Criadores & Criaturas



"Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intata.
"

(Carlos Drummond de Andrade)

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... Por do Sol em Serra Verde ...
Colaboração:Claude Bloc


FOTO DA SEMANA - CARIRICATURAS

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segunda-feira, 8 de março de 2010

Contos de Fadas Para Mulheres do Século XXI ( II )


Era uma vez uma linda moça, que perguntou a um lindo rapaz: Você quer casar comigo?
Ele respondeu: Não!

E a moça viveu feliz para sempre, foi viajar, fez compras, conheceu muitos outros rapazes, visitou muitos lugares, foi morar na praia, comprou outro carro, mobiliou sua casa, sempre estava sorrindo e de bom humor, nunca lhe faltava nada, bebia cerveja com as amigas sempre que estava com vontade, e ninguém mandava nela.

O rapaz ficou barrigudo, careca, perdeu a pose, a poupança murchou, ficou sozinho e pobre, pois não se constrói nada sem uma MULHER.
http://www.osvigaristas.com.br/textos/feministas/contos-de-fadas-para-mulheres-do-seculo-21-655.html

Contos de Fadas Para Mulheres do Século XXI ( I )


Era uma vez, numa terra muito distante, uma linda princesa independente e cheia de auto-estima que, enquanto contemplava a natureza, e pensava em como o maravilhoso lago do seu castelo estava de acordo com as conformidades ecológicas, se deparou com uma rã.

Então, a rã pulou para o seu colo e disse: Linda princesa, eu já fui um príncipe muito bonito, mas uma bruxa má lançou-me um encanto, e me transformou nesta rã asquerosa.

Um beijo teu, no entanto, há de me transformar de novo num belo príncipe, e poderemos casar, e constituir um lar feliz no teu lindo castelo.

A minha mãe poderia vir morar conosco, e tu poderias preparar o meu jantar, lavarias as minhas roupas, criarias os nossos filhos, e viveríamos felizes para sempre...

E então, naquela noite, enquanto saboreava pernas de rã “à sautée”, acompanhadas de um cremoso molho acebolado e de um finíssimo vinho branco, a princesa sorria e pensava: Nem “&x%8# &” !

Imagem

um casal de borboletas
deitado sobre a folha
de uma bromélia:

O fim da tonalidade
da planta

princípio dos olhos
nas asas.

Confusão mística.

Receita de Mulher- Vinícius de Moraes

As muito feias que me perdoem
Mas beleza é fundamental. É preciso
Que haja qualquer coisa de flor em tudo isso
Qualquer coisa de dança,
qualquer coisa de haute couture
Em tudo isso (ou então
Que a mulher se socialize
elegantemente em azul,
como na República Popular Chinesa).
Não há meio-termo possível. É preciso
Que tudo isso seja belo. É preciso
que súbito tenha-se a
impressão de ver uma
garça apenas pousada e que um rosto
Adquira de vez em quando essa cor só
encontrável no terceiro minuto da aurora.
É preciso que tudo isso seja sem ser, mas
que se reflita e desabroche
No olhar dos homens. É preciso,
é absolutamente preciso
Que seja tudo belo e inesperado. É preciso que
umas pálpebras cerradas
Lembrem um verso de Éluard e que se acaricie nuns braços
Alguma coisa além da carne: que se os toque
Como no âmbar de uma tarde. Ah, deixai-me dizer-vos
Que é preciso que a mulher que ali está como a corola ante o pássaro
Seja bela ou tenha pelo menos um rosto que lembre um templo e
Seja leve como um resto de nuvem: mas que seja uma nuvem
Com olhos e nádegas. Nádegas é importantíssimo. Olhos então
Nem se fala, que olhe com certa maldade inocente. Uma boca
Fresca (nunca úmida!) é também de extrema pertinência.
É preciso que as extremidades sejam magras; que uns ossos
Despontem, sobretudo a rótula no cruzar das pernas,
e as pontas pélvicas
No enlaçar de uma cintura semovente.
Gravíssimo é porém o problema das saboneteiras:
uma mulher sem saboneteiras
É como um rio sem pontes. Indispensável.
Que haja uma hipótese de barriguinha, e em seguida
A mulher se alteie em cálice, e que seus seios
Sejam uma expressão greco-romana, mas que gótica ou barroca
E possam iluminar o escuro com uma capacidade mínima de cinco velas.
Sobremodo pertinaz é estarem a caveira e a coluna vertebral
Levemente à mostra; e que exista um grande latifúndio dorsal!
Os membros que terminem como hastes, mas que haja um certo volume de coxas
E que elas sejam lisas, lisas como a pétala e cobertas de suavíssima penugem
No entanto, sensível à carícia em sentido contrário.
É aconselhável na axila uma doce relva com aroma próprio
Apenas sensível (um mínimo de produtos farmacêuticos!).
Preferíveis sem dúvida os pescoços longos
De forma que a cabeça dê por vezes a impressão
De nada ter a ver com o corpo, e a mulher não lembre
Flores sem mistério. Pés e mãos devem conter elementos góticos
Discretos. A pele deve ser frescas nas mãos, nos braços, no dorso, e na face
Mas que as concavidades e reentrâncias tenham uma temperatura nunca inferior
A 37 graus centígrados, podendo eventualmente provocar queimaduras
Do primeiro grau. Os olhos, que sejam de preferência grandes
E de rotação pelo menos tão lenta quanto a da Terra; e
Que se coloquem sempre para lá de um invisível muro de paixão
Que é preciso ultrapassar. Que a mulher seja em princípio alta
Ou, caso baixa, que tenha a atitude mental dos altos píncaros.
Ah, que a mulher dê sempre a impressão de que se fechar os olhos
Ao abri-los ela não estará mais presente
Com seu sorriso e suas tramas. Que ela surja, não venha; parta, não vá
E que possua uma certa capacidade de emudecer subitamente e nos fazer beber
O fel da dúvida. Oh, sobretudo
Que ela não perca nunca, não importa em que mundo
Não importa em que circunstâncias, a sua infinita volubilidade
De pássaro; e que acariciada no fundo de si mesma
Transforme-se em fera sem perder sua graça de ave; e que exale sempre
O impossível perfume; e destile sempre
O embriagante mel; e cante sempre o inaudível canto
Da sua combustão; e não deixe de ser nunca a eterna dançarina
Do efêmero; e em sua incalculável imperfeição
Constitua a coisa mais bela e mais perfeita de toda a criação inumerável.

