Criadores & Criaturas



"Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intata.
"

(Carlos Drummond de Andrade)

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... Por do Sol em Serra Verde ...
Colaboração:Claude Bloc


FOTO DA SEMANA - CARIRICATURAS

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terça-feira, 30 de novembro de 2010

Curtíssima I....




Casa solitária
Preenche o vazio
Da tarde dolente.


Texto e desenho por Claude Bloc

Curtas. Liduina Belchior.

O caso é o seguinte:
O acaso no ocaso
acatou a todos nós;
Comunicação interativa.
Encontrão carinhoso
no Cariricaturas.

Minhas cadelinhas Bambina e Dudu- Por Rosa guerrera



Possuo duas cadelinhas . Adoro ambas .

A pretinha é a Bambina , uma lhasa ., nascida no dia 24 de novembro de 2001 e adquirida por mim num canil exatamente no dia 31 de dezembro do mesmo ano .

Na verdade , quando fui procurar uma cadelinha para comprar , eu não tinha preferência por nenhuma raça, e entre tantos animais que aí se encontravam não foi ela a minha escolhida a primeira vista. Lembro bem que já estava praticamente acertado todos os detalhes da compra de outra , quando olhando para um recanto de uma parede observei que outro animalzinho acompanhava todos os meus movimentos., parecendo querer vir também para meus braços ....e até hoje não sei explicar a minha mudança repentina em trocar a então escolhida , por aquela pretinha que parecia pedir que a trouxesse comigo .

Tomei então conhecimento pelo dono do Canil , que aquela cadelinha escolhida ,possuia pedigree, e que já era registrada no Kennel Club com o nome de “Angel “.Isso pouco fiz caso , porque a partir de então ela viria morar comigo e seria batizada por Bambina .
De temperamento brincalhão , nos seus primeiros anos,Bambina estragou moveis, almofadas, roeu sapatos ,sandálias e arrancou até botões de blusas que estivessem ao seu alcance.Hoje apesar de adulta ,ainda brinca bastante com bonequinhos de pelúcia , e faz verdadeiro estardalhaço quando eu chego em casa ( mesmo que minha ausência seja somente por 15 minutos).
Mas ,bem diferente da chegada de Bambina a minha casa , foi a chegada da pequenina Dudu, que encontrada vagando pelas ruas , maltratada, magrinha e faminta , foi recolhida por minha irmã e recebida com muito carinho também por nós .
Fiquei penalizada com o estado que a cadelinha se encontrava , mostrando claramente que muito tinha sofrido perambulando por praças e avenidas . E qual não foi nossa surpresa quando ao levá-la ao veterinário, tomamos conhecimento que essa cachorrinha abandonada era da raça Pequinês legìtima e como é sabido , a raça pequinês se encontra atualmente quase em extinção no mundo canino .A sua idade , foi então calculada pelo veterinário de aproximadamente oito meses .Minha irmã resolveu chamá-la de Duquesa, mas eu achei um nome muito grande para uma cachorrinha tão pequena , e resolvi abreviar para Dudu.
De início a Bambina pareceu não se adaptar com a nova moradora , mas em pouco tempo foram se tornando companheiras inseparáveis . Hoje estão sempre lado a lado dividindo até os brinquedos de pelúcia na hora da brincadeira .
Amo demais essas duas cadelinhas, e não importa que uma possua pedigree, e que a outra tenha sido recolhida das ruas .


rosa guerrera

Tédio - Por Vera Barbosa


Vou falar sobre motivação, mas esse não é um texto de auto-ajuda nem pretende resolver problema algum de quem quer que seja. Apenas reflito porque a cabeça não pára, ainda que o telefone da PA não toque. Em que focar a mente para que o cérebro não estacione até que entre um próximo paciente na linha? Eis a questão, caros colegas. Devo pensar que faltam apenas duas horas e quarenta e cinco minutos para ir embora ou imaginar se irei me divertir, logo mais, à noite? Será que é possível vencer o tédio? Conversava com um colega de trabalho, pois não havia fila e, portanto, não entrava ligação. Então, pedi que ele me sugerisse um tema e ele disse apenas "tédio". Daí, me pus a pensar em como me manter motivada nessa e tantas outras circunstâncias da vida. Porque é fato que, em algumas situações, ele (o entediante tédio) aparece para nos paralisar. A redundância é proposital.

