Na feira.
Para o várzeo-cratense, Antonio Alves de Morais
Coisas bem nossas guardar a segunda feira como o prolongamento de domingo; nada de trabalho. Calma, isto ocorre não raro fora da cidade, subindo para os pés de serra, sítios e Chapada. Os lugares de feições rurais que permanecem com seus ritmos, ritos e costumes.
Procure-se uma mão de obra qualquer na segunda feira, e não acharás.
Cadê Nego d´Água pra sentar a cerâmica ?
- Foi pra feira.
- Chama aí Carriel, Mansinho ou Lóba pra começar o levantamento do Muro...
- Tão tudo na feira.
- O que vocês foram fazer na feira?
- Bem, eu fui comprar uma roçadeira, uma lima pra amolar meu serrote, e um cinturão de couro, o meu se quebrou.
- E tu ?
- Comprar duas calças de brim e um chinelo currulepo.
- E tu aí?
- Fui olhar o ambiente, e ver se achava alguém da Serra pra mandar um recado pro Toin, lá da Ramada. Depois, peguei uma merenda lá na Lola e tomei três lapadas.
A feira é o lugar da realização da vida. Nada de bucolismo, romantismo ou sobrevivência do passado. Não, a feira possui uma função social, e por isto ela persiste no tempo, enquanto espaço cultural de determinadas classes sociais confrontando suas estratégias de sobrevivência.
Ali se realiza e se atualiza a cultura da pobreza, embora muitos abominem este conceito. Não que ali seja “o lugar dos pobres”, não; não é por aí a minha análise. Olho para as formas de ser e de fazer das pessoas que vendem, compram, circulam, se encontram, atualizam amizades. Em síntese: dominam uma linguagem, cultivam uma estética e trocam coisas e sentimentos.
Uma faceta das muitas que ocorrem naquele grande mercado, embora destoe da lógica do mercado tal qual ficou cristalizada na história econômica, é que muitas vezes, certos produtos são levados para serem “trocados” por outros produtos. Situações há em que é de somenos a sua venda para auferir lucros.
Falo do caso de vários “negociantes” da Serra do Araripe, produtores de mandioca. A idéia de alguns é de que “trocam” a farinha por açúcar, sal, mistura (bucho, tripa, toucinho), querosene, etc... E tem mais: Quando descompensa o preço dos bens de sobrevivência mínima com relação ao da farinha, eles produzem mais farinha para a próxima feira. Isto porque a farinha é como se fosse uma “moeda de troca”.
Este fenômeno estranho ao mundo capitalista não ocorreria caso fosse uma indústria. Na indústria, se o produto não tem preço, fecha-se o negócio. A indústria é mãe e filha do lucro. A farinha é o “dinheiro” plantado bem ali na roça para comprar o que “eu não produzo”, se o dinheiro der.
Voltando à feira, aqui e acolá curto de montão andar pelas feiras. Ela é vária sob uma mesma denominação. Tem a feira da farinha, a feira da rapadura, a feira dos tecidos, a dos objetos de barro. É só perguntar e todos apontam a direção ao que você procura. Já foi muito maior e mais concentrada.
Ela desaparecerá um dia? Acho que não por dois motivos: primeiro, seria difícil acabar com a economia da informalidade; segundo, sua função social se liga diretamente à cultura do local, à identidade de um povo, às formas de ser e de fazer que particularizam modos de vida que se ritualizam neste velho mundo, apesar da globalização.Em tempo: a globalização não globaliza sentimentos...
Mas, aqui prá nós, é chato procurar Ciçola, Rói Sebo, Arnaldo Creuza ou Luiz de Tia Rosa pra fazer isto ou aquilo, e ouvir:
- Tão na feira!
E para quem gosta, no programa Compositores do Brasil, desta quinta-feira, às 14 horas, na Rádio Educadora do Cariri (www.radioeducadora1020.com.br, a nossa homenagem ao valoroso compositor paraense Billy Blanco, que faleceu no dia 8 passado, no Rio de Janeiro, e deixou uma obra musical das mais dignas e representativas da moderna MPB.
Bom fim de semana.