Dom de Iludir - Caetano Veloso

Não me venha falar
Na malícia de toda mulher
Cada um sabe a dor
E a delícia
De ser o que é...

Não me olhe
Como se a polícia
Andasse atrás de mim
Cale a bôca
E não cale na bôca
Notícia ruim...

Você sabe explicar
Você sabe
Entender tudo bem
Você está
Você é
Você faz
Você quer
Você tem...

Você diz a verdade
A verdade é o seu dom
De iludir
Como pode querer
Que a mulher
Vá viver sem mentir...

Tempo - Adélia Prado

A mim que desde a infância venho vindo
como se o meu destino
fosse o exato destino de uma estrela
apelam incríveis coisas:
pintar as unhas, descobrir a nuca,
piscar os olhos, beber.
Tomo o nome de Deus num vão.
Descobri que a seu tempo
Vão me chorar e esquecer.
Vinte anos mais vinte é o que tenho,
mulher ocidental que se fosse homem
amaria chamar-se Eliud Jonathan.
Neste exato momento do dia vinte de julhode mil novecentos e setenta e seis,
o céu é bruma, está frio, estou feia,
acabo de receber um beijo pelo correio.
Quarenta anos: não quero faca nem queijo.Quero a fome.



Do livro - Poesia reunida

Não digam que isso passa - por Lya Luft

Não digam que isso passa,
não digam que a vida continua,
e que o tempo ajuda,
que afinal tenho filhos e amigos
e um trabalho a fazer.
Não me consolem dizendo que ele morreu cedo
Mas morreu bem ( que não quereria uma morte como essa?)

Não me digam que tenho livros a escrever
e viagens a realizar.
Não digam nada.

Vejo bem que o sol continua nascendo
nesta cidade de Porto Alegre
onde vim lamber minha ferida escancarada.

Mas não me consolem:
da minha dor, sei eu.