Já que estou no trabalho e não posso ler um livro que comprei nessa semana nem minha revista predileta, tampouco ouvir um CD que acabei de ganhar, eu penso: é tudo o que me resta. E, para que o desespero não me alcance e o sono não me pegue, arrisco essas linhas. Afinal de contas, é feriado, o sol brilha lá fora e as pessoas se divertem enquanto eu trabalho. Trabalho? Tudo bem que fazer nada também é bom às vezes. Rita Lee cantou, certa vez, "nada melhor do que não fazer nada, só pra deitar e rolar com você". Com você, né? Não é o caso! É, acho que vou viajar um pouco e pensar no meu próximo encontro. Ao menos, isso me deixará leve, suave, como diriam minhas sobrinhas. Aliás, a garotada anda leve demais, não? Mas isso é tema para um próximo artigo.

Voltando à questão do tédio, nos anos 80, uma banda (seria Engenheiros do Hawai ou Biquíni Cavadão? Talvez Ira, perdoem-me, mas não me recordo) cantou que "Deitado no meu quarto, o tempo voa / lá fora, a vida passa e eu aqui à toa / Já tentei de tudo, mas não tenho remédio pra livrar-me desse tédio.). Quando a gente está de papo pro ar, numa praia, com amigos, não se sente incomodar. É bom não fazer nada. Apenas conversar, rir, tomar um banho de mar, uma cerveja ou um refrigerante ou aquele sorvete predileto. Então, me vem Santa Rita de Sampa, novamente, à cabeça: "Ai quem me dera, um dia ficar de papo pro ar... ouvindo o som de uma viola".)

Somos mesmo contraditórios. Às vezes, fazemos tudo de um vez, ou, pelo menos, tentamos fazer. Queremos abraçar o mundo com as mãos, assoviar e chupar cana! Noutras, nos entregamos à preguiça, num direito mortal de não pensar em nada. Hoje, eu queria que esse telefone não parasse. Não gosto de ficar olhando para o relógio do PC. É bom quando a fila é grande e atendo sem parar porque as horas voam e o meu expediente acaba rapidinho. Não é o caso nessa tarde.

Portanto, concluo que a melhor forma de espantar o tédio é mantendo-se ocupado. Há um dito popular segundo o qual "cabeça desocupada é moradia pro diabo", um lance assim. E é verdade. Enquanto produzimos, não temos tempo para pensar - nem fazer! - besteiras. Tempo ocioso só é bom se bem aproveitado e, geralmente, não é o que acontece. Começa-se a pensar nos problemas, nas dívidas, a briga com o namorado etc e tal. Se você também não tem nada pra fazer e está lendo esse texto, lamento profundamente. Talvez fosse melhor você ter ao alcance dos olhos um soneto de Drummond ou uma crônica de Rubem Alves. Talvez quisesse ouvir o CD da sua banda de rock favorita ou pegar um cinema com sua gatinha. Ou ir pra uma balada com sua turma mais animada... É, "infelizmente, nem tudo é exatamente como a gente quer".

Quanto a mim, sabe que foi bom escrever? Agora, falta apenas uma hora para eu ir embora. Está vendo como se ocupar é bom?


Vera Barbosa

Bruno Pedrosa , convida !

Warakidzã - Por Geraldo Júnior

Warakidzã


Sente falta da brisa do vale?
Dos ventos rodeantes celebrando a liberdade?
Do som das águas sacudindo os desejos sem juízo?!.
Quando as narinas pegam fogo e o sentido queima
O peito se enche de delírio e os olhos enxergam além
Eu posso estender meu braço até as alturas
E consigo tocar o teu rosto no escuro da noite
Trago minhas saudades e sinto que ainda a espaço e tempo
Pra os sonhos que guardamos conosco a vida inteira!

