Criadores & Criaturas



"Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intata.
"

(Carlos Drummond de Andrade)

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... Por do Sol em Serra Verde ...
Colaboração:Claude Bloc


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quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Mãe e Filha - Luiz Carlos Monteiro



De passagem por Olinda decido ir à procura de alguém que conheço. Chego ao bairro. Localizo a rua e a casa. Chamo. Moram apenas as duas. Mãe e filha. A mãe aparece. Mesmo me reconhecendo não se altera. Não me convida a entrar e nem alimenta nenhuma conversa. Diz apenas que Ela não está. E retira-se para dentro ruminando seus velhos severos cabelos de prata. Antes fecha a porta. Os olhos frios duríssimos por trás dos óculos dourados.
Vi que a antiga árvore da entrada do jardim da casa definhara bastante. Raízes e galhos implodindo cansada. Não havia rastro dos pneus do carro. Insisto. Mas eu preciso saber onde Ela está. A mãe rebate. Agora eu só sei que aqui Ela não está. Taxativa. Volte outro dia. Digo que não posso vir outro dia. Bate novamente a porta na minha cara. Mais três pancadinhas e falo com Ela. Três pancadinhas de nada. Três pancadinhas assim. Desisto. Seguirei o conselho da velha.
Outro dia eu volto. Um tempo que usarei para lembrar e relembrar. Noites que se sucediam rapidamente até o núcleo de vivências inesperadas de muito pique e festa. Horas encruzadas de contatos com aspirantes a artistas e artistas consolidados. Artistas da vida que se equilibravam com a força da ginga e do verbo. Sucesso garantido com as mulheres malucas desinibidas. Bailarinas poetas atores cantoras músicos pintoras. Gente diversa que compunha o espetáculo repetido de bares alternativos e próprios para turista ver e desfrutar. Barraquinhas de queijo assado e tapioca. Abraxas. Cantinho da Sé. Praça do Carmo. Ladeira de São Francisco.
A loucura de aparência espectral de uns contraposta à lucidez falseada de outros. Alguns mergulhados e embalados no ritmo de cigarros ainda proibidos para consumo geral e somente por lá encontrados. Bolinhas de guaraná e fartura de alcaloides . Sempre guardando qualquer ressonância com um passado tão próximo quanto o presente que se estava a fazer. Todos com sede radical de vida. Boêmios que abraçavam a noite pela noite. Sem trocar a conversa bem-humorada e sem compromisso pela destilaria de saberes acumulados. Na noite cerceada e sem saída inventava-se uma outra noite só ocorrente na claridão de luzes clandestinas.
Amanhece e é preciso retornar ao provisório de um quarto. Transitar pela cidade ainda sonolenta. Resolvo que vou ao duplex das duas para ver se Ela também já voltou da surpresa viageira e errante. Busco sem hesitar pela velha ao basculante da porta. Nenhum sinal humano ali. Estava morta na volta. Não sei o motivo. Velhice talvez. Antes tentava dormir não dormia. Agora dorme sem tentar nem desejar. Dormirá indefinidamente. Não há dúvida de que Ela não voltou. Não pude mais procurá-la.
Mundo Circundante

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