Criadores & Criaturas



"Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intata.
"

(Carlos Drummond de Andrade)

ENVIE SUA FOTO E COLABORE COM O CARIRICATURAS



... Por do Sol em Serra Verde ...
Colaboração:Claude Bloc


FOTO DA SEMANA - CARIRICATURAS

Para participar, envie suas fotos para o e-mail:. e.
.....................
claude_bloc@hotmail.com

segunda-feira, 12 de março de 2012

 Por que me abres velhas cicatrizes?
Se o meu não nunca te fere
por que esse perfume antigo?
Se sabes que odeio esse passado torto
por que me olhar atravessada?
Se o teu ódio não te faz andar
por que esse riso torpe? Por que?
A duvida não te permite gostar
Não te deixa sentir...nem sonhar
Por que fazer-se distante?
Se Eu te vejo aqui,
embora fora de mim
longe assim..
Que ventos nos deixou
num viver sem respostas?
mesmo que o caminho
se feche em paliçadas
qual paredes opacas
sem brechas para palavras
ou espaços para sonhos
ou perdão...
ainda assim podemos caminhar
mesmo que caminhemos
em sentidos contrarios
por estradas opostas
num viver sem respostas
sem tempo nem coragem
nem mesmo pra dizer
adeus.
Por que?


LEMBRANÇAS DO ASSARÉ - Por Edilma Rocha

Nos tempos de criança a simplicidade do lugar se completava com a companhia dos parentes mais próximos. Uma  cidade com poucas casas em torno de  uma só Praça, que já continha o próprio comércio.

Um mercado que exibia as carcaças do gado abatido dependurado pelos ganchos de ferro lá no alto, enquanto os vira-latas famintos aguardavam deitados pelas sobras, pacientemente. Em cima das bancadas a matança era completa. Cabritos, leitões e uma fileira de galinhas caipiras com porções de sangue em pequenas tigelas, agurdavam a freguesia. O ritual da faca do açougueiro lambendo a pedra de fogo me fazia tremer de medo.

A pequena loja de aviamentos enfeitava nossos cabelos com laços de fita de cetim e tafetá de diversas cores. Era o luxo das meninas que desfilavam nas calçadas todas as tardes.

Lembro de uma loja que vendia de tudo. Dos  pavios  das lamparinas até alguns móveis. Ali no meio da pequena cidade tinha  tudo que os moradores pudessem com pouca ambição, levar para casa.

Pela manhã acordávamos com o cheiro forte do café da torrefação do lado e aquele aroma se misturava com a brisa fria do despertar de mais um dia de férias. Ao abrir a janela já se encontravam os primeiros alimentos do dia. O pão quentinho embrulhado em papel e a garrafa com leite puro  que ficavam ali somente para a disposição da freguesia matutina. O lugar mais importante da cidade era o Largo da Matriz de Nossa senhora das Dores. E o respeito das pessoas pelo Vigário  era grande, como a de um prefeito ou delegado, que atudo dava a palavra final de conciliação.

Certa vez, no sermão da missa das cinco da tarde, comentou o desparecimento dos pães em algumas janelas das casas. Coisa que nunca havia acontecido.  Foi logo contratado um vigilante noturno que passaria a mudar o sossego de todos com um apito insistente nos despertando dos sonhos. Mas graças a Deus durou só uma noite pois o ladrão dos pães era um jumento que resolveu trocar o capim seco da Praça pelo pão  do nosso desejum.