( Geraldo Junior)

Filosofia dos órgãos - Por Domingos Barroso


O fel deste sentimento
sinto arder meu ventre
origina-se na fantasia.

Todo hormônio liberado
pela quimera

ou melhor,
fetiche

causa dois males:
torna o sonhador
uma minhoca

em seguida,
uma serpente.

A Morte Devagar- Por Martha Medeiros



Morre lentamente quem não troca de idéias, não troca de discurso, evita as próprias contradições.

Morre lentamente quem vira escravo do hábito, repetindo todos os dias o mesmo trajeto e as mesmas compras no supermercado. Quem não troca de marca, não arrisca vestir uma cor nova, não dá papo para quem não conhece.

Morre lentamente quem faz da televisão o seu guru e seu parceiro diário. Muitos não podem comprar um livro ou uma entrada de cinema, mas muitos podem, e ainda assim alienam-se diante de um tubo de imagens que traz informação e entretenimento, mas que não deveria, mesmo com apenas 14 polegadas, ocupar tanto espaço em uma vida.

Morre lentamente quem evita uma paixão, quem prefere o preto no branco e os pingos nos is a um turbilhão de emoções indomáveis, justamente as que resgatam brilho nos olhos, sorrisos e soluços, coração aos tropeços, sentimentos.

Morre lentamente quem não vira a mesa quando está infeliz no trabalho, quem não arrisca o certo pelo incerto atrás de um sonho, quem não se permite, uma vez na vida, fugir dos conselhos sensatos.

Morre lentamente quem não viaja, quem não lê, quem não ouve música, quem não acha graça de si mesmo.

Morre lentamente quem destrói seu amor-próprio. Pode ser depressão, que é doença séria e requer ajuda profissional. Então fenece a cada dia quem não se deixa ajudar.

Morre lentamente quem não trabalha e quem não estuda, e na maioria das vezes isso não é opção e, sim, destino: então um governo omisso pode matar lentamente uma boa parcela da população.

Morre lentamente quem passa os dias queixando-se da má sorte ou da chuva incessante, desistindo de um projeto antes de iniciá-lo, não perguntando sobre um assunto que desconhece e não respondendo quando lhe indagam o que sabe. Morre muita gente lentamente, e esta é a morte mais ingrata e traiçoeira, pois quando ela se aproxima de verdade, aí já estamos muito destreinados para percorrer o pouco tempo restante. Que amanhã, portanto, demore muito para ser o nosso dia. Já que não podemos evitar um final repentino, que ao menos evitemos a morte em suaves prestações, lembrando sempre que estar vivo exige um esforço bem maior do que simplesmente respirar.

Extraído de:

http://www.tvcultura.com.br/provocacoes/poesia.asp?poesiaid=11

MAYA



O QUE SIGNIFICA MAYA

O conceito de Maya é outra das expressões importadas das filosofias hindus e transladadas diretamente do sânscrito, tendo sido incorporada ao vernáculo de forma açodada e superficial.

Tal como o conceito de Dharma, Maya comporta uma série de sutilizações de significado e está longe de ser somente “ilusão”, como imaginam alguns desavisados.

Maya é, de fato, o princípio causador da ilusão por via indireta, mas não é a ilusão em si mesma.

O que é ilusório não são as coisas em si mesmas. A ilusão está em nossa incapacidade de perceber as coisas como são em seu próprio nível de realidade. Nós as vemos de forma distorcida, de acordo com nossas limitações sensoriais e nossos condicionamentos. Isso não significa que as coisas “não existam”, e sim que não podemos percebê-las como são em si mesmas.

Nossas percepções são coloridas e distorcidas por nossos sentidos. Esse fenômeno de distorção de nossa percepção objetiva é, sem dúvida, ilusório. Maya, porém, é mais do que isso. È a propriedade de plasmação de formas, sons, imagens e ritmos que formam o mundo natural.

