Criadores & Criaturas



"Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intata.
"

(Carlos Drummond de Andrade)

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... Por do Sol em Serra Verde ...
Colaboração:Claude Bloc


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sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Do baú de Stela


RIO JAGUARIBE

Demócrito Rocha

O Rio Jaguaribe é uma artéria aberta
por onde escorre
e se perde
o sangue do Ceará.
O mar não se tinge de vermelho
porque o sangue do Ceará
é azul ...


Todo plasma
toda essa hemoglobina
na sístole dos inverno
vai perder-se no mar.

Há milênios... desde que se rompeu a túnica
das rochas na explosão dos cataclismos
ou na erosão secular do calcário
do gnaisse do quartzo da sílica natural ...

E a ruptura dos aneurismas dos açudes...
Quanto tempo perdido!

E o pobre doente — o Ceará — anemiado,
esquelético, pedinte e desnutrido —
a vasta rede capilar a queimar-se na soalheira —
é o gigante com a artéria aberta
resistindo e morrendo
resistindo e morrendo
resistindo e morrendo
morrendo e resistindo...

(Foi a espada de um Deus que te feriu
a carótida
a ti — Fênix do Brasil.)

E o teu cérebro ainda pensa
e o teu coração ainda pulsa
e o teu pulmão ainda respira
e o teu braço ainda constrói
e o teu pé ainda emigra
e ainda povoa.

As células mirradas do Ceará
quando o céu lhe dá a injeção de soro
dos aguaceiros —
as células mirradas do Ceará
intumescem o protoplasma
(como os seus capulhos de algodão)
e nucleiam-se de verde
— é a cromatina dos roçados no sertão...

(Ah, se ele alcançasse um coágulo de rocha!)

E o sangue a correr pela artéria do rio Jaguaribe...
o sangue a correr
mal que é chegado aos ventrículos das nascentes ...
o sangue a correr e ninguém o estanca...

Homens da pátria — ouvi:
— Salvai o Ceará!
Quem é o presidente da República?
Depressa
uma pinça hemostática em Orós!
Homens —
o Ceará está morrendo, está
esvaindo-se em sangue ...

Ninguém o escuta, ninguém o escuta
e o gigante dobra a cabeça sobre o peito
enorme,
e o gigante curva os joelhos no pó
da terra calcinada, e

— nos últimos arrancos — vai
morrendo e resistindo
morrendo e resistindo
morrendo e resistindo

3 comentários:

Claude Bloc disse...

Estou adorando esses seus achados no baú.

Meus textos antigos, de um modo geral, estão sepultados, pois não aguento nem vê-los, porque marcados de muita dor. E os textos de outros autores de quem eu aprecio, quase todos já foram mostrados aqui.

Abração,

Claude

Claude Bloc disse...

*de quem = que

Stela disse...

Claude,
tô considerando do meu "baú" até mesmo as coisas que tô escrevendo agora. O baú preserva o que penso, sinto,enfim os conteúdos de minha aprendizagem na vida.

Quanto aos seus escritos antigos, trate de desenterrá-los e exibi-los, para assim exorcizar as dores. Aposto nesse caminho de cura.
Xêros