Revisitando Hannah Arendt por Márcia Denser



Certa vez Hannah Arendt escreveu que pensar é intrinsecamente uma atividade anti-social e subversiva, porque é um ato que ameaça todas as versões oficiais do direito e da ordem. Por isso, tanto nos sistemas totalitários quanto naquele em que prepondera o Pensamento Único, que impõem a “verdade única”, pensar livremente é crime. Mas como pensar, senão livremente? O pensamento elimina as ficções convenientes que mascaram as deformações de uma ordem social. Um dos feitos de Arendt é conseguir manter a filosofia fora do alcance dos interesses político-partidários, conferindo à sua obra um caráter aberto, muito distante de imposições dogmáticas.
Aliás, sobre autoridade, ela afirma: “Visto que a autoridade sempre exige obediência, normalmente ela é confundida com alguma forma de poder e violência. Contudo, a verdadeira autoridade exclui a utilização de meios externos de coerção, pois onde a força é usada, a autoridade como tal francassou.” Para ela, no domínio da política, onde o sigilo e o embuste deliberado sempre tiveram um papel importante, o auto-embuste (ou auto-engano) é o perigo por excelência, o impostor auto-enganado perde todo o contato não só com sua platéia, mas também com o mundo real, o que aumenta em muito sua periculosidade.”
A “introjeção” da ideologia dominante – a ponto do dominado fazer coincidir suas aspirações com as do dominador é o quê campeia na mídia. A exemplo, vocês leram no UOL, primeira página de 01/06, um artigo com o título “MST tucano”? Uma espécie de obra-prima em matéria de desinformação e vinculação da cartilha tucanodemolóide, sua“ideologia de segundo grau” cada vez mais perversa e burra. Confiram, que não vou citar – afinal, quem dá cartaz para trouxa é lavadeira.
Nesses tempos tão bicudos, tão estéreis, é um alívio revisitar o livre-pensar de Hanna Arendt, cujo tema foi a liberdade e sua tarefa a de iluminar e restaurar a importância do setor público, onde o diálogo permite a emergência da política como uma das grandes dimensões da dignidade humana. Digo isto a propósito da releitura de As origens do totalitarismo: imperialismo, a expansão do poder (Rio, Documentário, 1976), especificamente quando ela trata da emancipação política da burguesia e das ligações desta com o poder.
Segundo Hannah, o imperialismo surgiu quando a classe detentora da produção capitalista rejeitou as fronteiras nacionais como barreira à expansão econômica. A burguesia ingressou na política apenas por necessidade econômica: como não desejava abandonar o sistema capitalista, cuja lei básica é o constante crescimento econômico, a burguesia tinha que impor esta lei aos governos – para que a expansão se tornasse o objetivo final da política externa.
Em meados do século XIX (a partir de 1870), ocorre uma crise econômica em toda Europa devido à superprodução de capital, ao surgimento de dinheiro “supérfluo” causado pelo excesso de poupança, que já não podia ser produtivamente investido dentro das fronteiras nacionais. Pela primeira vez, o investimento de poderio não abria caminho ao investimento de dinheiro, mas a exportação do poder seguia os caminhos do dinheiro exportado, visto que investimentos incontrolados em países distantes ameaçavam transformar vastas camadas da sociedade em meros jogadores, mudar toda a economia capitalista de um sistema de produção para um sistema de especulação financeira, e substituir lucros de produção por lucros de comissão. A época foi marcada por falcatruas, escândalos financeiros e jogatina no mercado de ações!

Mas verificou-se que os acionistas ausentes não queriam correr os tremendos riscos relativos ao aumento de seus lucros, embora estes também fossem tremendos. Só a força material do Estado poderia protegê-los. Então ficou claro que a exportação de dinheiro implicava em exportação da força de governo. E muitos governos viram com apreensão crescente a tendência de fazer dos negócios uma questão política e de identificar os interesses econômicos de grupos com os interesses nacionais. Mas parecia que a única alternativa à exportação do poder era o sacrifício deliberado de grande parte da riqueza nacional. Só a expansão dos instrumentos nacionais de violência poderia racionalizar o movimento de investimentos no estrangeiro e reintegrar na economia da nação as desenfreadas especulações com o capital supérfluo, ou excedente, desviado para um jogo que tornava arriscadas as poupanças.

A primeira conseqüência da exportação do poder foi esta: os instrumentos de violência do Estado, ou seja, a polícia e o exército – que na estrutura da nação existiam ao lado das demais instituições nacionais e eram controlados por estas – foram dele separados e promovidos à posição de representantes nacionais em países fracos e não civilizados. Em regiões atrasadas, sem indústria e sem organização política, onde a violência campeava livremente, as “leis do capitalismo” tinham permissão de criar “novas realidades” (ou seja, pesadelos de ponta) . O segredo do sucesso estava precisamente no fato de terem sido eliminadas as leis econômicas para não barrarem o caminho à cobiça das classes proprietárias. O dinheiro enfim podia gerar dinheiro porque a força, em completo desrespeito às leis, econômicas e éticas, podia apoderar-se das riquezas.

somente o acúmulo ilimitado do poder podia levar ao acúmulo ilimitado do capital.

Não é profética a pertinência do pensamento de Hannah Arendt aqui e agora, agora e sempre?

Prelúdios-intensos para os desmemoriados do amor - Hilda Hilst

Toma-me. A tua boca de linho sobre a minha boca
Austera. Toma-me AGORA, ANTES
Antes que a carnadura se desfaça em sangue, antes
Da morte, amor, da minha morte, toma-me
Crava a tua mão, respira meu sopro, deglute
Em cadência minha escura agonia.