Maya é o princípio de polaridade feminina, que torna a Natureza uma artífice de criatividade sem limites. É o próprio poder criador se manifestando em miríades de imagens, que se modificam em perpétuo movimento (Krya Shakti).

Lançando mão da metáfora do Shivaísmo hindu, Maya é a dança da Skakti em torno de Shiva, produzindo um movimento contínuo e envolvente, que dá origem a todo o movimento cósmico.

Poderíamos também usar a metáfora egípcia e compreender Maya como os Véus de Ísis, a deusa consorte de Osíris.

Os véus de Ísis simbolizam a roupagem externa da natureza, que oculta o segredo dos segredos: a essência última que existe no âmago da realidade e só se pode manifestar através dos “véus” que representam a face exterior da natureza.

Por um lado Maya é o poder criador da Natureza. Por outro, é a ilusão causada pela mente humana, que percebe essas manifestações, enxergando-as como a mente é, e não como as coisas são em si mesmas.

Não sabemos como as coisas são em si mesmas, porque não podemos perceber as coisas em si. Tudo o que percebemos (cores, sons, formas, sensações) são vibrações provenientes dos objetos, captadas por nossos sentidos e formatadas pelo cérebro de acordo com os efeitos neurológicos causados por essas imagens. Somos conscientes apenas dessas imagens e não dos objetos representados por elas. Vivemos em um mundo de imagens e consideramos reais essas imagens projetadas, a partir de algumas vibrações que recebemos dos objetos.

Assim, podemos considerar toda a matéria e toda a energia do universo como o poder exteriorizado (Shakti) de uma consciência. Não da nossa consciência em particular, mas da consciência suprema da qual somos uma pequena parcela, um ponto focal.

Por sermos, em nosso ser essencial mais íntimo, partes integrantes e inseparáveis de uma consciência única, estamos ligados por elos invisíveis com tudo o que existe, inclusive com a própria matéria. A matéria é a projeção exterior da consciência única e absoluta, sendo que essa projeção nos faz sentir enganosamente que estamos separados dos outros seres e dos objetos. Tudo está contido dentro da consciência.

Maya ou a Shakti é o poder exteriorizado e manifesto, enquanto Shiva é o centro imanente ou emanador deste poder. Por essa razão, nas imagens de tantrismo, Shakti é quem dança em torno de Shiva estático.

Da mesma forma, na teogonia egípcia, é Ísis que dança em torno de Osíris, balançando suas verdes asas sobre o deus morto e restituindo a vida ao “grande apático”

Não caiamos no erro do positivista que, para retrucar o argumento de um niilista que dizia ser tudo uma ilusão, chutou-lhe a canela e gritou: “Isso não vai doer! É o chute ilusório de um pé ilusório numa canela ilusória!”

É claro que algo aconteceu ali. Diferentes coisas interagiram e produziram um resultado.

A ilusão não está no fato em si nem nos aglomerados de matéria que produziram esses efeitos. Está na maneira com que esses eventos foram registrados pela consciência dos participantes.

Maya é um atributo criativo do aspecto feminino da divindade: são os véus de Ísis que nenhum mortal poderia erguer, porque seria necessário que um homem se elevasse acima de sua condição de mero mortal, para poder ver e compreender o que existe sob os véus de Ísis.
Por isso, Maya é muito mais do que a ilusão dos sentidos. É o poder formador e plasmador de todos os cenários e de todos os aspectos “externalizados” de tudo que existe. É a capacidade infinita da mente universal de criar imagens caleidoscópicas para o fluxo da existência. Nossa incapacidade de decodificar essas imagens e ver sua realidade intrínseca é que faz com que Maya pareça ser para nós a grande ilusão.

http://www.sociedadeteosofica.org.br/bhagavad/site/livro/cap37.htm

Mato sem gato - Por Socorro Moreira




Admiro a paciência da gatas
que esperam a ronda dos seus gatos
noutros telhados
São lânguidas, passivas
Mas sabem arranhar  a vida

Não gosto dos gatos fugidios
Daqueles de olhar melado
Sinto um medo incrível

Prefiro a casa solitária
Com perfume de mato sem gato.