Na Casa grande morava uma moça cria da casa, como era chamada, que fazia os trabalhos domésticos. Acordava bem cedinho, antes de todos e a primeira tarefa era apanhar água para o consumo do dia.
Decidi acompanha-la ao trabalho. Uma lata de Querosene vazia e bem limpa com um apóio de madeira, uma cuia e um pano torcido que chamava de rodilha, para proteger a cabeça. era tudo que levava nas mãos. O caminho não era curto, mas íamos conversando e a minha companhia parecia que lhe enchia de orgulho na apreciação do seu trabalho. Entramos  por um portão de madeira e encontramos uma mata verde que protegia um pequeno lago. Ela ficou de cócoras em cima de uma pedra plana e começou a fazer movimentos com a cuia afastando as pequenas plantinhas aquáticas que cobriam a água. E aos poucos enchia cuidadosamente a lata com água. Eu observava aquele lindo lugar com todo o verde e a pureza da água que não podia ser poluída com o suor do nosso corpo. Era um lugar sagrado. Descobri que todos da cidade dependiam da pequena lagoa. Por lá não existia água encanada, torneira e nem chuveiro.  A água era levada na cabeça da moça que não perdia a graça e equilibrava com força em 3 caminhadas de casa até a lagoa.

Ao chegar enchia primeiro os potes de barro da cozinha e depois uma tina no quartinho dos fundos que chamavam  de banheiro. Aquele líquido precioso não podia ser desperdiçado e na lavagem da louça serviam para o manuseio duas bacias de alumínio. Toda a sobra iria para o pé de uma antiga laranjeira ficanda entre as pedras do quintal.
Era um lugar de poucas chuvas naquele sertão e ao meio dia o calor do sol forte tornava quente o descanso do almoço, razão porque os telhados eram tão altos.

Ao descobrirem as minhas façanhas no amanhecer do dia no trajeto das água, fui severamente repreendida. E no sermão fiquei sabendo de que não podia acompanhar a moça no serviço da casa, pois era visita importante da cidade vizinha e não ficava bem.
_ O que iriam pensar ? Dei com os ombros...
Eu é que iria pensar daquele dia em diante sempre que abrisse ou fechasse uma torneira naquela moça bonita, de sorriso largo e que em nenhum momento se queixou da vida que levava. Pensar na importância que seria para mim tomar uma chuveirada deliciosa com as águas que corriam através dos canos vindo lá da nascente do Crato.

Edilma Rocha
( Ofereço mais uma vez este texto ao amigo Evaldo)




Tributo a Nélio Clayton Barbosa Falcão - Por Claude Bloc

Nélio Clayton Barbosa Falcão – Meu mestre, meu ídolo
(Claude Bloc)

Nélio (à esquerda) - no Rio
Ao escrever este texto, em alguns momentos, vou ceder, certamente, à emoção, pois sei perfeitamente que cada dia é mais um dia roubado da noite e cada noite é tempo de reflexão e de espera. Em nenhum sentido, me considero aqui intelectual: escrevo impulsionada pela história das coisas e das pessoas, e procuro lembrar delas com todas as células de meu corpo, como se na minha vida sempre estivessem.

O que escreverei hoje aqui é como se fosse uma névoa úmida de saudade. As palavras podem vir como sons transfundidos de lembranças que se cruzam de forma díspar, rendas no tecido do tempo, pauta, música e musicalidade. O que tenho aqui é a história de um homem que o tempo não me deixou esquecer.

Eu sei que eu estou segurando a narrativa, como se pudesse segurar a emoção. É que esse meu escrito deveria ser composto sem palavras: como se aqui eu tivesse à minha frente apenas fotografias mudas que contassem sozinhas uma história, como um silêncio que fala, ou melhor ainda, como uma pauta onde desfilassem melodias puras, com clave de sol.
Zé Flávio Teles e Roberto Piancó com Nèlio - Radio Aararipe

De toda essa argamassa de lembranças que me atiça a memória, aparece enfim essa pessoa de que falo: Nélio Clayton Barbosa Falcão. Tinha-o/tenho-o como um ídolo. Nas festas em que “Hildegardo e seu Conjunto” ilustravam com uma maestria divina, estavam lá meus olhos voltados para aquele homem que empunhava seu instrumento de cordas, dedilhando, ora com leveza, ora com uma vibrante euforia, as notas das melodias que eu dançava ou que simplesmente escutava, enquanto sonhava com algum príncipe (des)encantado. Eu queria aprender a tocar as cordas de um violão com aquela agilidade e nelas encontrar o tom exato dessa sinfonia que me empolgava e ao mesmo tempo me apascentava.

