Criadores & Criaturas



"Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intata.
"

(Carlos Drummond de Andrade)

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Colaboração:Claude Bloc


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domingo, 2 de maio de 2010

Paulo Freire




Em 1962, Paulo Freire provou ser um gênio. Em 45 dias, ensinou 300 cortadores de cana a ler e escrever e demonstrou que seu método de alfabetização funcionava na prática muito melhor do que qualquer outro já teorizado. A importância de seu legado para a pedagogia mundial foi atestada pelo convite para lecionar em diversas universidades prestigiadas do mundo, pela publicação de seus livros em inúmeras línguas e por, atualmente, sua obra ser estudada em 90 países. A sua pedagogia, que prega consciência popular e liberdade, foi sufocada pelo Regime Militar e deixada de lado pelos homens do poder dos dias de hoje. Mas seu pensamento continua vivo. Vivo e, muitas vezes, distorcido.

Um texto da revista Veja intitulado “Prontos para o século XIX” aponta algumas dessas distorções e mostra professores acéfalos que ensinam aos alunos, sem os fazer pensar, a cartilha de que a máquina e a tecnologia destroem o homem e que a lógica de mercado é perversa. A matéria fala de alguns colégios em que os educadores se esquecem do seu verdadeiro papel e transformam a lousa em palanque. Com tal postura, eles definem o trabalho de toda a vida de Paulo Freire em uma única palavra: ideologia.

Isso ocorre pelo fato de muitos desses professores apresentarem um pensamento raso. Mas é bom deixar claro que nenhum desses profissionais citados na matéria de Veja são tão estúpidos quanto os jornalistas e o editor do texto. Os jornalistas, que precisam do salário no fim do mês, provavelmente escreveram outro conteúdo e acabaram surpreendidos quando leram o resultado final: um texto horroroso, sem apuração, sem entrevistas consistentes, sem sentido: tudo menos jornalístico. De um anacronismo patético. Será que alguém ainda acredita nas besteiras que Veja publica?

Em determinado trecho, a publicação define Paulo Freire da seguinte maneira: “autor de um método de doutrinação esquerdista disfarçado de alfabetização, um dos personagens arcanos sem contribuição efetiva à civilização ocidental”. Sim, ele pregava que toda educação era política, era um homem marxista e, em minha opinião, seu maior defeito era exatamente misturar mais do que deveria política com educação, o que é quase como jogar em um mesmo recipiente azeite e água. Considero que consciência de classe ou de vida se adquire pensando abertamente; qualquer ideologia orientada é, na verdade, um desuso do pensamento. Mas Paulo Freire, que como qualquer um tinha defeitos, foi fundamental para abrir a cabeça humana para novas formas de educar, mais eficientes e menos inúteis e sem graça do que as tradicionais.

Veja, totalmente envolvida em ideologias do século XIX, mostra que é igualzinha aos professores que acham que falar mal do capitalismo é suficiente para se fazer pensar. São apenas duas pontas diferentes de uma mesma estupidez. Assusta ler em uma revista com tiragem de 1 milhão de exemplares uma bobagem como essa: “estamos em um mundo em que a empregabilidade e o sucesso na vida profissional dependem cada vez mais do desempenho técnico, do rigor intelectual, da atualização do pensamento e do conhecimento”. Rigor intelectual? Atualização do pensamento e do conhecimento? Alguém enxerga realmente isso no mundo de hoje? A maioria das pessoas que eu conheço trabalha apenas para ganhar dinheiro e não tem necessidade de ser nenhum gênio para se dar bem. Conheço sujeitos incrivelmente burros que tiram salários bem polpudos no final do mês. Mesmo o editor da matéria em questão me parece um ser bem estúpido e deve ter uma bela remuneração. No mercado de trabalho de hoje, mais do que qualquer outra coisa e sem generalizar, se dá bem quem engole mais sapos sem engasgar.

Veja deixou de fazer jornalismo há muito tempo, mas se superou nesta matéria. A jogada da revista é apresentar fatos absurdos – como professores idiotas que dizem aos alunos que todo empresário é um monstro – para defender um ponto de vista ainda mais imbecil. E assim vamos caminhando. É imbecilidade para cá e para lá. É a velha historinha de esquerda e direita que nunca nos levou a lugar nenhum. A obra de Paulo Freire, por mais controversa e falível, faz pensar. O texto de Veja e a postura dos professores têm o claro objetivo de tornar as idéias únicas e fazer com que as pessoas pensem cada vez menos. Será que os editores de Veja realmente acreditam no que escrevem? Será que os jornalistas que assinaram realmente sabem do que se trata o trabalho de Paulo Freire? Será que, agora, eles estão envergonhados? Eu estaria.

“Criar o que não existe ainda deve ser a pretensão de todo sujeito que está vivo” Paulo Freire
Tags: Think About Educação

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