Mancha do batom - por Socorro Moreira



Esperas nas madrugadas
O boêmio não chegava
E o dia já clareava

Enfim, a porta rangia...
Seu corpo tremia
Fechava os olhos
Fingia um sono profundo
Um respirar num ronco magoado

Cheiro etílico impregnando o quarto
Embebedava-lhe o alívio de sabe-lo em casa
Dormia

Acordavam silenciosos
Por diversas culpas
Ai, que ódio,
Ser Amélia das Dores...
Se Amália fosse
Cantaria um fado

Os homens não adoçam bocas
Quando se sentem culpados
Penitenciam-se num silêncio grotesco
Pronto para o bote da explicação

Olhos desencontrados da  expiação
Desgaste contínuo
A vida não cola o que a noite quebrou
A vida descobre o que a noite ocultou.

Deixaram  a sua marca
Na gola que Amélia lava
Com suas próprias lágrimas.

Insônia - Por Socorro Moreira



É porre
Uma noite mal dormida
A brisa noturna
Nem sentido faz
Ignora a proximidade do sonho
Ele já desistiu de brincar
Com as senhas do  inconsciente
E capotou no seu próprio sono
Os sonhos dormem, sabia?
-Nem sempre com uma música de acalanto ...

A Poesia de Everardo Norões


SONETO I

Agonizavam os rastros de novembro.
E os meus ossos, cansados das neblinas,
doíam, no concerto das esquinas
da cidade, onde um dia, ainda me lembro,

penetrou-se de escuro a minha alma,
quando um cão, a ladrar contra o sol-posto,
mordeu o lado oculto do meu rosto
e deixou seus sinais à minha palma.

Lembro-me que era de tarde. Ainda chovia.
O eco dos espelhos conduzia
meus passos que jaziam pelas ruas.

Havia o som da água que caía.
E no horizonte, além da agonia,
um cemitério de meninas nuas.

everardo norões

Um rock antigo- Por Domingos Barroso

Tive mais musas que um gato teve de vidas.
(ou que o céu da minha terra tem de estrelas)

Posso passar a tarde inteira citando nomes
e tatuando os braços.

Pressinto minha morte jogando pedras nos canteiros da praça.
Mirando nas flores mais sensíveis e não errando uma.

Posso anoitecer agora abraçando o crepúsculo
lembrando-me de cada musa e de cada alfinete.

Tive tantas musas que hoje só recebo de presente
a lembrança das coxas de uma (os cílios de outra) .

Pensando bem creio que tive mais musas
que a minha imaginação por formigas.

Poucas são reais.

Mas o que dizer desta
(com asas) que passeia
pelo teclado?


domingos barroso
As coisas do tempo
- Claude Bloc -


Hoje me recuso
a interpretar
as coisas do tempo...
Não ouso mesmo
mudar nada
pois ainda guardo nos olhos
as cores das flores
no jardim da minha infância

ainda atiro pedras
sobre o espelho d'água do açude,
ainda ouço os sinos
da igreja da Sé
cedinho, aos domingos,
despertando os homens
e os arcanjos

ainda ouço em silêncio
a sinfonia suave das pétalas
e das noites escuras

ainda tenho na boca
o gosto dos bolos
que minha avó fazia
nas férias de julho.

Enquanto isso, a vida seguia
a gente contava histórias de fadas
e eu
desenhava nos meus pensamentos
um mundo muito mais perfeito
que os fins de todos esses contos:
um mundo sem países
e sem fronteiras.

Eu era como os pássaros soltos
que fazem o seu trajeto:
eu voava livre...

Por isso
hoje me recuso
a interpretar
as coisas do tempo.
Não ouso
mudar nada...

Claude Bloc

O primeiro beijo - Clarice Lispector


O PRIMEIRO BEIJO

Os dois mais murmuravam que conversavam: havia pouco iniciara-se o namoro e ambos andavam tontos, era o amor. Amor com o que vem junto: ciúme.
- Está bem, acredito que sou a sua primeira namorada, fico feliz com isso. Mas me diga a verdade, só a verdade: você nunca beijou uma mulher antes de me beijar? Ele foi simples:

- Sim, já beijei antes uma mulher.

