Criadores & Criaturas



"Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intata.
"

(Carlos Drummond de Andrade)

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... Por do Sol em Serra Verde ...
Colaboração:Claude Bloc


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quinta-feira, 16 de junho de 2011

Coisas nossas, por Zé Nilton

Algumas do Pe. Antonio Vieira que eu conheci.

Para o prof. José Teodoro Soares.

Acho que era 1988, reitorado do prof. José Teodoro Soares. Fui chamado ao gabinete, às pressas. Reencontrei o amigo Pe. Vieira, desde o Crato e no Rio de Janeiro, quando o servi como datilógrafo, “batendo” seus trabalhos por ocasião do curso de convalidação em grego, na Universidade Santa Úrsula. Um detalhe: Vieira começou o curso como aluno e terminou como professor.

Depois da felicidade do reencontro, esboçada por ele sob mil palavrões ao me desvelar, disse o magnífico:

- O Vieira quer lançar um livro, resultado do seu curso de Direito, veja como será.

Saiu o reitor; ficamos nós dois muito ocupados entre lembranças dos tempos do Rio, e as estratégias de lançamento de sua obra. Adiantou, de pronto:

- Olha, Zé, o livro é uma desgraça. Vamos bolar algo que chame a atenção sob pena de não vender um só exemplar...

- Vieira, que tal a gente pensar num júri simulado, joguei.

- Como assim, bicho “malamanhado”?

- Olha, só. A gente faz uma espécie de drama, no Salão de Atos. Você vai responder as acusações de sete jurados e a sentença final será você condenado a conferir os autógrafos. Me olhou firme e quis mais:

- E aí?

- Você será preso na cidade e trazido para a Urca, a pé. Topa? Esboçou um sorriso de alegria, e detonou:

- Bicho, tu é doido que nem eu.

Tudo organizado. Uma noite, lá estava o Pe. Vieira, sentado, no Bar da Cinelândia, ladeado por alunos do curso de Direto da Urca e pelo médico Marcos Cunha, seu amigo. Nisso, vem um camburão subindo a Rua João Pessoa, com sirena, luzes e os soldados batendo na porta do veículo. Para em frente ao Cine Cassino. Os milicos, “furiosos”, dão uma batida pelo Café Yaytera, e perguntam a algumas pessoas que debulhavam o velho papo à beira da Praça Siqueira Campos, entre elas estava o político Walter Peixoto:

- Alguém viu o Pe. Vieira por aqui ?

Todos meio zonzos não querem se comprometer, mas alguém aponta para a calçada da Cinelândia e, titubeante, entrega o Vieira.

A polícia entorna a praça, e para em frente à velha Cinelândia. Encontra o Pe. Vieira em cima de um banco, fazendo um discurso, metendo o pau no presidente. A polícia nem reparou que ele falava do presidente do Botafogo
.
Gaidô Alencar havia preparado um cassetete de pano, a pedido de Viera, porque segundo ele, tinha o corpo costurado por uma cirurgia e merecia cuidados...

De cima da escada do antigo BEC o Dr. Edilberto Figueiredo filmava tudo. Mesa posta de cervejas e refrigerantes. Com violência, os soldados interrogam os presentes, e dão voz de prisão ao procurado.

Vieira se estrebucha e os militares-alunos metem-lhe o cassetete, do lado direito, indicado por ele, sem antes chamar uns nomes feios. A mesa se espatifa. Vidros se quebram pelo chão, e a turma parte para acudir o velho padre.

De repente, uma multidão se forma. Duas senhoras, vendedoras de cachorro quente, começam a chorar dizendo conhecer o Padre, quando vigário de S. Francisco. Por que fazem tamanha crueldade àquele santo?

Algemado, Vieira é conduzido, a pé, atrás da viatura, até a Urca,
seguido por uma multidão.

O novel radialista e comunicador Roberto Bulhões, aluno do curso de Geografia, passava na hora e me perguntou:

- Professor, de que se trata? Tentei fazê-lo compreender a encenação. Quanto disse tratar-se de um “júri simulado”, na confusão instaurada, me perguntou o assustado repórter:

- E o que é júri simulado?

Auditório superlotado. Vieira havia escrito previamente as peças de acusação, e entregues a sete alunos do curso de Direto. Às acusações de ladrão, pederasta, corrupto, e mais quatro que não me lembro, fazia sua defesa com graça e trejeitos. A platéia ia ao delírio, diante de um juiz carrancudo, gordo e brabo, o prof. José Teodoro .

No final, a corte pronuncia a sentença: sentar-se à mesa empilhada de livros e autografá-los para todos os presentes. Nenhum exemplar sobrou daquela famosa noite de autógrafo.

Duas coisas que jamais me esquecerei, aliás, duas gafes. Primeira, a de Huberto Cabral, quando entrevista o Vieira adentrando o Salão de Atos, o faz sorrindo; a segunda, a de Emerson Monteiro, membro do corpo de jurados, que não entendeu o espírito da coisa, e em vez de fazer as acusações como estavam previamente estabelecidas, puxou um calhamaço de papel e começou a perorar sobre a “importância do júri simulado para a formação acadêmica”.

No outro dia Antonio Vicelmo deixou a sociedade cratense em paz ao falar no seu noticiário tratar-se de uma encenação de lançamento do livro do inesquecível Pe. Antonio Vieira.

Todos os personagens citados estão vivos, fora o nosso querido amigo, e podem testemunhar e aparar ou amparar meu escrito.

Mudando de assunto. No programa Compositores do Brasil desta quinta, uma primeira abordagem sobre a obra musical de Erasmo Carlos nos seus setenta anos. Começa às 14 horas pela Rádio Educadora do Cariri. Escute também pela web: radioeducadora1020.com.br

Bom fim de semana.

3 comentários:

José do Vale Pinheiro Feitosa disse...

Zé Nilton,

Excelente história, além de muito bem contada. Lá pelo início do anos setenta, estava passando ali na esquina da Presidente Wilson com Antonio Carlos, perto de um BOBs e encontrei o Padre Vieira. Foi uma alegria sem peias. Depois acho que papai ou Manoel Vieira pediu-me para entregar uma encomenda e o Padre Vieira morava no Alto da Boa Vista. O Padre Vieira era um transgressor por natureza. Tinha um serralheiro do qual não lembro o nome, que aliás merecia uma boa história de um dos nossos memorialistas, que tentou construir um helicóptero e fez um carro movimento a motor de casa da farinha e lembro do Padre Vieira circulando pelo centro da cidade na maior alegria. E mais uma que posso errar, mas dissera-me que a construção da Igreja de São Francisco de de Padre Vieira.

Zé NIlton disse...

Excelente, Zé do Vale. O Pe. Vieira mereceria um biografia não autorizada. O homem e a natureza humana se desvelariam para todos que apostamos e cremos nas humanidades com suas formas de "estar" no mundo.
Obrigado pela leitura e comentários.
Um abraço

Claude Bloc disse...

Zé Nilton,

Essas hitórias além de pitorescas, retratam o espírito vigente na época em que ocorreram... A "coisa" era bem outra. Se nos dias de hoje não teriam o mesmo elã.

Gostei deveras são essas facetas da vida dos nossos personagens que deveriam ser divulgadas para torná-los mais humanos perante aqueles que não conhecem os fatos...

Abraço pela presença e pelo texto.

Claude