Criadores & Criaturas



"Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intata.
"

(Carlos Drummond de Andrade)

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... Por do Sol em Serra Verde ...
Colaboração:Claude Bloc


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quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

MOMENTO DA POESIA Por Claude Bloc

Lua-Maré


Foto de 2010 - Vista para o Mucuripe ( Fortaleza - CE)


A lua, na maré cheia,
transborda
invade meu universo
e gira incansavelmente
 em torno do tempo da terra.
Patética, se volta,
para os sonhos, para a vida
 ... e revolta, desaba
ridiculamente nua
nas águas do mar.


Claude Bloc

Delírio

Retiro meu vestido branco
Dispo-me nua e crua
Deito as margens do infinito
Me acalentando com o silêncio
Nessa escuridão de pecado
O vento não enxuga meus olhos
Pois a noite é de prazer
Revelo a cor rubra do meu amor
Pra já mais me esquecer


Daniel Boris (Jacques)

Por uma pedagogia da calçada... — por Anair Holanda Cavalcante



    Quero falar um pouco sobre o final de semana, onde me encontrava em Limoeiro junto aos meus pais. A nossa casa se encontra em reforma, sendo adaptada ao atual ciclo de vida deles. Além da cozinha com uma mesa enorme adquirida para uma família de doze filhos, tem ainda seis quarto, quintal com cachorros, frutas e aves. Mas existe um espaço externo que confunde com o que é privativo à família e ao público: É a calçada que têm mosaicos lembrando o calçadão de Copacabana e árvores. No final da tarde, quando o vento Aracati sopra os nossos rostos, colocam-se cadeiras, onde meus pais ficam sentados e por alguns momentos, quase que imóveis. Com cabelos branquinhos, olhares perdidos e gestos muitos lentos sussurram alguma coisa que quase não entendo e que daqui a pouco a minha mãe pergunta: Já fizeram a janta do seu pai?

    Trabalhadores, jovens, folclóricos personagens da cidade e moradores de rua passam pela calçada. O volume de sons de carros e motos substituiu as tradicionais bicicletas. Aos poucos, as pessoas acomodam-se em cadeiras ou no batente do portão com a noite. Outros vizinhos se acolhem também, enquanto alguns apenas cumprimentam e seguem. Posso ainda ouvir as conversas sobre mais um dia de trabalho, o calor e a sensação de estranhamento diante das mudanças da casa pelos meus pais.
Mas a calçada continua do mesmo jeito sendo, ainda, um espaço, onde as principais decisões familiares são tomadas e discussões políticas são colocadas. Dias desses, quase que ficou vazia. A violência com chacinas e crimes de pistolagem assustou os meus pais e a vizinhança. O medo paralisou as conversas, os saberes e as crenças partilhadas ao longo da nossa história. Já não era permitido sentar, narrar e ouvir estórias que ensinam e experiências que despertam em partilhas na calçada. São bisavós, avós, homens, mulheres, crianças que se sentam, se olham em círculo e riem da própria vida. Às vezes, em silencio, sabendo que de alguma forma, palavras são ditas e escutadas nos pequenos gestos, nos movimentos dos corpos e no olhar.

    Assim, a calçada manifesta as narrativas, presenças e celebrações. No período eleitoral, é o lugar onde se defende o seu candidato escolhido, distribuem panfletos, ideias e pedem votos. As eleições no interior representam uma quebra do espaço público e privado. E as calçadas, o exercício do limite destes. Algum vizinho adversário já não cumprimenta, já não olha direito. Apenas colocam as suas decisões nos muros retratadas em cartazes e bandeiras coloridas de candidatos ou partidos. Em outros momentos, como final de ano, é grande o movimento e encontro na calçada com parentes e amigos distantes se reconhecendo no ciclo de vida transformado e transmutado, como um rito de passagem.  
 
 O conhecimento não tem tempo, nem espaço definido, nem sujeitos e objetos. Naquele instante, todo mundo aprende e ensina algo com alguém, como se as relações afetivas de vínculos e vizinhança materializasse diplomas de sabedoria retratada nas linhas de vida dos rostos dos meus pais e nos sorrisos e brincadeiras ainda inocentes das crianças.

Agostino Balmes Odísio, um civilizador no Cariri – por Armando Lopes Rafael

(1ª Parte)

   Tempos tranquilos e difíceis, aqueles do final da década 30 do século XX... Os dias corriam devagar, A inexistência dos meios de comunicação, como os existentes hoje, aliada à precariedade das estradas carroçáveis, contribuía para que as populações do hinterland cearense só tomar conhecimento dos acontecimentos, ocorridos alhures, vários dias depois da ocorrência.

