Criadores & Criaturas



"Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intata.
"

(Carlos Drummond de Andrade)

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Colaboração:Claude Bloc


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sexta-feira, 17 de junho de 2011

Um sobrinho executivo das Tias High-Tech - José do Vale Pinheiro Feitosa

Foi um primo de São Paulo. Destes que já fizeram pós de todos os tipos lá na USP. Entusiasta da tecnologia digital, do ser no mundo conectado ao cabedal de informações que estão em todos os lugares como neve na Antártida. De vez em quando há deslizamento e toneladas encobrem o mais remoto do pensamento humano.

Com ares de executivo bem sucedido foi visitar as nossas arcaicas tias high-tech: Rosinha, Maria e Mundinha. Vou explicar: vivem numa fazenda do Potengi no meio de tecnologias que os sobrinhos lhes dão. Gostam mesmo é de pesquisar notícias nos jornais, mas já têm celular, micro-ondas, antena parabólica, DVD, Blue-ray, Televisão LED com óculos para 3 D e assim vai. Não vale a pena listar novidades neste mundo do consumo: sempre tem alguma querendo entrar na lista.

O carro freou no terreiro da casa. Era uma hilux prata, com pneus brilhantes, vidros fumês, um som de fazer inveja a uma casa de show, televisão digital no painel, plugagem para todo tipo de parafernália eletrônica e não vou falar em computador de bordo, pois isso até o Uno Miller já tem.

As tias ansiosas pela visita do sobrinho, já tinham recebido e-mails e no percurso entre o Crato e o Potengi, o rapaz lhes telefonara mais de uma dezena de vezes. Ele estava ansioso para chegar ao misterioso mundo pendular das tias: entre a pré-modernidade e a pós-modernidade.

Tia Rosinha, a mais novidadeira, já estava no terreiro para ser a primeira a abraçar o rapaz. Tia Mundinha estava na metade dos batentes que dão no alpendre e tia Maria no topo da escada com braços abertos para o sobrinho enquanto a porta do motorista começava a se abrir.

O rapaz pôs um pé fora do carro, levantou-se do banco e logo o rosto de riso largo despontou por sobre o topo da porta. O encontro eminente com as tias era uma festa mais intensa e emocionante do que as dezenas de vezes que tinha levado os filhos a Orlando visitar o parque da Disney.

As tias não estavam tomadas de surpresas. Sobrinhos eram valores absolutos. Já estavam gravados nos corações delas. Por isso mesmo a alegria do valor intrínseco é bem maior que as surpreendentes novidades.

Naquele terreiro dos sertões do Potengi acontecia a apoteoso do encontro: entre as pós da USP e os pré da terra que havia financiado todo aquele pós. O abraço seria a sagração da família nordestina. Depois era seguir o ritual: doces, almoço de desmaiar o comensal, cafés, bolos, conversas e recordações sobre avós e pais do rapaz.

Mas quem imagina a conciliação entre o pré moderno e o pós moderno pode ir tirando o cavalinho da chuva. O Smarthfone do rapaz entrou feroz com informações de voz, imagem e texto. Foram vinte minutos junto à porta da Hilux tentando resolver as mensagens. A alta tecnologia da Hilux em nada podia ajudá-lo.

As tias se cansaram de ficar em pé e foram aguardar o término da sessão do executivo, bem sentadas na varanda.

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