Criadores & Criaturas



"Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intata.
"

(Carlos Drummond de Andrade)

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... Por do Sol em Serra Verde ...
Colaboração:Claude Bloc


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sábado, 19 de fevereiro de 2011

Uma vila qualquer


Passados tantos anos já ia ficando difícil saber o que realmente acontecera . O limo do tempo fôra recobrindo os detalhes mais importantes e a verdade se fizera fluída e escorregadia. O certo é que fragmentos da história eram narradas pelos mais velhos nas rodinhas de praça e, os mais novos, foram preparando suas as versões pessoais, nem sempre congruentes, como se montassem um quebra-cabeças. Havia porém, pontos de consenso: A Vila fôra muito próspera, encruzilhada necessária onde confluíam ( como numa foz), mascates e peregrinos, foi aos poucos formando um comércio próprio, que foi se robustecendo com o passar dos meses. Mergulhada a Vila numa terra fértil, foi aos poucos desenvolvendo uma agricultura que passou da subsistência à produção em escala quase industrial. O povo feliz, trazendo no sangue a seiva de índios, negros e brancos colonizadores , mantinha a sua cultura a ferro e fogo e a pequena Vila passou a próspera Cidade, sem nunca deixar de carregar consigo aquele doce ar provinciano. Metamorfoseara-se , geograficamente, em cidade, mas historicamente ainda era uma Vila: ganhara o conforto da metrópole, sem perder a ingenuidade e placidez de Vila. Até este ponto todas as versões terminam por desembocar. A partir daí perde-se o fio da meada, as estórias tendem a divergir sistematicamente. O certo é que a Vila ,no seu apogeu, sem causas visíveis, entrou, rapidamente, em franca decadência. Era como se tivesse sido sorvida por um buraco negro, como se houvesse caído sobre ela o Cometa que se diz Ter destruído os dinossauros.O comércio minguou, os engenhos passaram a não mais safrejar e o povo foi pouco a pouco jogando fora suas tradições e destruindo seus sítios históricos.A cidade foi , paulatinamente, se tornando vazia e oca, parecia até aquelas cidades abandonadas dos filmes de faroeste, só faltavam os rolos de feno carregados, no meio da rua, pela ventania. O povo, no entanto, montado no fausto de outrora e em meio à decadência, ia cada vez mais empinando o queixo, se tornando pábulo e contador de vantagem. Qualquer pequena obra no município era comemorada como se inaugurasse a Estátua da Liberdade.
Os motivos da hecatombe eram muitos e davam munição para discussões acaloradas em todos os logradouros. Havia um outro aspecto, porém, que era consenso entre todos: velhos e novos. A causa principal do declínio era política. Alguns, mais supersticiosos, achavam até que era "coisa botada", um caié, uma urucubaca encomendada. Por quase cinqüenta anos o município se submeteu a administrações péssimas. Sempre que se elegia um prefeito, repetia-se sempre a mesma coisa: arrodeava-se de apaniguados, indicava os familiares para os cargos mais importantes e estava montada a quadrilha. Era um não mais parar de roubar, de apropriar-se dos bens da população, coisa de fazer Ali Babá indignar-se. Acabado o mandato, o povo respirava aliviado, pensando: --- Ainda Bem ! Pior que este é impossível! O diabo é que o mal não tem fronteiras e , na sua infinitude, sempre conseguia arranjar um edil pior e mais ardiloso que o outro e aí o ciclo se fechava. É certo que numa das gestões apareceu um sujeito do bigodão , com cara mais séria que fundo de touro , cabra pontos nos ii . O diabo é que o homem morreu no meio do mandato aí.... O Vice, sedento, faminto, Assumiu! Este ponto era, inclusive, o que mais alimentava as especulações dos supersticiosos , que achavam que alguém tinha costurado a boca de um sapo e enterrado na prefeitura da cidade.
Dias desses, em meio à Festa da Padroeira, os maior fofoqueiro da Cidade, Zé Gallup, resolveu fazer uma enquete. Saiu , travestido de pesquisador do Ibope, fazendo a seguinte pergunta: --"Qual o melhor Prefeito desta cidade nos últimos cinqüenta anos ? Depois da consolidação dos dados, Zé Gallup, reuniu , na praça, os amplificadores de boatos da cidade e divulgou o vencedor. O resultado não podia ser mais surpreendente:
--- Zuca Mingau!!
Antes que todos protestassem, já que Zuca, era um simples gari, um dorme-sujo que jamais sequer sonhou em ser nem vereador; Gallup , com a seriedade dos pesquisadores renomados, explicou:
--- O resultado tá certo cambada! Vocês lembram que o penúltimo prefeito desta porcaria, não tendo conseguido eleger seu sucessor, ficou com raiva e não quis passar o cargo ao inimigo político eleito? Entregou, então, as chaves do paço municipal a Zuca Mingau, que tava capotado ali por perto, numa ressaca danada. Pois bem, Zuca ficou ali esperando o novo prefeito, para entregar as chaves. Foi então(queira-se ou não!) Prefeito por duas horas. Ele, na sua curtíssima administração, varreu o pátio da Prefeitura, limpou as escadarias, não roubou nada e nem deixou que ninguém roubasse, embora estivesse de posse das chaves e , também, não chamou os filhos e a mulher para chafurdar o paço. Pois bem, nas duas horas apenas que passou como Prefeito, Zuca Mingau, foi o melhor administrador desta cidade, nos últimos 50 Anos!