   Os jornais de Fortaleza, por exemplo, chegavam ao Cariri com um atraso de dois dias, pois eram transportados nos barulhentos trens da Rede de Viação Cearense – puxados pela Maria Fumaça (assim denominado, por nossa população, o vagão da caldeira a vapor, alimentada por carvão ou lenha) – que faziam o percurso Fortaleza–Crato, e vice- versa, em dias alternados da semana.

   A edição do jornal “O Nordeste”, órgão oficial da Arquidiocese de Fortaleza, edição da terça-feira, 28 de novembro de 1939, chegou, certamente, atrasado a Crato. E desta veio trouxe um longa e pouco elucidativa manchete: “Imitando o Cardeal de Paris, no seu programa de “estaleiros” para Igrejas”. Logo abaixo da manchete, em letras menores, o complemento explicativo: “O grande surto renovador das matrizes da Diocese de Crato”. Ilustraram a matéria da primeira página, duas fotos: uma de Dom Francisco de Assis Pires, bispo diocesano de Crato, a outra, a fachada do novo Palácio Episcopal, recém-construído. Perdido na vasta matéria este pequeno trecho: “Graças ao espírito iluminado do virtuoso prelado que governa os destinos da Diocese de Crato, as velhas matrizes vêm se remodelado em belos e majestosos templos”. E depois de citar as igrejas dotadas de “embelezamento”, descrevendo as melhorias nela introduzidas, “O Nordeste” esclareceu: “Sua Excia. Revdma. o Sr. Dom Francisco e os Revdmos. Vigários encontraram na pessoa do professor Agostinho Balmes Odisio, o complexo de aptidões para a realização dos trabalhos acima descritos”.

   Tempos tranquilos, aqueles...

    Mas, quem seria esse Agostino Balmes Odísio, no qual os vigários encontraram um “complexo de aptidões"? Tratava-se, na verdade, de talentoso artista, nascido na Itália, escultor, arquiteto, autor de peças teatrais e que, nas horas vagas, gostava de escrever e fotografar. Agostino Balmes Odísio viveu apenas seis anos no Cariri, entre 1934 e 1940. Neste curto espaço de tempo produziu bom número de obras de arte, fincadas no Sul do Ceará, sendo a mais conhecida a Coluna da Hora, -- foto ao lado -- com 29 metros de altura, encimada pela estátua do Cristo Redentor, esta com 6 metros – totalizando 35 metros – localizados na Praça Francisco Sá (também projetada pelo escultor italiano), em Crato, ainda hoje considerado o ícone daquela cidade e o cartão-postal mais conhecido da Princesa do Cariri.

O Cariri da década 30

   Quando chegou ao Cariri, Agostino encontrou uma região promissora, embora atrasada “ano-luz” em relação ao Sudeste brasileiro, onde ele vivera os últimos vinte anos. Em Juazeiro do Norte, onde se fixou, a quase totalidade das casas não dispunha de energia elétrica, e a iluminação noturna, nas residências, era proporcionada por candeeiros com pavios, alimentados por querosene. Não havia água encanada nas casas. As famílias utilizavam grandes potes de barro para armazenar o líquido, que era transportado no lombo de jumentos. A maioria das residências era de taipa e chão batido. E mesmo as construídas com tijolo possuíam cômodos escuros, com pouca ventilação. Além disso, as residências eram destituídas de instalações sanitárias. As mais aquinhoadas possuíam, no quintal, uma “sentina”, a latrina, com um buraco aberto no chão para as necessidades fisiológicas dos seus habitantes. O mau cheiro dali exalado, vez por outra, invadia o ambiente domiciliar. Banhos? Só os “de cuia”, como eram conhecidos os asseios corporais, feitos com água contida numa lata de flandre, cujo líquido era tirado por meio de pequeno caneco de alumínio.

   Não existiam hospitais no Cariri. Além do mais, a região possuía um dos maiores focos de “tracoma” do Brasil, a doença da inflamação da conjuntiva (o revestimento delgado e resistente que reveste a parte posterior da pálpebra) causada por vírus e bactérias, penalizando com a cegueira a muita gente do Cariri.

