância prática imediata de modificar os cursos da matéria no meio dos fenômenos. Sem nutrir o corpo físico, resultar noutros objetos, gerar movimentos imediatos no mundo das ações e dos interesses apenas mecânicos das circunstâncias.

A arte reflete dinamismo, espaço das possibilidades internas das criaturas humanas. Bem dentro do si mesmo das consciências. No âmbito do prazer mais íntimo. Aspecto personalíssimo, insubstituível. Sentir, ou não sentir; ninguém conseguirá depor no lugar da terceira pessoa quanto ao que esta sentirá, ainda que a isso pretendam os bilhões de seres pensantes.

Daí o senso da beleza, a chamada percepção estética, guardar proporções pessoais, particulares. E as palavras novas falarem das oportunidades desconhecidas chegarem ao coração para ofertar riquezas inexistentes, os valores até então ignorados, ricos de letras e melodias, imagens e cores, traços e luzes, sonhos e esperanças... O gosto desse tesouro adormecido trazido pelas palavras novas.