Desde pequena, sempre fui ligada (embrionariamente) à música. Tentei praticar acordeom, mas o peso do instrumento foi desaconselhado para uma menina em crescimento, com escoliose, devido ao fato de ser canhota. Foi então que, aos 15 anos, soube por Sarah Cabral que havia aulas de violão na Educadora. Ela era a professora de teoria (leitura e solfejo) e Nélio o professor de violão (aula prática). As aulas ocorriam numa daquelas salinhas, no topo da rampa, e era lá onde eu ia assisti-las com João Roberto de Pinho e Gracinha Pinheiro.

O professor, antes de tudo, já era para mim um exemplo, não só pelo seu desempenho como músico, mas também pela sua paciente e terna postura para com seus alunos. Eu sonhava em ter, como ele, a mão ágil e hábil nas cordas de uma guitarra ou de um violão. Aquela dança dos dedos em bemóis e sustenidos era da cor da minha ansiedade. Confirmei há poucos dias pelo seu próprio filho – Nélio Junior - que minha intuição, já naquela época, não prescindia de um grande senso de observação. Segundo seu filho, o nosso grande Nélio, tinha “grande intuição musical; era amoroso; paciente e muito pacato." Era, então, assim  que esse pai passava zelosamente seu tesouro para os filhos amados: a música, a arte!

A vida de Nélio Clayton foi tão arraigada de amor ao Crato, que eu o imaginava cratense – e ele certamente o era, de coração. Mas me surpreendi ao saber que ele nasceu em Fortaleza - em 04.06.1928. A vida dele foi pontilhada pela música desde cedo, e a ela devotou seu sucesso e seu arrojado trabalho. Em todos os seus passos e gestos estavam essa delicadeza e a harmonia de uma pessoa que veio semear o bem.

São sempre emocionados os depoimentos das pessoas que passaram de alguma forma pela sua vida. Foi essa sua herança, mas curta sua missão. Como a um anjo, Deus o levou cedo (aos 45 anos) e de repente. Quem sabe, para ouvi-lo mais de perto...

.
Histórico sobre a vida de Nélio Clayton Barbosa Falcão

Hildegardo e seu Conjunto (no Colégio Madre Ana Couto)


Nélio Clayton Barbosa Falcão
Nasceu em Fortaleza em 04.06.1928
Faleceu em Crato em 27.07.1973

Criado num meio familiar musical, desde cedo habituou-se com os acordes do violão.
Ainda jovem fez parte de grupos musicais que se apresentavam em Fortaleza, quando teve participação ativa nos tempos áureos da PRE-9/Ceará Rádio Clube.

Seguindo os passos do irmão Nilo, que integrava o famoso Conjunto 4 Ases e um Coringa, viajou para o Rio de Janeiro, onde na companhia do Maestro polonês Arnaldo Salpeter formou um Conjunto Regional.

Chegou ao Crato no ano de 1950, trazido pelo Maestro Arnaldo Salpeter, formando o Trio Jangada juntamente com o acordeonista Luzimar Alves, quando da fundação da Sociedade de Cultura Artística do Crato e Escola de Música Branca Bilhar, da qual foi professor de violão.
Mais tarde, formou também no quarteto Jangada juntamente com Maestro Arnaldo Salpeter, Hildegardo Benício e Hildelito Parente.

Integrou ainda "Hildegardo e seu Conjunto" e "Azes do Ritmo", e, por vários anos, também tocou em programas de estúdio e auditório das Rádios Educadora e Araripe. Nesta última, foi um dos seus pioneiros, juntamente com um dos seus grandes amigos, o radialista Wilson Machado.

Apaixonado pelo Crato, faleceu prematuramente aos 45 anos de idade - vítima de infarto fulminante - deixando muitos diletos amigos nos meios musical e social da cidade.
Sobre o Crato, falava sempre que vivia no paraíso (é onde está sepultado).

Foi casado com Maria Almira Brito Siebra e teve quatro filhos: Nélio Júnior, Nelmira, Neyla e Neylton.