Tempo do corpo este tempo, da fome
Do de dentro. Corpo se conhecendo, lento,
Um sol de diamante alimentando o ventre,
O leite da tua carne, a minha
Fugidia.
E sobre nós este tempo futuro urdindo
Urdindo a grande teia. Sobre nós a vida
A vida se derramando. Cíclica. Escorrendo.

Te descobres vivo sob um jogo novo.
Te ordenas. E eu deliquescida: amor, amor,
Antes do muro, antes da terra, devo
Devo gritar a minha palavra, uma encantada
Ilharga
Na cálida textura de um rochedo. Devo gritar
Digo para mim mesma. Mas ao teu lado me estendo
Imensa. De púrpura. De prata. De delicadeza.

II

Tateio. A fronte. O braço. O ombro.
O fundo sortilégio da omoplata.
Matéria-menina a tua fronte e eu
Madurez, ausência nos teus claros
Guardados.

Ai, ai de mim. Enquanto caminhas
Em lúcida altivez, eu já sou o passado.
Esta fronte que é minha, prodigiosa
De núpcias e caminho
É tão diversa da tua fronte descuidada.

Tateio. E a um só tempo vivo
E vou morrendo. Entre terra e água
Meu existir anfíbio. Passeia
Sobre mim, amor, e colhe o que me resta:
Noturno girassol. Rama secreta.
(...)


[Júbilo memória noviciado da paixão (1974)]
[in Poesia: 1959-1979/ Hilda hilst. - São Paulo: Quíron; (Brasília): INL, 1980.]

maria Bonita por Raquel Silveira





A primeira mulher a participar de um grupo de cangaceiros. Assim foi Maria Gomes de Oliveira, conhecida como Maria Bonita. Nascida em 8 de março de 1911 (não por acaso o Dia Internacional da Mulher!!) numa pequena fazenda em Santa Brígida, Bahia e filha de pais humildes Maria Joaquina Conceição Oliveira e José Gomes de Oliveira, Maria Bonita casou-se muito jovem, aos 15 anos. Seu casamento desde o início foi muito conturbado. José Miguel da Silva, sapateiro e conhecido como Zé Neném vivia às turras com Maria. O casal não teve filhos. Zé era estéril.

A cada briga do casal, Maria Bonita refugiava-se na casa dos pais. E foi, justamente, numa dessas “fugas domésticas” que ela reencontrou Virgulino, o Lampião, em 1929. Ele e seu grupo estavam passando pela fazenda da família. Virgulino era antigo conhecido da família Oliveira. Esse trajeto era feito com freqüência por ele. Era uma espécie de parada obrigatória do cangaceiro.

Os pais de Maria Bonita gostavam muito do “Rei do Cangaço”. Ele era visto com respeito e admiração pelos fazendeiros, incluindo Maria. Sem querer a mãe da moça serviu de cupido entre ela e Lampião. Como? Contando ao rapaz a admiração da filha por ele. Dias depois, Lampião estava passando pela fazenda e viu Maria. Foi amor à primeira vista. Com um tipo físico bem brasileiro: baixinha, rechonchuda, olhos e cabelos castanhos Maria Bonita era considerada uma mulher interessante. A atração foi recíproca. A partir daí, começou uma grande história de companheirismo e (por que não!) amor.

Um ano depois de conhecer Maria, Lampião chamou a “mulher” para integrar o bando. Nesse momento, Maria Bonita entrou para a história. Ela foi a primeira mulher a fazer parte de um grupo do Cangaço. Depois dela, outras mulheres passaram a integrar os bandos.

Maria Bonita conviveu durante oito anos com Lampião. Teve uma filha, Expedita, e três abortos. Como seguidora do bando, Maria foi ferida apenas uma vez. No dia 28 de julho de 1938, durante um ataque ao bando um dos casais mais famosos do País foi brutalmente assassinado. Segundo depoimento dos médicos que fizeram a autópsia do casal, Maria Bonita foi degolada viva.

Impressões - por Ana Cecília S.Bastos



Perdi os meus escritos por um mês.
Perdi-me a mim mesma do escrever, há meses.

A poesia envia-me sinais,
raio de luz em sótão empoeirado,
imagem de vida em mundo cristalizado e imóvel.

Pergunto-me sobre o estranho ingrediente,
este que me paralisa,
seca as minhas palavras.

Perco a centelha, mesmo a de uma poesia de impressões
– como em Natal, o poema da areia, da luz, do recorte de mar que nos leva a Ponta Negra.
A aderência à areia. E era tudo.


