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"Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intata.
"

(Carlos Drummond de Andrade)

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quinta-feira, 26 de agosto de 2010

PÃO VELHO - Por Edilma Rocha

Ao mudar para um bairro novo em Fortaleza me deparei com novas visitantes á minha porta todas as manhãs nas segundas, quartas e sexta-feiras. Estava empolgada com a casa nova construída a partir de um desenho próprio, motivo de orgulho.
_ Senhora me dê um pão velho...
Se fez ouvir por uma vozinha infantil na espera de uma resposta. Fui até o portão e me deparei com a imagem real desta criança linda que ilustra esta postagem.
_Mas pão velho não serve mais...
_ Serve sim ! Quando não tem partes verdes minha mãe esquenta e comemos com café.
Fui até ela e vi que estava sozinha mas ao longe numa carroça puxada por um burro se encontravam duas outras meninas a sua espera. Suas irmãs mais velhas.
_ Você não estuda ?
_ A escola está em greve e não temos comida em casa. Somos catadoras de lixo.
Aquilo me doeu como um golpe no peito. Vi através do rosto daquela criança toda a falta de sorte e infortúnio. Cabelos lourinhos mal cuidados, muito franzina, pés descalços, olhos pequenos e o rosto vermelho e bronzeado pelo sol da região da praia do futuro. Vivia a mendigar pelas portas das casas à espera de que alguém lhe desse um pão velho para comer. Vi nos seus olhos a falta de oportunidades nas coisas mais simples, uma roupa limpa, um par de chinelos, e um lar decente para viver. Nascida em outra família seria com certeza uma princesinha num belo vestido novo, sapatos nos pés e cabelos bem tratados.
_ Aonde está seu pai ?
_ Não sei. Foi embora faz tempo. Só tenho a minha mãe que fica cuidando em casa do meu irmãozinho novo enquanto catamos o lixo para vender.
Como seria o seu Natal, o dia das crianças, a Páscoa com seus chocolates e a sua vida no cotidiano ? Saber que aquelas crianças viviam as custas das sobras da minha casa e do meu lixo enquanto eu tinha o luxo e a fartura, elas não tinham nem o necessário para viver com dignidade. A injustiça social choca muito principalmente numa cidade como Fortaleza, uma metrópole turística e bela por seus prédios imponentes e amontoados e rodeada por favelas por todos os lados.
Daquele dia em diante passei a ter 3 meninas que tocam a campainha com frequência e eu sempre guardo as sobras de comida para elas. Criei um afeto pelas meninas da carroça. Sei que muitos acham que me exponho neste mundo perigoso. Mas eu sou assim. Fazer o que ? De vez em quando arrancam uns matinhos no jardim por alguns trocados ou até um mergulho rápido na piscina ou um lanche decente. Um dia me pediram para eu deixar que vissem a sala da casa e não tive a coragem de negar isso. As vejo crescerem e uma está ficando uma linda mocinha ficando vulnerável aos abusos por andar pelas ruas. Já estão na escola pela ajuda da bolsa do Governo mas se acostumaram com a reciclagem do lixo que vendem próximo dali. Agora fazem parte da minha lista de presentes de Natal criei um carinho por Clarice, Juliana e Fernanda.

8 comentários:

Anônimo disse...

Excelente texto Edilma! Parabéns. É triste constatar a desigualdade no mundo. Tomar consciência disso é muito importante. Partilhar o pão e procurar tranformar esse mundo através do amor, é fazer a vontade de Deus.

Um grande abraço.

Magali

Edilma disse...

Magali.

Obrigada pelo comentário do meu texto vida real e atual.
Abraços extensivo a Carlos!

Ana (Ballet de Palavras) disse...

Edilma Rocha,
Devoluta de palavras, momentâneas, na leitura do seu texto. Confesso-me ainda surpresa e, portadora do sentimento nostálgico no momento em que digito a presente.

A generosidade, humildade, cumplicidade, partilha e, solidariedade são nobres sentimentos que apenas e, só são usufruídos quando a nossa essência não é pequena. E, a sua Edilma?! É gigantesca.

Proporcionar alento e, minimizar o desconforto e, dor a um nosso semelhante acarinha, enaltece, privilegia e, traja sofisticadamente o lado esquerdo do nosso peito.

Oferto-lhe um malmequer – a minha flor preferida - em reconhecimento da admiração que sinto pela Edilma.

Ana

socorro moreira disse...

Edilma,

A tristeza no olhar está em todas camadas sociais.
A desigualdade sempre existirá Entre o pão e o caviar.
Se todos que vivem no luxo possuissem a tua sensibilidade e gerosidade, algo poderia mudar?
-recisamos de um conjunto de medidas que transforme a nossa sociedade. Quem está no poder sabe disso !
As mudanças são lentas, mas acontecem !
Precisamos da esperança ...

Abraço apertado, nesse coração imenso !

socorro moreira disse...

Ana,

EsTá na hora de vc entrar para o nosso rol de colaboradores. Tenho acompanhado os seus sensíveis e pertinentes comentários.

Abraços.

Edilma disse...

Ana,

Que bom lhe encontrar novamente por aqui.
Posso até dizer que fui conquistada
por voce. Já lhe quero bem.
Se escrevi algo que lhe tocou a sensibilidade, fui mais tocada ainda ao ler o seu comentário.
Reforço o convite da Socorro,venha se juntar a nós.
Voce é preciosa !
Beijo com carinho a flor da sua predileção ofertada recomeçando uma nova amizade.
Me mande o seu e-mail para formular um convite e passar a ser mais uma escritora entre nós.
Ficaremos honradas com isso.

Com admiração,

Edilma Rocha

Edilma disse...

Socorro,

Minha grande amiga...
Voce vai conhecer as meninas catadoras de lixo logo que chegue por aqui e tambem vai ser conquistada pelos cebelinhos louros e olhos azuis. São lindinhas.
Domingo chego por aí, mas vou te ligar a noite.

Beijo !

Ana (Ballet de Palavras) disse...

Socorro Moreira e, Edilma,
Fragrante delicado, terno e, meigo foi o aroma de carinho com que invadiram o lado esquerdo do meu peito, no convite formulado.

Sinto-me enaltecida e, agradecida.

Quem sabe?! A minha timidez far-se-á refém e, a oferenda auferida abraçada.

Um jardim de pétalas de ternura, premeio às duas.

Ana