Criadores & Criaturas



"Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intata.
"

(Carlos Drummond de Andrade)

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Colaboração:Claude Bloc


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terça-feira, 7 de junho de 2011

Eu, tu, eles - José do Vale Pinheiro Feitosa


As cenas iniciais deste filme foram tomadas no que era um distrito rural de Juazeiro da Bahia. O nome do distrito é Salitre e num raio de alguns quilômetros se tem de terra irrigada produtora de frutas e cana até o semi-árido como tais cenas vistas neste vídeo. Foi na foz do rio Salitre nos idos do século XVII que uma excursão da família D´Ávila, da Casa da Torre, dizimou quase quinhentos índios aldeados.

São cenas do filme Eu, Tu, Eles. Uma deliciosa comédia com um quadrado amoroso representado pelo melhor que grandes atores podem encenar. A história se baseou em retalhos de fatos reais da vida de uma cearense Maria Marlene Silva Sabóia. Falei de comédia, mas o drama permeia toda a trama: a pobreza, o trabalho duro e a divisão do pouco que se há para dividir.

O mais delicioso do filme é sua trilha sonora. Especialmente este “Esperando na Janela” que tinha por conta de ter sido composta por Targino Gondim, mas que na verdade surge com mais três parceiros, incluindo Gilberto Gil.

Esperando na Janela é uma lição de esperança. O estilo não morreu. O forró ainda tem respiração para muito mais história. Quando seu Luiz começou, a letra forró e muitas notas já eram de indivíduos urbanos e letrados. Zé Dantas e Humberto Teixeira, um era médico e outro advogado e exerciam suas profissões no Rio de Janeiro.

Portanto o nosso forró das rádios, dos discos de cera e dos long play já eram de pessoas urbanizadas e vivendo a vida com o que a cidade produzia. Poderiam ter a nostalgia da vida rural, até mesmo como um brasileiro bem sucedido ter uma fazenda, mas em absoluto viviam da roça e da criação.

O que está acontecendo em Fortaleza e no resto do nordeste com o forró é uma decadência maior. Não é que tudo se explique pelo componente urbano dos personagens. O buraco é um pouco mais profundo. É a nova geração consumista, alçada de uma periferia cruenta de grandes cidades para um sucesso de minutos, com muita grana, uso e fruto desenfreado, exibição de luxo e grosseria. É um forró rude, casca grossa, do pior que a volúpia do fugaz tem para a cultura.

Não é diferente em angústia do pior que vida tem nas grandes cidades brasileiras. Por isso não é diferente de um funk (não no sentido musical) em seu desespero de se humilhar para esconder a humilhação de todos os dias: nos trens de periferia, nos baixos salários, contas a pagar e um desejo de consumo sem meios para consegui-lo.

Em ambos as mulheres se deliciam como objetos de machos exibicionistas. Valentões cheirados e com garrafas das bebidas mais baratas em goladas pelo gargalo. Na periferia de Fortaleza existe um negócio chamado Lual, verdadeira festa rave, só que com forró eletrônico numa babel de centenas de bolhas de som, formadas por paredões de caixas, tocando coisas diferentes, mas todas iguais na mesmice tediosa que a surdez de decibéis parece revelar.

Isso cansa. A sociedade urbana vai mudar, mas é neste mesmo arrasto que se mata por um par de tênis ou por um celular. Que o crack forma zumbis nas cidades pequenas. Que a municipalidade parece pequena para tantos problemas. A luta pela crítica ao forró de plástico passa por muitas críticas ao próprio modelo de acumular e consumir na modernidade ou na pós-modernidade vá lá ao que isso seja.

4 comentários:

Dihelson Mendonça disse...

Desculpe te contestar, mas o buraco é mais embaixo. O problema do Forró Eletrônico não é uma questão social tipo "sinal dos tempos" como você colocou na sua terna crônica poética, como um movimento correlato ao Funk de rua como reação sociológica à miséria, ou pela grosseria das camadas mais pobres e alienadas do Brasil.

