Criadores & Criaturas



"Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intata.
"

(Carlos Drummond de Andrade)

ENVIE SUA FOTO E COLABORE COM O CARIRICATURAS



... Por do Sol em Serra Verde ...
Colaboração:Claude Bloc


FOTO DA SEMANA - CARIRICATURAS

Para participar, envie suas fotos para o e-mail:. e.
.....................
claude_bloc@hotmail.com

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

LUIZ GONZAGA - 21 ANOS DE SAUDADES - Por Marcos Barreto de Melo




A identidade de Luiz Gonzaga com o Nordeste e, principalmente, com a terra que o viu nascer, o torna indubitavelmente o maior símbolo do sertão. Luiz Gonzaga é a expressão mais viva e autêntica do homem sertanejo, de sua vida e de seus costumes. A sua obra é um patrimônio que transcende as fronteiras de Exu, no sertão de Pernambuco, para atingir toda uma Nação, além de constituir-se num documento histórico de significado inconteste, no momento em que registra os sentimentos e a alma dessa gente simples e sofrida da terra nordestina. Luiz Gonzaga é o sertão em corpo e alma. Como já disse o renomado mestre e folclorista Luis da Câmara Cascudo, "Luiz Gonzaga é um documento da cultura popular. Autoridade da lembrança e idoneidade da convivência. A paisagem pernambucana, águas, matos, caminhos, silêncio, gente viva e morta. Tempos idos nas povoações sentimentais voltam a viver, cantar e sofrer quando ele põe os dedos no teclado da sanfona de feitiço e de recordação". Luiz é uma bandeira do sertão nordestino que tremula no Brasil inteiro, no momento em que ele faz gemer os 120 baixos de sua sanfona branca. Uma sanfona mágica, de esperanças e recordações.
Luiz Gonzaga é a imagem do retirante nordestino, que foge da terra seca e exaurida pelo sol causticante da caatinga, deixando para sempre o seu tão pobre e querido torrão natal. Do retirante que vende tudo o que tem, que joga a família em um pau-de-arara e parte rumo ao Sul na busca ilusória de melhores dias. Luiz é o sertanejo que planta, replanta e não perde as esperanças de um bom Inverno. É o nortista forte e valente, mas que, chegada a hora de partir, esquece a sua rudeza nativa e se deixa levar pela emoção. É o caboclo que chora, quando se sente condenado a deixar o seu pedaço de chão.
Luiz Gonzaga é o vaqueiro das caatingas do Nordeste, de chapéu de couro, gibão e perneiras, destemido e forte como uma aroeira, que anda no coice da boiada e corre no carrasco, no marmeleiro fechado ou entre espinhos de mandacaru no encalço de uma rês desgarrada. É o vaqueiro que laça, derruba e domina uma rês enfezada. É o vaqueiro afamado e bom de campo que arranca aplausos da multidão nas festas de vaquejada quando, ligeiro como um corisco, derruba o boi mandingueiro e cobre a pista de poeira. Que acorda antes do sol e sai para o campo ainda de madrugada, que almoça farinha com rapadura, que bebe da água represada nas lagoas e que toma cachaça no chocalho. Luiz Gonzaga é o vaqueiro que, no cansaço da luta, descansa à sombra de uma barriguda e que, no fim do dia, junta o gado, sacode o pó do marmeleiro e vai para junto do seu bem.
Luiz Gonzaga é o caboclo da roça, homem simples e trabalhador, que acredita no canto agourento da acauã chamando a seca, no canto triste do vim-vim e na profecia do pássaro carão, que quando solta o seu canto é sinal de muita chuva no sertão. É o caboclo esquecido, de mãos grossas e calejadas e que traz o rosto marcado pela vida árdua do campo. É o roceiro que faz experiências com as pedras de sal, que espera ansioso pela barra do sol no dia de Natal e que só se convence da seca quando vê passar sem chover o dia de São José, o santo de sua devoção.