    Tempos difíceis, aqueles...
(continua abaixo)


Agostino Balmes Odísio, um civilizador no Cariri -- por Armando Lopes Rafael

(2ª Parte)

A arte de Agostino
  
Pois foi neste cenário que Agostino construiu monumentos, reformou as igrejas, fez plantas modernas e estéticas para construções, fabricou e introduziu artísticos mosaicos de pisos, muitos, ainda hoje, embelezando os templos e residências do Sul do Ceará. Ele foi também pioneiro na introdução do marmorite no Cariri.

Em Crato, esse italiano foi autor de importantes projetos, como o Palácio Episcopal (foto ao lado, no aspecto atual com a escultura do Bom Pastor dominando a fachada do prédio) ; busto de Dom Quintino, na Praça da Sé; o altar-mor e o altar da capela do Sagrado Coração de Jesus da Catedral; gruta de Nossa Senhora de Lourdes e estátua de São Geraldo, no Colégio Santa Teresa de Jesus; altar-mor da capela do Seminário Diocesano São José, dentre outros.

    Em Juazeiro do Norte, ele trabalhou na reforma da Igreja-Matriz de Nossa Senhora das Dores (hoje Santuário Diocesano e Basílica Menor) onde projetou altares e esculpiu estátuas, medalhões e painéis, a maioria até hoje conservados naquele templo, um dos mais visitados do Nordeste brasileiro.

   Na sua arte, Agostino Balmes Odísio utilizava o estilo “Art Déco”, movimento das artes decorativas cultivado pela sociedade de massa que influenciou as artes plásticas e arquitetura. A “Art Déco” surgiu na década vinte do século XX e ganhou força nos anos 30, na Europa e Américas. O estilo arquitetônico mistura os princípios do cubismo como elementos clássicos. Edifícios, esculturas, joias, luminárias e móveis são geometrizados. Sem perder o requinte, os objetos adquirem decoração moderna. A “Art Déco” chegou ao Brasil em 1929, com a construção do edifício A Noite, em Copacabana, na Zona Sul carioca. Algumas obras feitas nesse estilo: o monumento do Cristo Redentor e a Estação Central do Brasil, no Rio de Janeiro; o Elevador Lacerda, em Salvador, e o Viaduto do Chá, em São Paulo.

Traços biográficos

   Nascido em 1881, em Turim, Norte da Itália, Agostinho Odísio formou-se pela Escola de Belas Artes daquela cidade. Na infância, foi aluno da Escola Profissional Domingos Sávio, mantida por São João Bosco. Uma curiosidade: Agostinho assistiu – com sete anos de idade – ao enterro de Dom Bosco, falecido em 31 de janeiro de 1888. Em 1912, ele esculpiu um busto do Rei da Itália, Vito Emanuel II, conquistando o 1º lugar numa disputa por uma bolsa de estudo em Paris. Na capital francesa, foi discípulo de August Rodin, considerado, ainda hoje, o maior escultor contemporâneo. Em 1913, com 32 anos de idade, Agostinho Odísio resolveu emigrar para a Argentina, onde residia um irmão seu. Entretanto, por motivos ignorados, desembarcou no Porto de Santos, em São Paulo. De lá seguiu para Minas Gerais, onde conheceu Dosolina Frateschi (filha de italianos) por quem se apaixonou e casou, decidindo ficar no Brasil.

   Durante 20 anos, produziu dezenas de obras de arte nos Estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Em 1934, devido a problemas de saúde, foi aconselhado a residir no Nordeste, por causa do clima quente da região. Por acaso, leu na imprensa sobre a morte do Padre Cícero, e, vislumbrando oportunidade de negócios – por conta da religiosidade da população daquela cidade – veio para Juazeiro do Norte, onde residiu até 1940. Transferiu-se, em seguida, para a capital cearense, onde veio a falecer, em 1948, deixando para a posteridade diversos trabalhos que imortalizam seu nome, em mais de trinta cidades do Ceará, dentre as quais: Fortaleza, Crato, Juazeiro do Norte, Lavras da Mangabeira, Missão Velha, Barbalha, Viçosa do Ceará, Acaraú, Sobral, Baturité, Ubajara, Canindé, Bela Cruz, Quixadá, Senador Pompeu, Várzea Alegre, Iguatu, Granja e Guaramiranga.

   Não padece dúvida de que, na sua passagem pelo Sul do Ceará, Agostinho Balmes Odisio desempenhou o papel de um civilizador, nesta vasta área do interior nordestino.

(Texto, foto e postagem de Armando Lopes Rafael)