É bom lembrar que a palavra “fundamentalismo “tem sua origem no Ocidente cristão e é fruto e decorrência do que se convencionou designar Modernidade. Os maiores fundamentalismos encontram-se no Ocidente. Foi aqui que foram gestados, em oposição à Ilustração(Movimento filosófico do século XVIII que se caracterizava pela confiança no progresso e na razão. Desafiava a tradição e incentivava a liberdade de pensamento.) e ao Liberalismo(Conjunto de idéias e de doutrinas que visa a assegurar a liberdade individual na política, na moral, na religião) e são filhos diletos do Romantismo (Movimento que substitui a Ilustração e os antigos modelos clássicos, procurando situar a existência humana num todo que envolvesse céus e terra. Daí que privilegiou os mitos da Antigüidade, da Idade Média e, não raro, da Reforma, culminando, muitas vezes, num movimento de Restauração de valores poéticos, religiosos e políticos).
A temática do fundamentalismo voltou a ser enfocada, após os acontecimentos de 11 de setembro de 2001, quando aviões foram, intencionalmente, lançados contra o coração financeiro norte-americano, em Nova Iorque, e contra o coração militar norte-americano, o Pentágono, em Washington. Fundamentalistas islâmicos foram acusados de serem os autores do atentado.
As pessoas, que planejaram os ataques suicidas de Nova Iorque e de Washington, certamente, estavam convictas de que o faziam em nome da luta do bem contra o mal. Essa sua convicção é denominada de Maniqueísmo(Doutrina desenvolvida pelo persa Mani (século III), segundo o qual o universo foi criado e está dominado por dois princípios antagônicos: Deus e Diabo. Por isso, só há dois princípios opostos: bem e mal.), típica das pessoas que não vislumbram mais o arco-íris, mas só vêem preto e branco, luz e trevas... Seus argumentos não precisam ter sido religiosos. Os argumentos do presidente Bush, ao jurar vingança, foram semelhantes: ‘Vamos eliminar o mal deste mundo’. Bush não precisa ter feito suas colocações necessariamente religiosas.
Não são apenas fanáticos religiosos que precisam de argumentos para justificar seus atos, que a maioria chama loucura. Muitas vezes (na maioria das vezes?), quando procuramos argumentos para definir nossos fundamentos, procuramos por inimigos. Os proprietários e os acionistas da indústria de armamentos precisam de argumentos para dizer que são fundamentais. Aí o bom passa a ser mau e o mau passa a ser bom.
Quando Saddam Hussein usou armas químicas contra curdos e iranianos, era bom e boas eram as armas químicas. Quando passou a criticar os fornecedores dessas mesmas armas, passou a ser mau e más eram as armas químicas. Bom era Osama Bin Laden, ao tempo em que, em Hollywood, se filmava Rambo 3. Aí os afegãos muçulmanos eram bons. Eram, nas palavras de Ronald Reagan, heróis semelhantes aos pais fundadores dos Estados Unidos da América do Norte. Treze anos depois são maus.
Em 11 de setembro de 1973, 28 anos antes de 11 de setembro de 2001, o palácio presidencial de Santiago do Chile ardeu em chamas e o presidente Salvador Allende foi assassinado. O ato foi considerado bom, pois, segundo Henry Kissinger, o país “se havia tornado marxista em decorrência da irresponsabilidade de seu povo”. Todos os fundamentalistas se parecem: os religiosos e os do mercado. Os religiosos, porque vivem dos dogmas da fé; os do mercado sempre, porque, para eles, o mais importante são as leis que regem a compra e a venda de seus produtos. Desprezam vidas humanas. O trágico é que, enquanto desprezam vidas humanas, o fazem em nome da Única Verdade. As atrocidades do movimento guerrilheiro Sendero Luminoso, no Peru, prepararam as atrocidades do presidente Fujimore.
As atrocidades do Oriente Médio prepararam as atrocidades do terrorismo feito em nome de Alá. Não é Alá quem comete os crimes feitos em seu nome. Não foi Deus quem encomendou aos nazistas o holocausto judeu; não foi Deus quem encomendou a expulsão dos palestinos de suas terras. O maniqueísmo, o olho por olho e do dente por dente, deixa o mundo cego, sem olhos, e desdentado. Depois de as vacas terem ficado loucas, os seres humanos enlouquecem. Os seres humanos criaram sistema que provoca loucuras, em nome da Verdade Única.
texto acima é parte de um artigo do Prof. Dr. Martin N. Dreher, da UNISINOS)
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