Luiz Gonzaga é o sertanejo de fé, que reza por uma chuva e pede a Deus pra não ter seca, que faz promessa ao Padim Ciço pra se curar de uma doença e que vai para as missões pedir uma bênção a frei Damião. É o caboclo que nasceu na caatinga e que dali não quer sair, porque para ele não existe lugar melhor. É ali que está enterrado o seu umbigo e é neste mesmo chão que ele quer morrer. Ser enterrado à sombra de um velho umbuzeiro, vestido de vaqueiro e com uma cruz de madeira amarrada com cipó, no meio da caatinga onde tanto aboiou e onde, infelizmente, o seu grito de aboio ficará para sempre esquecido.
Luiz Gonzaga é o morador de pé-de-serra, que trabalha de sol a sol durante toda a semana, mas que não abre mão de um samba de latada com o chão de barro batido e a luz mortiça do candeeiro, onde triângulo, zabumba e uma sanfona de oito baixos comandam a alegria. Um forrozinho onde a cabroeira brinca, dança e se diverte, enquanto a poeira sobe e o tocador, animado, vai castigando a sua concertina.
É o caboclo reimoso, esperto, brincalhão e prosista, com muitas estórias engraçadas para nos contar, com aquela maneira que lhe é particular.
Luiz Gonzaga é o caminho que nos traz de volta aos pés-de-serra do sertão nordestino através de xotes, baiões e toadas que tão bem retratam a nossa terra. Luiz é a energia que mantém viva em cada retirante a lembrança do seu longínquo sertão e a esperança derradeira de um dia ainda voltar para ele.
Luiz Gonzaga é tudo aquilo que emana do sertão. É a expressão de uma terra pobre e sofrida, ora seca e triste, ora verde e alegre. De uma terra esquecida e castigada, mas infinitamente bonita pela pureza de sua gente.
Luiz Gonzaga é a Asa Branca que volta correndo para o sertão quando ouve o ronco das primeiras trovoadas; é o cheiro gostoso da terra molhada; é o juazeiro com o seu eterno verde esperança; a peitica que, na copa do umbuzeiro, canta alegre com a chegada do inverno; é o riacho que corre vorazmente, arrastando árvores com as águas da primeira chuva; é o açude que sangra após anos de seca; é um fole velho gemendo numa palhoça, alegrando o São João na roça; é a rama verde da gitirana que, quando nasce, faz renascer o sertão.
Luiz Gonzaga é o filho de Januário que nasceu em Exu, em pleno sertão pernambucano, nas terras dos Alencar, e que aprendeu com o pai a puxada da sanfona. Luiz é aquele moleque que fugiu de casa em 1930, para tornar-se, um dia, o grande e insuperável Rei do Baião. Luiz Gonzaga é o sanfoneiro do Riacho da Brígida, de rosto redondo e riso largo, que deixou o sertão do Araripe para ser o dono de um reinado que não tem fim, posto que, o seu canto é eterno.

Marcos Barreto de Melo

3 comentários:

Aloísio disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Aloísio disse...

Marcos,
Teu texto mostra a simbiose perfeita entre o eterno Rei do Baião e sua terra e povo nordestino. Tu continuas como sempre meu "evangelista" preferido do Nordeste, não deixando que esqueçamos das verdadeiras raizes brasileiras.
Parabéns!!!
Grande abraço
Aloísio

Carlos Eduardo Esmeraldo disse...

Caro Marcos

Excelente texto. Certa vez, quando presidia o Rotary Clube do Crato, Humberto Mendonça levou Luis Gonzaga para uma das nossas reuniões. Durante o jantar ele se sentou ao meu lado e então puxei conversa com ele. Disse-lhe que minha admiração vinha desde meus seis anos de idade quando ouvi uma música dele que falava no "cabloco marcolino, tinha oito bois zebus..". Para minha surpresa ele cantarolou a musica inteirinha. Sensacional. Quisera ter comigo um gravador naquele momento. Gênio total. Para mim o melhor de todos os tempos.
Parabéns por sempre cultuar essa lembrança viva.
Abraços!