- Quem era ela? perguntou com dor.

Ele tentou contar toscamente, não sabia como dizer.

O ônibus da excursão subia lentamente a serra. Ele, um dos garotos no meio da garotada em algazarra, deixava a brisa fresca bater-lhe no rosto e entrar-lhe pelos cabelos com dedos longos, finos e sem peso como os de uma mãe. Ficar às vezes quieto, sem quase pensar, e apenas sentir - era tão bom. A concentração no sentir era difícil no meio da balbúrdia dos companheiros.

E mesmo a sede começara: brincar com a turma, falar bem alto, mais alto que o barulho do motor, rir, gritar, pensar, sentir, puxa vida! como deixava a garganta seca.

E nem sombra de água. O jeito era juntar saliva, e foi o que fez. Depois de reunida na boca ardente engulia-a lentamente, outra vez e mais outra. Era morna, porém, a saliva, e não tirava a sede. Uma sede enorme maior do que ele próprio, que lhe tomava agora o corpo todo.

A brisa fina, antes tão boa, agora ao sol do meio dia tornara-se quente e árida e ao penetrar pelo nariz secava ainda mais a pouca saliva que pacientemente juntava.

E se fechasse as narinas e respirasse um pouco menos daquele vento de deserto? Tentou por instantes mas logo sufocava. O jeito era mesmo esperar, esperar. Talvez minutos apenas, enquanto sua sede era de anos.

Não sabia como e por que mas agora se sentia mais perto da água, pressentia-a mais próxima, e seus olhos saltavam para fora da janela procurando a estrada, penetrando entre os arbustos, espreitando, farejando.

O instinto animal dentro dele não errara: na curva inesperada da estrada, entre arbustos estava... o chafariz de onde brotava num filete a água sonhada. O ônibus parou, todos estavam com sede mas ele conseguiu ser o primeiro a chegar ao chafariz de pedra, antes de todos.

De olhos fechados entreabriu os lábios e colou-os ferozmente ao orifício de onde jorrava a água. O primeiro gole fresco desceu, escorrendo pelo peito até a barriga. Era a vida voltando, e com esta encharcou todo o seu interior arenoso até se saciar. Agora podia abrir os olhos.

Abriu-os e viu bem junto de sua cara dois olhos de estátua fitando-o e viu que era a estátua de uma mulher e que era da boca da mulher que saía a água. Lembrou-se de que realmente ao primeiro gole sentira nos lábios um contato gélido, mais frio do que a água.

E soube então que havia colado sua boca na boca da estátua da mulher de pedra. A vida havia jorrado dessa boca, de uma boca para outra.

Intuitivamente, confuso na sua inocência, sentia intrigado: mas não é de uma mulher que sai o líquido vivificador, o líquido germinador da vida... Olhou a estátua nua.

Ele a havia beijado.

Sofreu um tremor que não se via por fora e que se iniciou bem dentro dele e tomou-lhe o corpo todo estourando pelo rosto em brasa viva. Deu um passo para trás ou para frente, nem sabia mais o que fazia. Perturbado, atônito, percebeu que uma parte de seu corpo, sempre antes relaxada, estava agora com uma tensão agressiva, e isso nunca lhe tinha acontecido.

Estava de pé, docemente agressivo, sozinho no meio dos outros, de coração batendo fundo, espaçado, sentindo o mundo se transformar. A vida era inteiramente nova, era outra, descoberta com sobressalto. Perplexo, num equilíbrio frágil.

Até que, vinda da profundeza de seu ser, jorrou de uma fonte oculta nele a verdade. Que logo o encheu de susto e logo também de um orgulho antes jamais sentido: ele...

Ele se tornara homem.

(In "Felicidade Clandestina" - Ed. Rocco - Rio de Janeiro, 1998)
Clarice Lispector