Algumas do Pe. Antonio Vieira que eu conheci.
Para o prof. José Teodoro Soares.
Acho que era 1988, reitorado do prof. José Teodoro Soares. Fui chamado ao gabinete, às pressas. Reencontrei o amigo Pe. Vieira, desde o Crato e no Rio de Janeiro, quando o servi como datilógrafo, “batendo” seus trabalhos por ocasião do curso de convalidação em grego, na Universidade Santa Úrsula. Um detalhe: Vieira começou o curso como aluno e terminou como professor.
Depois da felicidade do reencontro, esboçada por ele sob mil palavrões ao me desvelar, disse o magnífico:
- O Vieira quer lançar um livro, resultado do seu curso de Direito, veja como será.
Saiu o reitor; ficamos nós dois muito ocupados entre lembranças dos tempos do Rio, e as estratégias de lançamento de sua obra. Adiantou, de pronto:
- Olha, Zé, o livro é uma desgraça. Vamos bolar algo que chame a atenção sob pena de não vender um só exemplar...
- Vieira, que tal a gente pensar num júri simulado, joguei.
- Como assim, bicho “malamanhado”?
- Olha, só. A gente faz uma espécie de drama, no Salão de Atos. Você vai responder as acusações de sete jurados e a sentença final será você condenado a conferir os autógrafos. Me olhou firme e quis mais:
- E aí?
- Você será preso na cidade e trazido para a Urca, a pé. Topa? Esboçou um sorriso de alegria, e detonou:
- Bicho, tu é doido que nem eu.
Tudo organizado. Uma noite, lá estava o Pe. Vieira, sentado, no Bar da Cinelândia, ladeado por alunos do curso de Direto da Urca e pelo médico Marcos Cunha, seu amigo. Nisso, vem um camburão subindo a Rua João Pessoa, com sirena, luzes e os soldados batendo na porta do veículo. Para em frente ao Cine Cassino. Os milicos, “furiosos”, dão uma batida pelo Café Yaytera, e perguntam a algumas pessoas que debulhavam o velho papo à beira da Praça Siqueira Campos, entre elas estava o político Walter Peixoto:
- Alguém viu o Pe. Vieira por aqui ?
Todos meio zonzos não querem se comprometer, mas alguém aponta para a calçada da Cinelândia e, titubeante, entrega o Vieira.
A polícia entorna a praça, e para em frente à velha Cinelândia. Encontra o Pe. Vieira em cima de um banco, fazendo um discurso, metendo o pau no presidente. A polícia nem reparou que ele falava do presidente do Botafogo
.
Gaidô Alencar havia preparado um cassetete de pano, a pedido de Viera, porque segundo ele, tinha o corpo costurado por uma cirurgia e merecia cuidados...
De cima da escada do antigo BEC o Dr. Edilberto Figueiredo filmava tudo. Mesa posta de cervejas e refrigerantes. Com violência, os soldados interrogam os presentes, e dão voz de prisão ao procurado.
Vieira se estrebucha e os militares-alunos metem-lhe o cassetete, do lado direito, indicado por ele, sem antes chamar uns nomes feios. A mesa se espatifa. Vidros se quebram pelo chão, e a turma parte para acudir o velho padre.
De repente, uma multidão se forma. Duas senhoras, vendedoras de cachorro quente, começam a chorar dizendo conhecer o Padre, quando vigário de S. Francisco. Por que fazem tamanha crueldade àquele santo?
Algemado, Vieira é conduzido, a pé, atrás da viatura, até a Urca,
seguido por uma multidão.
O novel radialista e comunicador Roberto Bulhões, aluno do curso de Geografia, passava na hora e me perguntou:
- Professor, de que se trata? Tentei fazê-lo compreender a encenação. Quanto disse tratar-se de um “júri simulado”, na confusão instaurada, me perguntou o assustado repórter:
- E o que é júri simulado?
Auditório superlotado. Vieira havia escrito previamente as peças de acusação, e entregues a sete alunos do curso de Direto. Às acusações de ladrão, pederasta, corrupto, e mais quatro que não me lembro, fazia sua defesa com graça e trejeitos. A platéia ia ao delírio, diante de um juiz carrancudo, gordo e brabo, o prof. José Teodoro .