Pés descalços na areia,
olhos fechados,
ao sol e ao vento, e a luz do sol, e a luz do mar,
a água, a água.
E vinham poemas, com a brisa.
Assim passavam, e eu só.

O silêncio nutre,
sem palavras.

Foto de MVítor.

Cordel : Lugar de Mulher - por Salete Maria - Colaboração de Nancy Sierra

Do ponto onde me encontro
Na janela dum sobrado
Daqui donde me defronto
Com meu presente e passado
Fico metendo a colher
Do ‘meu lugar de mulher’
Neste mundão desgarrado
Do meu ângulo obtuso
Num canto da camarinha
Afrouxo um parafuso
Liberto uma andorinha
Desmancho uma estrutura
Arranco uma fechadura
Desmonto uma ladainha
Reza a história do mundo
Que mulher tem seu lugar
É um discurso ‘corcundo’
E prenhe de bla-bla-blá
Eu que ando em toda parte
Divulgo através da arte
Outro modo de pensar:
Lugar de mulher é quarto
Sala, bodega e avião
Lugar de mulher é mato
Cidade, praia e sertão
Lugar de mulher é zona
Do Estado do Arizona
À Vitória de Santo Antão
Lugar de mulher é sauna
Capela, bonde, motel
Lugar de mulher é fauna
Terreiro, campus, quartel
Lugar de mulher é casa
Seja na Faixa de Gaza
Ou no Morro do Borel
Lugar de mulher é cama
Seresta, parque, novena
Lugar de mulher é lama
Escola, laje, cinema
Lugar de mulher é ninho
Dos becos do Pelourinho
Às águas de Ipanema
Lugar de mulher é roça
Riacho, circo, cozinha
Lugar de mulher é bossa
Reisado, feira, lapinha
Lugar de mulher é chão
Das ruelas do Sudão
Às veredas da Serrinha
Lugar de mulher é mangue
Deserto, vila, mansão
Lugar de mulher é gangue
Novela, birô, oitão
Lugar de mulher é mar
Das praias do Canadá
Ao céu do Cazaquistão
Lugar de mulher é ponte
Trincheira, jardim, salão
Lugar de mulher é fonte
Indústria, baile, fogão
Lugar de mulher é mina
Do solo de Teresina
Ao Morro do Alemão
Lugar de mulher é barro
Palco, metrô e altar
Lugar de mulher é carro
Camarote, rede, bar
Lugar de mulher é trem
Dos caminhos de Belém
À serra do Quicuncá
Lugar de mulher é show
Favela, brejo e poder
Lugar de mulher é gol
Ringue, desfile e lazer
Lugar de mulher é creche
Das bandas de Marrakech
Às vilas do ABC
Lugar de mulher é serra
Obra, beco e parlamento
Lugar de mulher é guerra
Missa, teatro e convento
Lugar de mulher é pia
Das tendas de Andaluzia
À Santana do Livramento

Lugar de mulher é tudo
Por onde possa passar
Seja pequeno ou graúdo
Seja daqui ou de lá
Lugar de mulher é Terra
Mas não onde o gato enterra
O que precisa ocultar
Lugar de mulher é dentro
Mas também pode ser fora
Lugar de mulher é centro
Que a margem não ignora
Lugar de mulher é leste
Norte, sul, também oeste
De noite, tarde e aurora
De minha perspectiva
Mulher não tem ‘um lugar'
Onde quer que sobreviva
Pode ser seu habitat
Lugares existem zil
Eu mesma sou do Brasil
E vivo no Ceará!

Mulher... Cá com seus botões ! - por Socorro Moreira


Não adianta escolher com o olhar


Alguém escolhe por nós, apronta,


e faz o encontro ...


Depois brinca nos deixando confundidos


Achando que o amor chegou


por poucos ou por muitos dias.


Enquanto nada sabemos do outro


tudo que dele pensamos,


nos encanta !


Depois que sabemos do outro,


uma mínima pequena parte


nos deixa inconfiante ou ,


aflitas ou nostálgicas.


Aí o amor tolerância ganha cadeira cativa,


até a exaustão ...


Que pode até ter fórum no infinito.


Mulher é complicada,


nem sempre sabe o que quer,


e se sabe, transmite a mensagem errada


Mulher sincera demais


perde o mistério,


e corre o risco de ser substituída,


antes da própria desistência ,


antes de provar a própria resistência


Não é o teu vestido,


nem a cor do teu cabelo,


que prende os olhos do amado


É o timbre da tua fala,


a textura da tua pele , e das tuas garras.


Mulher frágil tem sempre


um homem forte do seu lado


Mulher forte... Existe ?


