O verbo tramar tem, no Houaiss, quatro acepções principais: o conceito original e três por sentido figurado. O conceito original não vem ao caso aqui, mas os sentidos figurados sim. Dos três eu gostaria de trabalhar meu pensamento com um deles: planejar ou executar bem um projetol. Pode ser que os desvios da disciplina me escapem eventualmente pelos outros dois, mas procuro a autocrítica e tento evitá-los o tempo todo. Enfim não tolero: maquinações, intrigas, complôs ou conspirações. Seria negar a minha própria história política e social.
Aliás, quem se politizou na minha geração teve que seguir uma disciplina de estudos muito além das matérias básicas do curso universitário que eventualmente escolheu para se graduar. Desde muito cedo, em debate e por leitura dirigida ou induzida como foi o caso da antropologia cultural ou no ano em que freqüentei a faculdade de economia. Aliás, quem estuda epidemiologia e controle de doenças vive na matéria prima da sociologia e estatística. A verdade é que além das teorias de estrutura e funções, quem optou pela ação política precisou beber na filosofia, história, economia, sociologia e pedagogia.
É enganoso imaginar que adotar uma visão de mundo não seja um grande esforço de debate, confrontos com a realidade e busca teórica para explicações. Como igual é ter o cartão de apresentações cheio de princípios. Por exemplo, o princípio da ética. Que sabemos são regras de comportamento em coletividade. E comportamento é conduta perfeitamente sujeita a variações históricas, de classe social, de tipos culturais etc. Claro que a civilização ocidental greco-romana tem princípios éticos que até norteiam o que é e não é civilizado. Mesmo assim ter princípio para a ação política é sentir o peso da realidade.
Qualquer pessoa ousa falar sobre qualquer assunto nos dias atuais. A novidade maior é que as telecomunicações permitem que num computador se acessem bibliotecas fabulosas. Neste momento é interessante ouvir-se o que se tem para dizer, pois mesmo uma má leitura de algo é importante para o aprendizado do especialista no assunto. O erro do generalista não é mais o centro da conversa. Ao contrário a conversa agora põe em xeque o universo compartimentado do conhecimento. Põe mais em xeque o especialista do que o generalista (ou não especializado em determinado assunto).
Os médicos estão vigiados pelo Dr. Google. Um diagnóstico pode ser avaliado pelo doente ou seus familiares, e o médico terá de deixar a torre de marfim da sabedoria incontestável. Este é o mundo que vivemos. Não conspirando contra os poderosos ou os mais fracos. Mas tentando compreender a realidade que inventa poderoso e determina fraco. E o passo histórico seguinte a toda compreensão: quem compreender age, transforma, modifica. Mesmo quando tenta manter o status quo usa da compreensão.
Ficamos assim: ser de direita, esquerda ou ter ideologia não é categoria de denúncia. Menos ainda trama sem princípios. São categorias válidas de como se faz política e como se preparam projetos de história. O projeto realizado e acabado é outra coisa: muito da realidade já o terá adicionado desde o início de novos elementos.
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