Para o várzeo-cratense, Antonio Alves de Morais
Coisas bem nossas guardar a segunda feira como o prolongamento de domingo; nada de trabalho. Calma, isto ocorre não raro fora da cidade, subindo para os pés de serra, sítios e Chapada. Os lugares de feições rurais que permanecem com seus ritmos, ritos e costumes.
Procure-se uma mão de obra qualquer na segunda feira, e não acharás.
Cadê Nego d´Água pra sentar a cerâmica ?
- Foi pra feira.
- Chama aí Carriel, Mansinho ou Lóba pra começar o levantamento do Muro...
- Tão tudo na feira.
- O que vocês foram fazer na feira?
- Bem, eu fui comprar uma roçadeira, uma lima pra amolar meu serrote, e um cinturão de couro, o meu se quebrou.
- E tu ?
- Comprar duas calças de brim e um chinelo currulepo.
- E tu aí?
- Fui olhar o ambiente, e ver se achava alguém da Serra pra mandar um recado pro Toin, lá da Ramada. Depois, peguei uma merenda lá na Lola e tomei três lapadas.
A feira é o lugar da realização da vida. Nada de bucolismo, romantismo ou sobrevivência do passado. Não, a feira possui uma função social, e por isto ela persiste no tempo, enquanto espaço cultural de determinadas classes sociais confrontando suas estratégias de sobrevivência.
Ali se realiza e se atualiza a cultura da pobreza, embora muitos abominem este conceito. Não que ali seja “o lugar dos pobres”, não; não é por aí a minha análise. Olho para as formas de ser e de fazer das pessoas que vendem, compram, circulam, se encontram, atualizam amizades. Em síntese: dominam uma linguagem, cultivam uma estética e trocam coisas e sentimentos.
Uma faceta das muitas que ocorrem naquele grande mercado, embora destoe da lógica do mercado tal qual ficou cristalizada na história econômica, é que muitas vezes, certos produtos são levados para serem “trocados” por outros produtos. Situações há em que é de somenos a sua venda para auferir lucros.
Falo do caso de vários “negociantes” da Serra do Araripe, produtores de mandioca. A idéia de alguns é de que “trocam” a farinha por açúcar, sal, mistura (bucho, tripa, toucinho), querosene, etc... E tem mais: Quando descompensa o preço dos bens de sobrevivência mínima com relação ao da farinha, eles produzem mais farinha para a próxima feira. Isto porque a farinha é como se fosse uma “moeda de troca”.
Este fenômeno estranho ao mundo capitalista não ocorreria caso fosse uma indústria. Na indústria, se o produto não tem preço, fecha-se o negócio. A indústria é mãe e filha do lucro. A farinha é o “dinheiro” plantado bem ali na roça para comprar o que “eu não produzo”, se o dinheiro der.
Voltando à feira, aqui e acolá curto de montão andar pelas feiras. Ela é vária sob uma mesma denominação. Tem a feira da farinha, a feira da rapadura, a feira dos tecidos, a dos objetos de barro. É só perguntar e todos apontam a direção ao que você procura. Já foi muito maior e mais concentrada.
Ela desaparecerá um dia? Acho que não por dois motivos: primeiro, seria difícil acabar com a economia da informalidade; segundo, sua função social se liga diretamente à cultura do local, à identidade de um povo, às formas de ser e de fazer que particularizam modos de vida que se ritualizam neste velho mundo, apesar da globalização.Em tempo: a globalização não globaliza sentimentos...
Mas, aqui prá nós, é chato procurar Ciçola, Rói Sebo, Arnaldo Creuza ou Luiz de Tia Rosa pra fazer isto ou aquilo, e ouvir:
- Tão na feira!
E para quem gosta, no programa Compositores do Brasil, desta quinta-feira, às 14 horas, na Rádio Educadora do Cariri (www.radioeducadora1020.com.br, a nossa homenagem ao valoroso compositor paraense Billy Blanco, que faleceu no dia 8 passado, no Rio de Janeiro, e deixou uma obra musical das mais dignas e representativas da moderna MPB.
Bom fim de semana.
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