Diz que tanto faz,


que aguenta a barra,


que não cobra, nem vai atrás...


mas incomoda búzios e tarôs


Reza pra Santo Antonio,


e aceita o descartável,


desde que venha com ares de apaixonado.


Eu esqueço as horas,


no ato de adivinhar,


se ele às vezes,


pensa em mim...


Ora, ora...


Se pensa nunca dirá...


Ele não tem cabeça, nem corpo...


Tem apenas uma alma ,


encontrada,


num canto de algum dos céus...


Na ponta de alguma estrela,


no aconchego de alguma concha,


perdida no fundo do mar.

♥ Amar ♥ - Carlos Drummond de Andrade


♥Amar ♥

Que pode uma criatura senão,
entre criaturas, amar?
amar e esquecer,
amar e malamar,
amar, desamar, amar?
Sempre, e até de olhos vidrados, amar?

Que pode, pergunto, o ser amoroso,
sozinho, em rotação universal, senão
rodar também, e amar?
amar o que o mar trás a praia
o que ele sepulta, e o que, na brisa marinha,
é sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia?

Amar solenemente as palmas do deserto,
o que é entrega ou adoração expectante,
e amar o inóspito, o cru,
um vaso sem flor, um chão de ferro,
e o peito inerte, e a rua vista em sonho, e uma ave de rapina.

Este o nosso destino: amar sem conta,
distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas,
doação ilimitada a uma eterna ingratidão,
e na concha vazia do amor a procura medrosa,
paciente, de mais e mais amor.

Amar a nossa falta de amor, e na secura nossa
amar a água implícita, e o beijo tácito, e a sede infinita

Carlos Drumond de Andrade

Poema Mulher…




Um Poema tem de ser forte,
Delicado, sensível, apaixonante,
Intenso, penetrante.
Quando se lê,
Deve fazer vibrar.
Ter simplicidade para ser belo.
Ser Suave e flexível,
Para não quebrar.
Para alguns é impenetrável,
Para outros,
Aberto, transparente, claro…
Lúcido e sensual.
Para mim…
É mais que tudo isto,
É Especial…
É Mulher.


a.f.m.v.

aventuradover.fotosblogue.com/27792/Poema-Mulher/

A sogra – Por Carlos Eduardo Esmeraldo

Jamais vi uma figura humana tão criticada e ridicularizada quanto a sogra. Há um número inesgotável de piadas que atestam essa afirmação. E existem até músicas, também. Lembro que quando eu era criança, ouvia Jorge Veiga cantar um samba, em cuja letra o interprete comunicava surpreso à sua mulher a chegada da sogra ao portão de sua casa, provavelmente decidida a vir morar com eles, mesmo que fosse no porão. Previa que com a chegada dela, a vida passaria a ser um verdadeiro inferno, com sururus com os vizinhos e muitas brigas. E avisava: “É minha sogra, mas tenha paciência, não há quem possa com essa jararaca. Meu sogro foi de maca pra assistência, com o corpo todo retalhado à faca.” E encerrava a canção afirmando ser um genro diferente, que não tinha medo da cara feia da sogra e seria capaz de descarregar sua pistola para fazê-la descansar e ele ir parar na cadeia.

É bem verdade que existem algumas sogras que são más. Eu mesmo conheci uma, mãe de filho único, marido de uma amiga, que fez tudo para separar o casal. Mas não conseguiu, pois não existem barreiras que o amor não possa superar.

Quando casamos, formamos alguns vínculos de parentesco por afinidade, alguns dos quais, segundo o nosso Código Civil, não se extinguem com a dissolução do matrimônio, seja por morte de um dos cônjuges ou separação. A sogra é um desses vínculos que permanecem para sempre. Portanto não existe ex-sogro ou ex-sogra.

Certa vez, eu ouvi pela rádio, um comentário do ex-senador e advogado Cid Carvalho condenando a ação da Igreja Católica, que casou um homem com a mãe da sua falecida mulher, a própria sogra. Ele explicou que perante a lei, a sogra está no mesmo patamar de mãe. E ninguém possui uma ex-mãe. Mas para o código canônico a interpretação não é a mesma do direito civil. Para os que professam a fé católica, o casamento é indissolúvel, extinguindo-se o vínculo matrimonial somente com a morte. Então, fica aqui um aviso destinado àqueles que se separaram. O pai e a mãe do ex-cônjuge continuam sendo sogro e sogra. E se por ventura voltarem a contrair novo matrimônio, ou mesmo viver uma união estável, passarão a ter dois sogros e duas sogras, desde que todos estejam vivos.