A verdade mesmo é que não é um fenômeno espontâneo da natureza nem muito menos sinal dos tempos.

Conforme expliquei na minha outra crônica, e posso arrancar centenas de testemunhas que corroboram o que escrevi, é uma indústria cuidadosamente arquitetada por empresários gananciosos de Fortaleza, um deles chamado Emanuel Gurgel, que foi o INVENTOR do sistema já explicado, de produção, vendas de CDs baratos e conluio com estações de rádio e casas de shows.

A coisa é mais rasteira e menos poética. Não há poesia, ainda que de concreto nas maquinações dos escritórios do Forró em Fortaleza. Há apenas 5 ou 6 empresários gananciosos por trás de um birô que sustentam músicos, colegas meus com Arroz e Ovo frito todo dia, quando antes comiam carne de porco.

A indústria foi cuidadosamente planejada para funcionar da forma descrita, comprando espaços no rádio, e vetando qualquer outro tipo de música.

REPITO: O processo não é passivo como consequência de causas sociais ou sociológicas. É ativo, engendrado, arquitetado por mentes "brilhantes" usando programação neurolinguística até para escolher frases de efeito, voltada à exploração de uma sedução. Prova é que jovens universitários, formados, formandos, empresários bem-sucedidos participam do movimento da mesma forma.

Não é uma reação social à miséria, pois talvez haja igual proporção de gente das classes altas e média alta, que dirigem confortáveis carros japoneses e paredões de som na capital, nas altas rodas da sociedade.

O buraco é mais embaixo. E cheio de grana. Porém, cuidadosamente arquitetado.

Dihelson Mendonça

José do Vale Pinheiro Feitosa disse...

Não tem problema contestar. Expomos visões é para apontar diferenças e somá-las, além de contradizê-las. Só ponderaria que se perceberes não dizemos coisas diferentes, já que as maquinações mais espetaculares são incapazes de funcionar sem um estrato social e econômico. Isso não quer dizer que as maquinações não existam e que não possam ser combatidas. Também não querem dizer que se tem uma base social, também sejam impossíveis de serem apreendidas. Se perceberes não exclui os mais ricos, como o exemplo do Lual com sons caríssimos e para meninos ricos na base do consumismo. Agora, fico muito na região metropolitana de Fortaleza e vejo isso: a pequenez da municipalidade para enfrentar esta base que citei e os problemas associadas como as drogas e o crack que chegou em cheio ao nordeste por ser mais barato. Só peço uma observação para se veja que tais coisas se associam.

Dihelson Mendonça disse...

Olá, Zé do Vale,

Depois de reler o seu texto eu também percebi isso, que uma coisa não exclui a outra. Os dois textos são verdadeiros e se complementam.

Você analisa por um contexto sociológico e eu trago as informações da prática, do dia-a-dia de como a coisa é perpetrada.

Eu ainda não disse toda a verdade, pois envolveria grandes nomes que não estou disposto a revelar em público. São coisas muito graves, informações revoltantes, fatos presenciados por nossos colegas e que ao expor num espaço público os ridicularizaria e poderiam correr processos judiciais e precisaríamos de provas, o que não existem, mas confirmamos a veracidade na época dos acontecidos.

Só digo uma coisa: É muito cruel o que essa indústria está fazendo aos músicos do interior, arrebanhando-os para a capital com promessas de ganhar bem. Muitos deles correram pelo desespero, ao mundo das drogas e do álcool, guitarristas, tecladistas, bateristas, deixando suas famílias nos rincões tentando uma vida melhor. As confissões deles são as mais absurdas que se pode ouvir, beirando o trabalho semi-escravo.

Tudo pra alimentar uma máquina que não pode parar. Uma máquina cruel de massificação, onde somente os cartolas que moram na Aldeota e em palácios nas redondezas de fortaleza ganham fortunas às custas da miséria dos outros, e pior do que esse escravagismo imediato, é o mal que estão fazendo às novas gerações, como dissemos, não importando se pobres ou ricos.

