O Livro dos Abraços de Eduardo Galeano: pequenos textos incendiários sobre o mundo
por Michelle Ferret
“Um mar de fogueirinhas”... Assim o escritor uruguaio Eduardo Galeano descreve o mundo no primeiro capítulo de sua obra “O Livro dos abraços”. Editado pela L&PM em versão ‘pocket’, o livro é resultado das andanças de Galeano pelo mundo e seu olhar peculiar sobre a vida e a construção das cidades. Com mais de trinta títulos traduzidos em diferentes línguas e conhecido pelas suas veias abertas pela América Latina, Galeano consegue transcender e deslocar suas impressões em capítulos curtos numa linguagem poética, doce e cortante.
Como o primeiro texto chamado “O Mundo”. Curto e explosivo em sua essência, Galeano brinca com as palavras ao imaginar um homem da aldeia de Neguá, no litoral da Colômbia que conseguiu subir aos céus. “Quando voltou, contou. Disse que tinha contemplado lá do alto, a vida humana. E disse que somos um mar de fogueirinhas (...) Cada pessoa brilha com luz própria entre todas as outras (...)”. Das fogueirinhas acesas, ele parte na tentativa de contemplar a origem desse mundo incendiário acrescentando no absurdo da poesia, pinceladas generosas de história. Como o fim da guerra civil da Espanha e os olhos de um menino, acrescidos de seu sentimento de homem político, artista e exilado na década de 70.
Um dos textos bonitos do livro, além de tantos outros, é um chamado “A fundação da Arte/1”, quando Diego não conhecia o mar e seu pai, Santiago Kovadloff, levou-o para que descobrisse a imensidão. Viajaram para o sul. Quando o menino viu o mar, sentiu algo mais forte que ele que ficou mudo de tanta beleza. “E quando finalmente conseguiu falar, tremendo, gaguejando, pediu ao pai: - Me ajuda a olhar”.
São muitos capítulos preenchidos por esses textos curtos que aliviam o espírito a cada lance de olhar. Nesse ir e vir de palavras, pensamentos e sensações, o escritor dispara sobre a realidade e o inusitado, unindo sonhos a críticas severas em relação ao sistema capitalista e a forma como o mundo está sendo construído. O interesse de Galeano é mais do que nunca a memória, unindo a sua e a memória coletiva, da América, num só corpo. O interessante do livro é que pode ser lido de qualquer parte. Não existe uma linearidade, o que torna a leitura deliciosa. No mais, é um livro delicado e afiado como a própria vida e desperta desejos, inquietações, dores e principalmente aquece o sentimento de esperança de uma América castigada por ditaduras, sombras e um mar incendiário de possibilidades. A impressão que se tem ao folhear as 271 páginas dos abraços de Galeano é receber em doses homeopáticas a realidade e a ilusão em forma de poesia.
Galeano é autor de “As Veias Abertas da América Latina”, “Dias e Noites de Amor e Guerra”, “Memória do Fogo”, “Bocas do tempo”, “Palavras andantes”, “Futebol de sol e a sombra”, entre outros.
Trechos da obra
“Na parede de um botequim de Madri, um cartaz avisa: Proibido cantar. Na parede do aeroporto do Rio de Janeiro, um aviso informa: É proibido brincar com os carrinhos porta-bagagem. Ou seja: Ainda existe gente que canta, ainda existe gente que brinca”
“A noite/4: Solto-me do abraço. Saio às ruas. No céu, já clareando, desenha-se, finita, a lua. A lua tem duas noites de idade. Eu, uma”.
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