O rio e o poder do paraíso - José do Vale Pinheiro Feitosa

Um rio magoa nossas lembranças. Não tanto pelo leito domado de um canal, mas pelo leito pretendido que suas águas eventuais podem ocupar. Os rios têm disso: estão numa calha traiçoeira apenas revelada pelos sedimentos geológicos. Os animais sedentos chegam às suas margens e pensam num leito de inverno, sem imaginar que nas procelas muito mais largos serão.

Para um olhar urbano, desejoso das bucólicas paisagens marinhas, aquele conjunto de seis casinhas de pescadores à beira mar era o mais próximo que suas imagens chegariam do paraíso. Por isso mesmo eram forte objetos dos seus desejos. De ouvir a chegada e o recuo das marés. Olhar os horizontes do mar com todas as aquarelas dos dias. Examinar seus ares com as formações de azuis e temporais.

Os rios, riachos ou levadas têm o leito compreendido como personalidade. O leito que é, ao mesmo tempo, muito mais do que o estático conceito, é a expressão da dinâmica, o curso e suas paisagens. É sua forma serpeante no revelo que traduz tudo de sua metafísica.

E foram estes olhares gordos, cheios de poupança, que voraz compraram as casinhas à beira mar. Numa época de inflação o pescador magoou-se com a rápida desvalorização do seu capital, restando-lhe palhas por moradia em terrenos afastados. Naqueles belos sítios à beira mar surgiu a pretensão de pequenos palácios. Com suas piscinas, pérgulas, churrasqueiras, varandões e um desejo enorme de mostrar o poder do progresso material.

Mas eis que o curso personalizado das águas, com suas margens educadas ou pretendidas, encontra o volume das águas marinhas. O volume de contra fluxo, o arrastar em sentido oposto aos rios, riachos e levadas. E estes se tornam um manto raso de águas, espalhadas como um véu a beira mar, não pela força das procelas que lhes dão pretensão, mas pela concentração de muito mais água que eles.

Um dia, numa agonia de cancro ou um podre que se perde aos pedaços, os pequenos palácios foram caindo no embate das marés. Os sonhos de poder se desmancharam aos bocados e estes em retalhos que afinal são migalhas da conquista do paraíso roubado a outro. Que nem era paraíso, apenas o temporário lar de pescadores próximos ao ofício da pesca.

decisão

                        a claude bloc


devo ficar antes dessa estrada
o medo de lá quebra a espada
que eu teria de erguer um tanto
assim assim assim 

se fosse por amor 
a quem me ouve
algo mais do que o perigo
vivo diariamente
perigo latente
no caminho da gente

é melhor que eu fique
acredite
a esquina é cega e aponta
por cima dos ombros 
o que nela fere 
corte na crosta do sonho
e
tudo o que sobra é um sonho

luto a cada a hora feito um tolo
para mantê-lo ainda aceso
todo de linhas de segredo
um jeito que tinha de ser 
e permanece 

por isso é melhor que eu fique
acredite
essas ruas são mulheres nuas
enfeitiçando o vento
que passaria no milharal
e traria o perfume para dentro
da roda em que estamos
seres desatinados
destino incerto
corações tão longe
onde parece tão perto

Divagando -- por Napoleão Tavares Neves (*)



Divagar é preciso, sobretudo nos dias de hoje frente ao utilitarismo do mundo moderno. Pois bem, vamos divagar um pouco para afastar o imediatismo da vida hodierna.
Era 1944. Eu, ginasiano do saudoso Ginásio do Crato, saudoso dos meus verdes pés de serra de Porteiras e Jardim, subi na direção do Lameiro, a pés. Queria ver o verde dos canaviais. Fui subindo, subindo, subindo até que cruzou por mim o Ford preto do Dr. Joaquim Fernandes Teles, na direção da cidade.
De repente, vi-me rodeado por verdes canaviais, do Lameiro, do Belmonte, da Luanda, da Bebida Nova, do Grangeiro. Era cana a perder de vista! De repente, o apito do locomóvel do engenho do Sítio Belmonte. Era o aviso do meio dia. Retrocedi na minha caminhada. Senti-me satisfeito por manter o meu desejo infantil de ver canaviais como os dos sítios de meu pai.
Pois bem, todo aquele canavial sugava nas suas raízes as águas pluviais dos pés de serra do Crato, do Coqueiro às Guaribas. E haja sucção das águas das chuvas! Aquilo tudo era um verdadeiro sumidouro das águas pluviais que hoje descem escorrendo pelo asfalto para as ruas do Crato e quem paga o pato é o Canal do Grangeiro.
O homem perdoa às vezes!
A natureza, ferida, nunca perdoa!
E aí a gente tem que cantar como o poeta José Peixoto Júnior:

Embalançou-se o telhado,
À noite toda choveu,
Beira de Serra cedeu,
Foi muito pau arrancado;
Rio das Piabas lotado
De água, virou um prato”
Água solta não faz trato,
Veio da Serra até pequi,
O miolo do Cariri
Desceu nas águas do Crato.

(*) Napoleão Tavares Neves é médico, escritor, historiador, memorialista e cronista. Reside em Barbalha (CE)

Interfaces - Por Claude bloc



Interpretar
Interpelar
Interromper

Nesse mar interno
O que fazer para
interpor
palavras
nesse discurso que
interfere
no uso abusivo
da internet ???

Claude Bloc

Poemeto(s) - Por Claude Bloc


 I

O sonho cala
A palavra estala
Na boca insone

II

A alegria fala
O sorriso exala
O cheiro e o tom


(De um sonho bom)


Dedicado a Aloísio
Claude Bloc