A AFONSO ARINOS, SETENTÃO
Carlos Drummond de Andrade
Afonso, que brincadeira!
Ontem, no Colégio Arnaldo,
garotinho irresponsável;
hoje, em teus setenta anos,
verbete de enciclopédia...
E que bonito verbete,
que página além da página,
esse teu sulco profundo
na história silenciosa
de nossa gente (a outra história,
feita de noites-vigília
no escritório-oficina
de soluções e de rumos
para o instante desvairado).
Renitente praticante
de ofícios entrelaçados:
o de servidor de idéias
e o de servidor do povo,
o povo que, desconfio,
mal pode saber ainda
o que por ele tu fazer
armado só de palavra,
entre leis estraçalhadas,
esperanças malogradas
e sinais de mundo novo
rogando decifração
Afonso, o da claridade
de pensamento, o de espírito
preocupado em riscar
passarelas de convívio
por entre irmãos divididos
e malquerenças rochosas
no território confuso:
Afonso, que bela vida
a vida nem sempre aberta
às sonatas da vitória!
Ser derrotado, quem sabe
se é raiz amargosa
de triunfo intemporal?
O tempo, esse boiadeiro
de botas lentas e longas,
vai pisando na estrumeira
do curral, vai caminhando,
vai dando voltas na estrada,
alheio a cupins e onças,
pulando cercas de farpa,
vadeando rios espessos
até chegar ao planalto,
ao maralto, ao alto-lá
onde tudo se ilumina
ao julgamento da História.
Afonso, meu combatente
do direito e da justiça,
nosso exato professor
do direito mais precário
(o tal constitucional),
Afonso, galantuomo
que tens duas namoradas:
Anah, de sempre, e essa outra
exigentíssima dama
que chamamos Liberdade,
Afonso, que vi xingado
de fascista e de outros nomes
que só a burrice inventa,
quando por sinal voltavas
de torva delegacia
aonde foste interceder
em momentos noturnais
pelos que iam xingar-te...
Mas o pico de viver
está justamente nisto
que bem soubeste ensinar-nos
combinar ternura e humour,
amenidade, puerícia
nos intervalos de luta.
E não disseste que doido
no fundo é todo mineiro
sob a neutra vestimenta
da mais sensata aparência?
Não disse Ribeiro Couto,
em breve arrufo amical,
que ouviu do Dr. Afrânio:
“Esse menino é maluco”?
Maluco, salve, o maluco,
o poeta mariliano,
o mirone de Ouro Preto,
cantor da barra do dia,
revelador do passado
em sua íntima verdade,
renovador de caminhos
de nossas letras e artes,
derrubador de odiosas
linhas de cor e prejuízo
(irmãos de pele diversa
já podem sentar-se à mesa
nacional, a teu chamado),
criador de nova atitude
do País perante os grandes,
humano e humanista Afonso,
salve, maluco! te amamos.
Afonso Arinos de Melo Franco (Paracatu, 1 de maio de 1868 — Barcelona, 19 de fevereiro de 1916) foi um jornalista, escritor e jurista brasileiro. Ocupou a cadeira 40 da Academia de Letras.
Um comentário:
Obrigado por postar o poema. Só pediria que corrigisse a informação final que está equivocada, se referindo ao tio e não ao amigo de CDA, que também se chamava Afonso Arinos de Melo Franco (Belo Horizonte, 27 de novembro de 1905 — Rio de Janeiro, 27 de agosto de 1990) foi jurista, político, historiador, professor, ensaísta e crítico brasileiro. Destaca-se pela autoria da Lei Afonso Arinos contra a discriminação racial em 1951. Ocupou a Cadeira nº 25 da Academia Brasileira de Letras, onde foi eleito em 23 de janeiro de 1958. Fonte: Wikipedia
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