A minha sogra é uma criatura maravilhosa, pela qual tenho um nível de afeto semelhante ao que eu tinha pela minha falecida mãe. Sempre tivemos um relacionamento harmonioso de mútuo respeito. Para ela eu sou mais um filho e foi assim que eu sempre me senti, desde o primeiro dia em que eu e Magali iniciamos nosso namoro. Isto ocorreu na inesquecível noite de 19 de janeiro de 1969, um final de domingo.

Quando acompanhei Magali até o portão de sua casa, a mãe dela ao nos ver, perguntou a um dos filhos: “Quem é esse namorado que a Magali arranjou?” Ela havia me conhecido quando eu era criança, pois meu dentista era seu marido. Ao saber de quem se tratava, não agiu como fizera com outros candidatos a namorado de Magali, dizendo que não queria que ela namorasse e encerrasse o namoro o quanto antes. Ao contrário disso, ela nos abençoou.

No sábado seguinte, eu fui à casa de Magali para sairmos e ir passear pela Praça Siqueira Campos. Mas começou a chover e minha futura sogra nos convidou a entrar. A partir desse dia passei a ser sempre bem recebido em sua casa.

Como mãe cuidadosa, minha futura sogra vigiava a filha de perto e até nos surpreendia levando um cafezinho até a varanda onde namorávamos. Às vezes nos flagrava num beijo, motivo suficiente para repreender a filha, após minha saída. Acredito que aquela gentileza era uma entre tantas maneiras que ela encontrava para vigiar nosso comportamento.

Depois de formado, minha sogra vibrou com os empregos que eu conseguia, ficou triste quando tive de ir trabalhar no Pará, sofreu quando fiquei sem emprego. Nessa oportunidade se articulava com parentes e amigos à procura de novo emprego.

Era uma verdadeira mãe, lutadora e dedicada como sempre foi com todos os seus filhos. O que mais me impressionava em minha querida sogra eram o seu otimismo e a confiança no futuro. Como se casara aos dezoito anos, teve de interromper os estudos, somente tendo continuado após os filhos se tornarem adultos e, ao completar cinqüenta anos ela concluiu o curso normal. Por essa época, resolveu também aprender a dirigir e se submeteu ao exame do DETRAN para obtenção da licença de habilitação, tendo sido aprovada, apesar da desconfiança do marido de que ela não estivesse devidamente preparada.

Após nosso casamento, a minha sogra acompanhava com alegria e zelo de verdadeira mãe todos os nossos passos. Tivemos a felicidade de lhe dar o primeiro neto. E ela orientou a filha nos cuidados iniciais com o recém nascido com todo carinho. Sempre demonstrou ser muito feliz e carinhosa com todos os seus netos.

Atualmente ela já não é mais a dona da sua vontade, pois se encontra enferma e há vários meses presa a um leito.

Eu gostava muito de cantar para ela uma musiquinha que tocava nas rádios do Rio de Janeiro ai pelos idos de 1960 e que jamais esqueci: “Eu gosto da minha sogra, pode falar quem quiser, é minha segunda mãe, é a mãe da minha mulher. Ela trata seus netinhos com carinho e devoção. É um anjo de bondade, mora no meu coração. Quem condena sua sogra por um motivo qualquer, esquece que a mãe dele é sogra da sua mulher. Neste samba eu exalto num elogio profundo e dedico com carinho a todas as sogras do mundo.” Então, naquela época, eu ainda um adolescente, sentia nessa música o modelo de sogra que desejaria ter no futuro. E ganhei de presente não somente uma boa sogra, mas sua incomparável filha como companheira por essas estradas da vida, numa prova de que filha de peixe, peixinho é.

Por Carlos Eduardo Esmeraldo




Pensamento para o Dia 08/03/2010



“As pessoas acreditam no Divino conforme seu estágio de progresso interior e sua maturidade. Alguns adoram Rama e Krishna em Ayodhya ou Mathura como a manifestação absoluta da Divindade (Poornam). Não é de todo errado fazê-lo. Apenas não se deve proclamar que somente sua convicção é verdadeira, que as formas aceitas são os únicos nomes e formas do Divino, e que todos os outros nomes e formas são inúteis e inferiores. ‘Poornam’ significa que o Senhor é Universal. É preciso estar sempre consciente disso e adquirir a visão de que todas as formas de Deus são igualmente válidas e verdadeiras.”
Sathya Sai Baba

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“O objetivo verdadeiro da existência de alguém deveria ser a renúncia ao desejo. Renunciar ao desejo implica em abdicar de luxúria, ira, ganância, ódio etc. A presença de desejo implica na presença de luxúria, ira, ganância etc. Esses outros sentimentos e emoções são suas reações naturais resultantes. Juntas, essas emoções são verdadeiramente os portões do inferno. A inveja é a fechadura e o orgulho é a chave para a porta de entrada para o inferno. Destranque e abra a fechadura – você certamente pode entrar! Desse modo, a renúncia essencial deve ser a do desejo!”
Sathya Sai Baba
Nas dimensões em que vivemos
- Claude Bloc -




Vivo a procura. Seguem-me teus passos e tuas fugas. Vivo como sombra, aflita, insegura.
Às vezes sou calada, silenciosa, outras vezes sou um simples esboço disperso, uma letra entre palavras, uma frase desfeita, feita de nada(s).