Aqui no Cariri, acho que diferente de qualquer parte do mundo, eu vou até filmar depois, esses poderosos compraram praticamente todos os espaços e não se toca outro estilo musical no rádio.

NUNCA VI ISSO EM PARTE ALGUMA !

Até a programação local caiu pela metade. Rádio de Aluguel. O cara chega, e aluga a manhã inteira, a tarde, e envia o sinal via satélite.

O povo do cariri escuta programação de Fortaleza. Vários profissionais do rádio local acham a situaçao intolerável. Vai acabar desaparecendo programação local. As rádios são apenas repetidoras.

Quando é época de festa em determinada cidade, essas rádios se concentram nas "atrações" que virão ( DIGA-SE: quase todas as bandas pertencem ao mesmo grupo ), num evento desses como Expocrato, vê-se muitas bandas de um mesmo proprietário. inclusive tem músicos que saem trocando de banda em banda, porque está dentro da mesma empresa.

Continua...

Dihelson Mendonça disse...

Continuando...

O Negócio é Feio, rapaz!
E o pior, é que é tudo dentro da lei. Não há como tentar barrar o processo por meios legais. Não há nenhuma lei que tenha previsto que isso aí poderia acontecer.

O grupo se expandiu e há estações afiliadas por todo o país. O objetivo deles é se estabelecer por todo o país, como fizeram no Ceará. É UM CÂNCER.

Quando é difícil penetrar, eles PAGAM pra estar lá. investem pesado. Tudo visa o lucro. Não há arte nem cultura, não sabem nem o que é isso, nem estão interessados.

É a massificação em seu mais perverso, requintado e odioso processo. Como disse, com auxílio de neurolinguística.

A solução não é tentar destruir o que eles construiram. Seria um mosquito bater numa parede. A solução, na minha opinião e de muitos músicos do sul do país com quem estou em permanente contato, é fazer crescer nosso negócio. Sem olhar para o lado, INVESTIR também na música de qualidade. Eles investem milhões em Rádios e bandas.E nós, quanto investimos em um ano ? Nada ? E como vamos competir com a MÁQUINA ?

Tenho criado inúmeros meios de comunicaçao virtuais que tem atraído um bom público. Todo dia chega mais gente. Páginas no facebook, comunidades, palestras, shows, música na praça, e sobretudo programas de rádio, ganhando espaços que eram deles.

Na Rádio Educadora, nos revesamos: Eu, Carlos Rafael, José Nilton Figueiredo, Salatiel, e Paulo Ernesto ( Filho do Vicelmo ), em programas de música de qualidade, cada um com estilos diversos. Muita muita gente telefona. Muita gente nos vê como uma turma de salvadores, pois eles também já não aguentam mais. Paralelo a isso, os macacos do forró não respeitam as leis e saem ás ruas com paredões de som, competindo uns com os outros com pouca fiscalização dos órgãos.

Veja os inúmeros comentários sobre o lançamento da nossa campanha no Blog do Crato, mais de 12 comentários, cada um cobrando atuação, e reclamando da música no Rádio. No facebook, mesma coisa.

E esse movimento que estou encabeçando com a ajuda dos inúmeros amigos ( tenho mais de 800 seguidores no Facebook ), não tem objetivo de colocar artista algum na Expocrato ou coisa parecida. Aí é outro departamento. A campanha é permanente. Ora, se nem Caetano Veloso, Gilberto Gil, Fagner, Zé Ramalho, Alceu, ou qualquer outra celebridade tem mais acesso ao rádio e aos shows, como é que Abidoral, joão do Crato, Eu e outros mais teríamos ?

Por isso estamos trabalhando os espaços no rádio para trazer a música de volta. Enquanto isso, os artistas locais irão batalhar por espaços em shows. Aí é a lei da sobrevivência.

Acho que cnsegui expor um pouco a realidade das ruas por aqui.

Abraço,

Dihelson Mendonça