Criadores & Criaturas
"Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intata."
(Carlos Drummond de Andrade)
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quinta-feira, 5 de agosto de 2010
Magma
“Para Luiz Karimai: mestre de Magma, artífice de Luz”
O túnel ...a treva... a luz ! Adiante a montanha : meio enigma, meio magma ! Empertiga-se desafiadora, sinuosa como um dromedário: sem palavras, sem mapas, sem tutorial. O homem, no entanto, intuitivamente, percebe : é preciso escalar. Por que? Para que? Em busca do que ? Apenas mira aquele que lhe parece o ponto culminante e, num perigoso rapel, inicia a subida. No fundo, imagina que, chegando ao topo, alguma surpresa o espera, atrás das nuvens que encobrem o pico, como um Kilimanjaro. Na travessia, encontra-se, eventualmente com outros alpinistas, que seguem caminhos paralelos. Cada um deles almeja atingir um pico diferente da mesma montanha que lhes parece , na sua particular visão, sempre o mais alto e o mais promissor. As versões variam também, imensamente, sobre o prêmio auferido ao topar o cume: um tesouro; a soberana vista altaneira, em trezentos e sessenta graus; a possibilidade de avistar além de horizontes jamais imaginados. Alguns até, ascendem tangidos pela certeza de quem do outro lado do cume, por detrás das leitosas nuvens, na face oculta da montanha, esconde-se o éden, um Sangri-lá de eterna felicidade.
A perigosa ascensão faz com que muitos viandantes se fixem, cuidadosamente, nas escarpas e, assim, perdem a paisagem que se abre voluptuosamente à frente. Outros, ao contrário, embriagam-se pela vista privilegiada, tropeçam facilmente nas pedras e oferecem-se à rapacidade do abismo. No topo, a montanha, passo a passo, parece se tornar mais inacessível. Os alpinistas vão rareando: alguns escorregam nas pedras pontiagudas; outros são engolidos por avalanches; muitos tragados pelo ar rarefeito; tantos não sobrevivem aos rigores do frio. Percebe-se, com clareza, que aqueles que escolheram escalar os picos mais altos, carregam consigo as maiores taxas de insucesso.
Entre um e outro acampamento, os sobreviventes dividem as esperanças do galardão a ser alcançado. Aqueles que buscam , no alto, uma vista privilegiada e os que almejam o éden os aguardando no lado escondido da montanha, desenvolvem, entre si, uma forte solidariedade: compartilham mantimentos e remédios e trabalham em equipe, mesmo caminhando em direção a pontos díspares da mesma cordilheira. Os muitos que pensam encontrar o tesouro, não se afinam: brigam, fornecem informações desencontradas aos companheiros, montam armadilhas para os concorrentes, estabelecem uma perigosa competitividade entre si.
Um dia, fatigado, alquebrado pela jornada, o homem chega ao topo do pico escolhido. Percebe, com a clareza da neve, que nenhum prêmio o espera ali. O gelo, o frio : seu legado. Sequer consegue beneficiar-se da paisagem que podia se oferecer lubricamente do alto, não fosse a cerração implacável. Tem a plena certeza de que o resultado não há de ser diferente com os outros alpinistas. O prêmio estava na travessia e não na chegada; na busca e não no encontro. Placidamente, encaminha em direção à face oculta da montanha. Ali onde o poderia existir o éden. Os temores já não existem : tinham todos tombado na escalada. Ele desaparece, silentemente, em meio ao flog. Como se a névoa se fizesse de esquife. O magma, a treva... A Luz? O Túnel ?
J. Flávio Vieira
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6 comentários:
Suspiros... Pelo conteúdo literário.
Suspiros de admiração pelo nosso escritor Zé Flávio !
abraço à Socorro pela leitura e pela lembrança do grande Karimai
J. Flavio,
Cada leitura que faço dos seus textos me deixa mais encantada com sua destreza para com as palavras e sobretudo com perfeita disposição das idéias. No nosso meio (Cariri) não há quem se iguale a você em termos literários.
Abraços de retorno para você e Fabiana.
Claude
Abraço à Claude, agradeço pelas palavras carinhosas que debito á nossa amizade. Sentimos todos com a partida de Karimai e pensei em fazer um texto ligado à vida, como sempre ele foi.
Dr. José,
Hoje que para mim é um dia especial nas lembranças de quem se despediu a 16 anos atrás,vem o seu texto falar dessa partida de Karimai com toda a tonacidade e maestresa do escritor de alma rasgada e contrita na sabedoria mergulhada ao sentimento.
Ler voce é um momento especial aqui neste espaço literario.
Fiquei tocada de encanto e admiração.
Grande abraço !
abraço a Edilma que sinto, como artista plástico, mais que ninguém tem condições de avaliar a perda com a partida do Karimai. Por outro lado, possivelmente , em outra dimensão, mais que nunca há uma aquarela agora multicolorida.
Abraço,
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