Nesse verso popular
Eu vou rimar as verdades,
Das coisas de utilidades
Que tem lá no meu lugar.
Se o leitor precisar
De arapuca, alçapão,
Canário e currupião
Eu dou a dica segura.
TUDO QUE A GENTE PROCURA
TEM NAS CASAS DO SERTÃO.
Tem embrulho de farinha
Para botar na coalhada
E uma panela virada
Na entrada da cozinha.
Quando é de manhazinha
A mulher traz um caixão
Cheio do coco babão
Pra comer com rapadura.
TUDO QUE A GENTE PROCURA
TEM NAS CASAS DO SERTÃO.
Tem casa de caboré
No reboco da parede
Quando um cai numa rede
Faz o maior rapapé.
O povo pensa que é
Um feitiço ou maldição
E roga a Frei Damião
Pra tirar a criatura.
TUDO QUE A GENTE PROCURA
TEM NAS CASAS DO SERTÃO.
Um retrato desbotado
De um candidato a prefeito,
Um moinho com defeito
E um cachimbo apagado.
Uma carta de um cunhado
Chegada do Maranhão,
Esperando um cidadão
Pra decifrar a leitura.
TUDO QUE A GENTE PROCURA
TEM NAS CASAS DO SERTÃO.
Um pote na cantareira,
Cambito no armador,
Chocalho no corredor,
Retrato na cristaleira.
Uma velha roçadeira
Comida da corrosão,
Fivela de cinturão
Com dois dedos de largura.
TUDO QUE A GENTE PROCURA
TEM NAS CASAS DO SERTÃO.
Uma tifanga amarela
Numa porta estendida,
Toda suja e encardida
Que o caçula mijou nela.
Uma velha na janela
Fazendo uma oração
E uma moça no oitão
Procurando uma aventura.
TUDO QUE A GENTE PROCURA
TEM NAS CASAS DO SERTÃO.
Gata parida na cama
Com os filhotes mamando,
O menor fica miando
Porque não alcança a mama.
Os maiores fazem trama
Pra desnutrir o irmão
E depois da confusão
Toma leite com fartura.
TUDO QUE A GENTE PROCURA
TEM NAS CASAS DO SERTÃO.
Fumo de rolo, rapé,
Bico de pua, sovela,
Prato, colher e tigela,
Foice,facão e quicé,
Caco de torrar café,
Cabresto, mão de pilão,
Gato embaixo do fogão
Aproveitando a quentura.
TUDO QUE A GENTE PROCURA
TEM NAS CASAS DO SERTÃO.
Tem na sala de jantar
Uma mesa de umburana,
Que uma vez por semana
O avô vem almoçar.
Tem máquina de costurar
Sendo daquelas de mão.
Mas quando tem precisão
Faz uma boa costura.
TUDO QUE A GENTE PROCURA
TEM NAS CASAS DO SERTÃO.
Onde era o armazém
Temguarda-chuva encostado
Que a tempo não é usado
Porque a chuva não vem.
Desprezado tem também
Os dois tubos de feijão,
A madeira do portão,
Dobradiça e fechadura.
TUDO QUE A GENTE PROCURA
TEM NAS CASAS DO SERTÃO.
Num buraco mora um rato
Com direito adquirido,
mas vem sendo perseguido
Pelo danado do gato.
O rato acha muito chato
Viver na perseguição
Mas o gato faz questão
De manter sua postura.
TUDO QUE A GENTE PROCURA
TEM NAS CASAS DO SERTÃO.
Um velho pai de chiqueiro
Ainda dando o recado
E um carneiro cevado
Cochilando no terreiro.
Uma frango no poleiro
Olhando sem direção,
Sem saber por qual razão
Tem que dormir na altura.
TUDO QUE A GENTE PROCURA
TEM NAS CASAS DO SERTÃO.
Rimei a variedade
Das coisas que o sertão usa,
Sei que ninguém me acusa
De faltar com a verdade.
Se o leitor é da cidade
Pode até não ter noção,
Mas o sertanejo irmão
Sabe que é verdade pura.
TUDO QUE A GENTE PROCURA
TEM NAS CASAS DO SERTÃO.
Mundim do Vale.
Criadores & Criaturas
"Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intata."
(Carlos Drummond de Andrade)
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2 comentários:
Claude,
Excelente esta poesia de Mundim do Vale, é tudo isto que foi dito, mais...
Eu que nasci nos matos
Vi que neste versejar
O Mundim foi apurar
Escrevendo todos fatos
Descrevendo todos atos
Matutando agora fico
Pensando no tico-tico
Dizendo a verdade pura
Das coisas que se procura
Faltou falar do pinico.
Abraços
Aloísio
Mundim do Vale,
Arrasou no Cariricaturas.
Quem gosta do Sertão se deliciou nos versos.
Adorei, Claude.
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