Lamúria - por Domingos Barroso

Não me dê a mão
já lhe disse
no fundo do poço
os peixes míopes
cruzam as pernas
meditam
além do mais
a alma vazia
pesa muito
uma tonelada
de plumas
escrevo por covardia
(também lhe falei sobre isso)
não me espere de volta
tampouco venha até meus olhos
um mau tempo aproxima-se
nuvens escuras retinas
lâminas de gelo cílios
sem falar da garganta
com a espinha de peixe
atravessada
e o soluço preso
portanto fique aí mesmo
com a boca entreaberta
com aquele suspiro entediante
sem vontade de salvar o lunático
mas morrendo de pena da andorinha na calçada
faz frio também na nossa carcaça
um poeta com frio é tão triste
durma, sonhe com outra vida
ao lado de uma boa alma
em que todas as manhãs
ofereça-lhe flores
e às noites lhe arrume a cama
faça-lhe massagem nos pés
seja feliz sem meu hálito perdido
sem minhas roupas doadas
o meu corpo já nem ligo
hematomas
espasmos
engraçado quanto mais
o corpo se perde
uma luz brilha
adeus para sempre
é uma verdade
que nunca consigo
dizer-lhe
meu peito
aperta-se tanto
quanto meus olhos
ao deitarem-se
a fim de sonhos
e sonhar hoje em dia
é um troço difícil
sabia?