Então sigo. Persigo o tempo. Enquanto pareço um anjo viajante à deriva, navegando por textos transparentes. O mundo, levo no peito, na profundeza do silêncio, contido nas letras que escrevo e onde a saudade estanca. Fico retida nesse instante, no porto onde a ausência é eternidade.

E é nessas horas que bebo de ti as gotas da inspiração. É quando te colho no peito como uma própria invenção de minha alma, como uma metáfora, como consolo e refúgio para meu desamparo. E só então matas-me a sede com teu sopro de vento e me afagas com teu sentimento. Renasço a cada frase tua e em cada sonho que te faço (re)viver... e morro, a cada silêncio, na escura noite de agonia, por saber que és apenas, no momento exato em que escrevo, essas letras que intuo em escrever.

À noite, vagueio pelos textos que crio para ti, como se me lesses e em cada olhar me interpretasses na íntegra, palavra a palavra, como se fosses real. Então te encontro e nos cruzamos nas dimensões em que vivemos. E assim, deixamo-nos ficar, a olhar o espaço azul, cheio daquilo que sonhamos.

E por tanto esperarmos pelo tempo acabamos adormecendo sobre o livro em branco, onde a vida passeia indiferente, onde, quem sabe, o amanhecer possa me trazer as palavras que devo te escrever.


Claude Bloc

"F... Comme Femme" - Salvatore Adamo

Aviso da Lua Que Menstrua - Elisa Lucinda


Moço, cuidado com ela!
Há que se ter cautela com esta gente que menstrua...
Imagine uma cachoeira às avessas:
cada ato que faz, o corpo confessa.
*
Cuidado, moço
às vezes parece erva, parece hera
cuidado com essa gente que gera
essa gente que se metamorfoseia
metade legível, metade sereia
*
Barriga cresce, explode humanidades
e ainda volta pro lugar que é o mesmo lugar
mas é outro lugar, aí é que está:
cada palavra dita, antes de dizer, homem, reflita...
*
Sua boca maldita não sabe
que cada palavra é ingrediente
que vai cair no mesmo planeta panela.
*
Cuidado com cada letra que manda pra ela!
Tá acostumada a viver por dentro,
transforma fato em elemento
a tudo refoga, ferve, frita
ainda sangra tudo no próximo mês.
*
Cuidado moço,
quando cê pensa que escapou
é que chegou a sua vez!
Porque sou muito sua amiga
é que tô falando na "vera"
conheço cada uma, além de ser uma delas.
*
Você que saiu da fresta dela
delicada força quando voltar a ela.
*
Não vá sem ser convidado
ou sem os devidos cortejos...
Às vezes pela ponte de um beijo
já se alcança a "cidade secreta"
a Atlântida perdida.
*
Outras vezes várias metidas
e mais se afasta dela.
*
Cuidado, moço,
por você ter uma cobra entre as pernas
cai na condição de ser displicente
diante da própria serpente.
*
Ela é uma cobra de avental.
Não despreze a meditação doméstica.
*
É da poeira do cotidiano
que a mulher extrai filosofia cozinhando,
costurando e você chega com a mão no bolso
julgando a arte do almoço:
Eca!...
*
Você que não sabe onde está sua cueca?
*
Ah, meu cão desejado
tão preocupado em rosnar, ladrar e latir
então esquece de morder devagar
esquece de saber curtir, dividir.
*
E aí quando quer agredir
chama de vaca e galinha.
São duas dignas vizinhas
do mundo daqui!
*
O que você tem pra falar de vaca?
*
O que você tem eu vou dizer e não se queixe:
VACA é sua mãe. De leite.
*
Vaca e galinha...ora, não ofende.
Enaltece, elogia:
comparando rainha
com rainha óvulo,
ovo e leite pensando que está agredindo
que tá falando palavrão imundo.
*
Tá, não, homem.
Tá citando o princípio do mundo!
*
( Elisa Lucinda )

Entrevista com Adélia Prado

(Para Socorro ouvir)


Adélia Prado - um poema declamado