No final, a corte pronuncia a sentença: sentar-se à mesa empilhada de livros e autografá-los para todos os presentes. Nenhum exemplar sobrou daquela famosa noite de autógrafo.
Duas coisas que jamais me esquecerei, aliás, duas gafes. Primeira, a de Huberto Cabral, quando entrevista o Vieira adentrando o Salão de Atos, o faz sorrindo; a segunda, a de Emerson Monteiro, membro do corpo de jurados, que não entendeu o espírito da coisa, e em vez de fazer as acusações como estavam previamente estabelecidas, puxou um calhamaço de papel e começou a perorar sobre a “importância do júri simulado para a formação acadêmica”.
No outro dia Antonio Vicelmo deixou a sociedade cratense em paz ao falar no seu noticiário tratar-se de uma encenação de lançamento do livro do inesquecível Pe. Antonio Vieira.
Todos os personagens citados estão vivos, fora o nosso querido amigo, e podem testemunhar e aparar ou amparar meu escrito.
Mudando de assunto. No programa Compositores do Brasil desta quinta, uma primeira abordagem sobre a obra musical de Erasmo Carlos nos seus setenta anos. Começa às 14 horas pela Rádio Educadora do Cariri. Escute também pela web: radioeducadora1020.com.br
Bom fim de semana.
Para o prof. José Teodoro Soares.
Acho que era 1988, reitorado do prof. José Teodoro Soares. Fui chamado ao gabinete, às pressas. Reencontrei o amigo Pe. Vieira, desde o Crato e no Rio de Janeiro, quando o servi como datilógrafo, “batendo” seus trabalhos por ocasião do curso de convalidação em grego, na Universidade Santa Úrsula. Um detalhe: Vieira começou o curso como aluno e terminou como professor.
Depois da felicidade do reencontro, esboçada por ele sob mil palavrões ao me desvelar, disse o magnífico:
- O Vieira quer lançar um livro, resultado do seu curso de Direito, veja como será.
Saiu o reitor; ficamos nós dois muito ocupados entre lembranças dos tempos do Rio, e as estratégias de lançamento de sua obra. Adiantou, de pronto:
- Olha, Zé, o livro é uma desgraça. Vamos bolar algo que chame a atenção sob pena de não vender um só exemplar...
- Vieira, que tal a gente pensar num júri simulado, joguei.
- Como assim, bicho “malamanhado”?
- Olha, só. A gente faz uma espécie de drama, no Salão de Atos. Você vai responder as acusações de sete jurados e a sentença final será você condenado a conferir os autógrafos. Me olhou firme e quis mais:
- E aí?
- Você será preso na cidade e trazido para a Urca, a pé. Topa? Esboçou um sorriso de alegria, e detonou:
- Bicho, tu é doido que nem eu.
Tudo organizado. Uma noite, lá estava o Pe. Vieira, sentado, no Bar da Cinelândia, ladeado por alunos do curso de Direto da Urca e pelo médico Marcos Cunha, seu amigo. Nisso, vem um camburão subindo a Rua João Pessoa, com sirena, luzes e os soldados batendo na porta do veículo. Para em frente ao Cine Cassino. Os milicos, “furiosos”, dão uma batida pelo Café Yaytera, e perguntam a algumas pessoas que debulhavam o velho papo à beira da Praça Siqueira Campos, entre elas estava o político Walter Peixoto:
- Alguém viu o Pe. Vieira por aqui ?
Todos meio zonzos não querem se comprometer, mas alguém aponta para a calçada da Cinelândia e, titubeante, entrega o Vieira.
A polícia entorna a praça, e para em frente à velha Cinelândia. Encontra o Pe. Vieira em cima de um banco, fazendo um discurso, metendo o pau no presidente. A polícia nem reparou que ele falava do presidente do Botafogo
.
Gaidô Alencar havia preparado um cassetete de pano, a pedido de Viera, porque segundo ele, tinha o corpo costurado por uma cirurgia e merecia cuidados...
De cima da escada do antigo BEC o Dr. Edilberto Figueiredo filmava tudo. Mesa posta de cervejas e refrigerantes. Com violência, os soldados interrogam os presentes, e dão voz de prisão ao procurado.
