Para José do Vale Feitosa, adolescente.
Anseio por chegar o momento do estalo de memória tal qual ocorreu ao escritor Paulo Elpídio de Menezes. Em certa ocasião de sua vida – vupt! – qual um ponto crítico, e ele começou a rememorar o que viu e viveu em sua terra natal, desde os tempos de menino, até ser “expulso” pelos mandatários da época. Deixou tudo muito bem escrito no clássico “O Crato do meu tempo”. Já lá se vão 51 anos da primeira edição.
Aqui e ali vou me recordando de acontecimentos do passado, principalmente daqueles que mexeram com “as minhas coisas”.
Talvez fosse 1966 ou 67. Num tempo qualquer, a juventude de Crato entrou no maior frisson. As rádios da cidade anunciavam o mais esperado show do ano, na Quadra Bi-centenário. Nada mais nada menos do que a famosa, a mais bonita, a boa de canto, de pernas, de tudo, a namoradinha do Brasil, a ternurinha, uma brasa, mora, a Wanderléia.
Gamei a louraça de cara logo após ouvir “já chegou já chegou, novamente a bonança, todo o mal já passou, já chegou a esperança, vamos cantar”.... (Tempo de Amor). Como também “nós somos jovens, jovens, jovens, somos exército, exército de surf.” (Exército de Surf).
Levava a sério a minha paixão pela Wandeca, e não gostava nada quando meu primo Edísio Lima, sempre afeito a paródias, cantava para me irritar: “já chegou, já chegou, Postafen na farmácia, e a bunda das moças, já não cabe nas calças”...
Naquela noite foi demais. Tomei emprestados uns trocados a Zé Lopes, meu velho amigo. Diziam que nascemos juntos. Xavier, o mais velho da turma era perverso: - vocês parecem meus ovos, só andam juntos...
Pois bem, Zé Lopes me adiantou o ingresso e descemos, à boquinha da noite, com outros amiguinhos, para ver e ouvir, de perto, o objeto de meu desejo e de todos os jovens embalados nos Beatles, no iê, iê, iê, em Roberto, Erasmo, Jerry, Ronnie Von, na turma da jovem guarda.
Meus olhos se encheram de lágrimas e o meu coração disparou quando Elton Dantas gritou do meio da quadra:
- E com vocês, ela, a rainha da jovem guarda, Waaaadeeerléééia! Delírio total. A cada canção gritos, aplausos e choros...
Nunca havia visto uma mulher de calça comprida como a dela. Era uma calça colant preta, que deixava suas generosas curvas à vista e a nossa libido em polvorosa.
Quando o show chegou ao fim, um desastre total. A turma dos sem vergonhas cerca a Wanderléia, e haja um passa- passa de mãos, de dedos... A coitada corre para o portão de saída, abraçada ao trôpego Elton Dantas, cujo corpo todo virou um receptáculo de porradas sofridas ao longo do infindável percurso.
Fiquei arrasado. Macularam o objeto de meu particular desejo... De onde estava enxerguei muito bem no meio da turba de mãos bobas e dedadas um deles, que por infelicidade, era meu colega de escola.
No outro dia, comentário geral nas ruas, nas praças e na escola. Era nego falando disso e daquilo. Fulanos diziam não terem lavado as mãos ainda. Sicranos passaram a noite cheirando as mãos. Beltranos dizendo de outras coisas feitas com as mãos, à noite toda.
Eu, puto, olhava pro meu colega, com vontade de descer-lhe a mão no pé do ouvido. Me contive. O gajo era metido a valentão. Gelava todo mundo por lá. Era o rei do parangolé.
Mas um dia fui vingado. Ah, se fui! O tal sujeito inventou de ser ator. Rosenberg Cariry o tornou cangaceiro. Lá estava ele, o valentão, enfrentando de trabuco e muito jogo de cena a soldadesca desorientada nas caatingas do sertão, ao lado do famoso Corisco, ex-bando de Lampião.
Numa dessas refregas um tiro certeiro lhe abateu. Vi o meu desafeto cair mortinho da silva bem na minha frente. Pronto, disse comigo, taí o que você queria seu fela! Ri de mim para mim, saboreando o prato frio da vingança pelo cometimento cruel sobre a deusa dos meus sonhos.
Um abraço pro Nemezinho, o sempre cangaceiro nos filmes do amigão Rosa.
Suas famosas peripécias nessa Craterdan são coisas nossas.
E para quem gosta, convido a escutar no programa Compositores do Brasil desta quinta, a partir das 14 horas, na Rádio Educadora do Cariri (www.radioeducadora1020.com.br), com o grande Roberto Martins falando de sua história, e cantando suas belas músicas.
Bom fim de semana.
4 comentários:
Tomara também que o Dihelson não veja a desgraça que cometi ao permitir espaços demais entre parágrafos.
Caso vejas, perdoa, Di, perdoa, Di.
Zé Nilton,
Você faltou à festa dos meus 18 anos... Olha só o tamanho do puxão de orelha...
Abraço,
Claude.
Zé Nilton,
A meia noite se aproxima, só tem meia hora, coisita de nada e não paro de rir. Uma história contada como toda história deveria ser contada. Tão bem contada que não dar nem inveja de querer escrever igual: com estas nos tornamos leitores perpétuos. Taí que viraria noite ouvindo histórias iguais ainda mais neste friozinho do julho que começa daqui a pouquinho. Zé Nilton, deu show neste blog. Quando eu crescer quero ser assim.
O que é isto, companheiro? Escritor de mancheia és tu. Veja o arraso que deu na interpretação de nossa formação antropológica! Poucos antropólogos fariam com tanto conhecimento da história das C. Sociais no Brasil, num plano conciso, correto e de forma tão didática.
Resulta que médicos como você, que conheceram e realizaram trabalhos de campo também se deram, por responsabilidade intelectual, uma boa olhada nas teorias antropológicas.
Disso resultou, talvez, a orientação dos conselhos de saúde em incluir as C. Sociais nos cursos da área de saúde.
Neste semestre, às pressas, tive que criar uma ementa para o curso de Biologia da Urca, por determinação do Conselho de Saúde, orientado pelo MEC.
Parabéns!
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