Significado de Mazombo:
Era
a a forma depreciativa pela qual os portugueses nascidos no reino
(reinóis) denominavam os filhos de portugueses nascidos na colônia.
O MAZOMBO
(Do livro Bandeirantes e Pioneiros de Vianna
Moog)
E os mazombos que se quedavam no Brasil?
O título
de mazombo, esse caducou e desapareceu. Não assim a personagem que
lhe deu origem. Ainda em fins do século passado o Brasil pululava de
mazombos. Apesar de quatro séculos de civilização, apesar de já
haver resolvido de certo modo o seu problema racial, apesar das lutas
vitoriosas contra o invasor francês e holandês, a despeito das
revoluções de afirmação da nacionalidade, a despeito do Primeiro,
do Segundo Reinado e da República, da extinção da febre amarela e
da crescente importância do país nos mercados e nos concílios
internacionais, o Brasil ainda continuava infestado de mazombos.
Mazombos conscientes, mazombos inconscientes, mas sempre mazombos.
Até começos deste século a expressão ainda circulava. "Sou
brasileiro, mazombo ou mestiço" dizia João Ribeiro em notável
página de crítica, como a sintetizar a formação étnica e social
do Brasil.
E em que consistia esse mazombismo brasileiro? Tal
como nos primeiros tempos coloniais, consistia essencialmente nisso:
na ausência de determinação e satisfação de ser brasileiro, na
ausência de gosto por qualquer tipo de atividade orgânica, na
carência de iniciativa e inventividade, na falta de crença na
possibilidade de aperfeiçoamento moral do homem, e descaso por tudo
quanto não fosse fortuna rápida e, sobretudo, na falta de um ideal
coletivo, na quase total ausência de sentimento de pertencer o
individuo ao lugar e à comunidade em que vivia. O belonging dos
americanos não existia no mazombo.
No fundo, o mazombo, sem o saber, era ainda um
europeu extraviado em terras brasileiras. Do Brasil e da América, de
suas histórias, de suas necessidades, de seus problemas, nada ou
pouco sabia, porque vivia no litoral, mentalmente de costas voltadas
para o país. Iam mal as coisas no Brasil? Ah, isto não era com ele.
Ademais, que poderia fazer, se era só contra todos. Na vida pública
como na vida privada, nunca seria por sua culpa ou negligência que
isto acontecia. A culpa seria sempre dos outros. E assim,
recusando-se, racionalizando, contradizendo-se, não participando,
reduzindo ao mínimo os seus esforços físicos, espirituais e morais
para o saneamento e elevação do meio em que vivia, pagando para não
se incomodar, quando se tratava do interesse coletivo; lisonjeando,
transigindo, corrompendo, revolvendo céus e terras quando se
tratasse de seus próprios interesses, ninguém como ele para
contaminar o ambiente de tristeza, imoralidade, indiferença e
derrotismo. Inesgotáveis como eram suas reservas de má vontade para
com tudo quanto se referisse ao Brasil, vivia a escancarar as suas
simpatias para tudo quanto fosse europeu.
Em princípios do século passado, o mazombo era
espiritualmente português, e vivia zangado com o Brasil, por não
ser o Brasil a cópia exata de Portugal. Em fins do século, como as
simpatias de Portugal se tivessem volvido para a França, vivia
zangado com o Brasil porque a cultura brasileira não era a projeção
exata da cultura francesa.
Desligado do que lhe ia em derredor para viver
imaginativamente do outro lado do Atlântico, se lhe dissessem que as
populações sul-americanas em geral e as brasileiras em particular
eram das mais mal alimentadas do mundo, ou que já sofriam de fome
crônica, ou que os índices de mortalidade infantil no Brasil só
podiam ser comparados com os da Índia, isso não lhe daria o mais
mínimo abalo. Para vê-lo comovido seria preciso algo mais: seria
preciso falar, em começos do século atual, na fome que passaram as
crianças européias na primeira guerra. Pobres das crianças belgas!
Pobres das crianças francesas! E Vive Paris! E Vive la France! O, lá
France, la France éternelle!
Cultura só a França a tinha, e sabedoria; e
patriotismo, e finess e savoir-faire. No mundo, a Europa; na Europa,
a França; na França, Paris; em Paris, Montmartre. Decididamente,
sem uma viagem a Paris não se completava nenhuma formação cultural
digna desse nome.
E fosse alguém timidamente arriscar que na
América do Norte também se inventava, que entre cada dez inventores
pelo menos cinco eram americanos, que a América produzia já uma
literatura bastante razoável, por vezes até apaixonante, talvez a
mais apaixonante do nosso tempo; que tinha um teatro soberbo,
superior até ao francês; que reunia do que havia de melhor no mundo
em todos os ramos do conhecimento e do conforto! O mazombo,
medularmente europeu, tomaria a afirmação como desconsideração à
sua pessoa.
...Pela lógica, com esta sua paixão por tudo o
que era francês, o mazombo devia ser politicamente um espírito
liberal, amante do trinômio liberdade, igualdade, fraternidade.... Mas no
Brasil, com a ignorância crassa da maioria da população, uma
população de mestiços, isto não era possível. Igualdade
política? Era só o que faltava! Onde é que se viu o seu voto valer
tanto quanto o do seu lacaio ou o da sua lavadeira?
Não, o mazombo não era pela igualdade política
e muito menos pela igualdade social. Era antes, rasgadamente, pelo
privilégio, contanto, naturalmente, que o privilégio fosse para
ele. ...E ai de quem lhe negasse o que pleiteava! Ficava tomado de
ódio e de ressentimento, um ressentimento tanto mais terrível para
o seu equilíbrio emocional quanto acabava refluindo contra ele
mesmo.
Ganhar no jogo, eis uma das boas alegrias do
mazombo. De resto, na vida, entre os seus prazeres, destacavam-se
estes dois: jogar e ganhar; jogar e perder. Contanto que estivesse
sempre jogando. Jogar, para ele, sem que o soubesse, era ainda um
modo de procurar simbolicamente o veio de ouro, lutar contra o
destino, de novo a luta de um contra todos, de todos contra um, como
na procura da mina.
...O puritano via a marca do
Senhor naquele que prosperava. O mazombo via a marca do destino
naquele que acertava. Na aventura, na vida, no jogo, na loteria, na
roleta, o essencial era acertar.
Outra paixão do mazombo: a caça
indiscriminada à fêmea. Assim como no mundo da inteligência
ninguém tinha espírito senão ele e os seus amigos - Null n'aura
d'esprit hors nous et nos amis - no mundo da moral, mulher alguma
teria honra, virtude e decência a não ser as de sua família e, por
vezes, em casos de especial deferência, as da família de seus
poucos amigos.
O ar impudente com que examinava uma mulher na
rua! Certo, o examinar mulheres e deleitar-se com a sua beleza sempre
foi um prazer universal, "uma festa para os olhos", mas
para despir as mulheres com o olhar não havia como os nossos
mazombos. Nisto a Europa e os Estados Unidos tinham de curvar-se ante
o Brasil.
No mais, nem bom, nem mau. Apenas sorumbático,
macambúzio, taciturno. Nada mais do que um ressentido com insofrido
e histórico desejo de afirmação, a espera de uma cultura em que
pudesse normalmente realizar-se.
Materia e foto retiradas da internet.(www.tecselecta.com/)