Vieira se estrebucha e os militares-alunos metem-lhe o cassetete, do lado direito, indicado por ele, sem antes chamar uns nomes feios. A mesa se espatifa. Vidros se quebram pelo chão, e a turma parte para acudir o velho padre.
De repente, uma multidão se forma. Duas senhoras, vendedoras de cachorro quente, começam a chorar dizendo conhecer o Padre, quando vigário de S. Francisco. Por que fazem tamanha crueldade àquele santo?
Algemado, Vieira é conduzido, a pé, atrás da viatura, até a Urca,
seguido por uma multidão.
O novel radialista e comunicador Roberto Bulhões, aluno do curso de Geografia, passava na hora e me perguntou:
- Professor, de que se trata? Tentei fazê-lo compreender a encenação. Quanto disse tratar-se de um “júri simulado”, na confusão instaurada, me perguntou o assustado repórter:
- E o que é júri simulado?
Auditório superlotado. Vieira havia escrito previamente as peças de acusação, e entregues a sete alunos do curso de Direto. Às acusações de ladrão, pederasta, corrupto, e mais quatro que não me lembro, fazia sua defesa com graça e trejeitos. A platéia ia ao delírio, diante de um juiz carrancudo, gordo e brabo, o prof. José Teodoro .
No final, a corte pronuncia a sentença: sentar-se à mesa empilhada de livros e autografá-los para todos os presentes. Nenhum exemplar sobrou daquela famosa noite de autógrafo.
Duas coisas que jamais me esquecerei, aliás, duas gafes. Primeira, a de Huberto Cabral, quando entrevista o Vieira adentrando o Salão de Atos, o faz sorrindo; a segunda, a de Emerson Monteiro, membro do corpo de jurados, que não entendeu o espírito da coisa, e em vez de fazer as acusações como estavam previamente estabelecidas, puxou um calhamaço de papel e começou a perorar sobre a “importância do júri simulado para a formação acadêmica”.
No outro dia Antonio Vicelmo deixou a sociedade cratense em paz ao falar no seu noticiário tratar-se de uma encenação de lançamento do livro do inesquecível Pe. Antonio Vieira.
Todos os personagens citados estão vivos, fora o nosso querido amigo, e podem testemunhar e aparar ou amparar meu escrito.
Mudando de assunto. No programa Compositores do Brasil desta quinta, uma primeira abordagem sobre a obra musical de Erasmo Carlos nos seus setenta anos. Começa às 14 horas pela Rádio Educadora do Cariri. Escute também pela web: radioeducadora1020.com.br
Bom fim de semana.
3 comentários:
Zé Nilton,
Excelente história, além de muito bem contada. Lá pelo início do anos setenta, estava passando ali na esquina da Presidente Wilson com Antonio Carlos, perto de um BOBs e encontrei o Padre Vieira. Foi uma alegria sem peias. Depois acho que papai ou Manoel Vieira pediu-me para entregar uma encomenda e o Padre Vieira morava no Alto da Boa Vista. O Padre Vieira era um transgressor por natureza. Tinha um serralheiro do qual não lembro o nome, que aliás merecia uma boa história de um dos nossos memorialistas, que tentou construir um helicóptero e fez um carro movimento a motor de casa da farinha e lembro do Padre Vieira circulando pelo centro da cidade na maior alegria. E mais uma que posso errar, mas dissera-me que a construção da Igreja de São Francisco de de Padre Vieira.
Excelente, Zé do Vale. O Pe. Vieira mereceria um biografia não autorizada. O homem e a natureza humana se desvelariam para todos que apostamos e cremos nas humanidades com suas formas de "estar" no mundo.
Obrigado pela leitura e comentários.
Um abraço
Zé Nilton,
Essas hitórias além de pitorescas, retratam o espírito vigente na época em que ocorreram... A "coisa" era bem outra. Se nos dias de hoje não teriam o mesmo elã.
Gostei deveras são essas facetas da vida dos nossos personagens que deveriam ser divulgadas para torná-los mais humanos perante aqueles que não conhecem os fatos...
Abraço pela presença e pelo texto.
Claude
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