Criadores & Criaturas



"Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intata.
"

(Carlos Drummond de Andrade)

ENVIE SUA FOTO E COLABORE COM O CARIRICATURAS



... Por do Sol em Serra Verde ...
Colaboração:Claude Bloc


FOTO DA SEMANA - CARIRICATURAS

Para participar, envie suas fotos para o e-mail:. e.
.....................
claude_bloc@hotmail.com

quarta-feira, 30 de junho de 2010

Festa do Cariricaturas - Faltam 23 dias !

Programação

22.07- encontro de escritores - Fim de tarde no " pau d'arco"- entrega da quota de livros devida .

23.07- Festa no Crato Tênis Clube a partir da 20 h:
-Lançamento do livro "Cariricaturas em prosa e verso"
-Coquetel
-Baile ( 4 h dançantes com Hugo Linard e banda)

Mesas à venda por 40,00( 4 ingressos, com direito a um exemplar do livro)
Efetivem as suas reservas pelo e-mail:
sauska_8@hotmail.com ou pelos telefones :88- 35232867/
88089685 ( Socorro Moreira)

24.07- Almoço literário , no restaurante "4 Estações"-
preço por pessoa : 12,00( almoço, sobremesa , suco ou refrigerante)

Caros colaboradores e leitores, ajudem-nos a divulgar este evento !



Claude,Edilma,Socorro e Emerson( comissão organizadora)

O novo filme de Silvio Tendler - por José do Vale Pinheiro Feitosa























Tereza, José do Vale, Silvio Tendler

Meu primeiro contato com Silvio Tendler foi com sua obra: o filme “Jango” de 1984. Ainda estávamos na luta contra a ditadura militar e o filme de repente nos pôs em contato com aquela história que os militares tinham reprimido com o mito do “subversivo”. Lá, tomado de surpresa, vi o meu amigo Alberto Teles bem na frente de uma manifestação dos sargentos da marinha rebelados no Clube dos Fuzileiros Navais. Naquele filme ouvi uma das músicas mais belas dos anos 80, de Vagner Tiso: Coração de Estudante (e que passou adiante, com uso exaustivo da televisão, no enterro de Tancredo Neves).”


TRAILER DO FILME UTOPIA E BARBÁRIE

Somos aquilo que nos lembramos. Mas, além disso, eu costumo acrescentar que também somos aquilo que resolvemos esquecer (Ivan Izquierdo).

A memória é um espaço de luta política (Martim Almada).

Com muito sangue, com muitas lágrimas, aprendemos que o tempo da história não é o nosso tempo (Eduardo Galeano).

Cada um é a sua história, real e a imaginária (Ferreira Gullar).

A história é nossa e é feita pelos povos (Pablo Neruda).

Na revolução tudo tem que ser feito pelo povo (General Giap).

Se é o melhor para o povo, por que não agora, por que não já (Brizola no Comício das Diretas Já).

Eu acho que o verdadeiro cidadão não é aquele que vive em sociedade, mas é aquele que transforma a sociedade (Augusto Boal).

UM FILME DE MEMÓRIAS QUE TORNAM A HISTÓRIA VIVA E PRESENTE

Silvio Tendler, classificado no mundo do cinema como documentarista, tem a dimensão exata que todo historiador deveria ter. Nascido no ano de 1950 foi tudo o que o século XX criou em mudança e progresso. Na metade que o antecedeu, definiu-se o lastro do que veio a ser a sua vida. Da geração de 68, foi para o Chile, estudou cinema na França e fez dois filmes sobre os derrotados pela ditadura (Anos Jk e Jango) ainda na vigência dela, obtendo enorme bilheteria.”

O destino não está nas linhas das mãos, está nos desafios que enfrentamos (Eduardo Galeano).

O progresso é tudo aquilo que diminui o poder de um homem sobre outro homem (Gillo Pontecorvo).

Sob nenhuma condição participamos de guerras que tiram vidas de outros humanos (Mohamed Ali – Cassius Clay).

Não se deve confiar no imperialismo nem um tantinho assim (Che Guevara).

Bárbaros! As idéias não se matam.

SOBRE SONHOS QUE MOVERAM UMA GERAÇÃO. SONHOS DE GLÓRIAS E LIBERDADE.

Conheci Silvio Tendler na casa de um dos grandes personagens da política brasileira até 1965. Wilson Fadul, ministro da Saúde de Jango, Deputado Federal, líder do governo e quem acompanhou Jango até o exílio, sendo preso no retorno do Uruguai e depois cassado no AI 1. Fadul foi um dos fundadores da editora Paz e Terra, responsável por cadernos de divulgação do pensamento fundamental do século XX e um dos maiores intelectuais com a visão da práxis política com quem convivi. Nesta mesma noite tive a nítida prova que o Silvio era da mesma dimensão.”

Podemos dizer que a idéia de mudar o mundo era uma utopia, mas eu digo que era, antes de tudo, uma esperança (Bruno Muel).

Enquanto houver desesperados, nós tempos direito a construir a esperança (Leandro Konder).

O que é a utopia que se desejava fazer? (Dilma Roussef).

O direito de sonhar (Eduardo Galeano)

UTOPIAS BARBÁRIES UTOPIAS BARBÁRIES

Nós temos sempre que ter esperança. Temos sempre vontade de mudar (Apolônio de Carvalho)

UM FILME DE SILVIO TENDLER PARA SEMPRE EM NOSSAS VIDAS.

Todo brasileiro deveria, pelo menos uma vez na vida, ver toda a filmografia de Silvio Tendler.”

lá longe uma folha seca

Tudo que toca a alma
não tem peso.

Logo evapora.

Belo é o que cerca
e não funde.

Aproxima-se sem braços
e sem palavras.

Não sabemos ao certo
se viver é tão contagiante
quanto esta doçura.

Lampejos de futebol brasileiro - Por José de Arimatéa dos Santos

Ultimamente o selecionado brasileiro tem apresentado um futebol burocrático e sonolento. Quando afirmo isso é baseado nas apresentações do time canarinho desde a Copa da Itália em 1990. Apartir daquela Copa do Mundo o futebol da seleção mudou. Passou a praticar um futebol de resultados e de pouco brilho. Salvo ainda pela individualidade do jogador brasileiro que é insuperável. Ainda bem.
Não deixa de ser interessante do ponto de vista das conquistas. Passou-se 24 anos para o Brasil recuperar a hegemonia do futebol mundial com a conquista da Copa dos EUA, em 1994. E logo depois ganha a Copa Coreia/Japão, 2002. Mas para quem se acostumou a ver espetáculo, fica aquela coisa do quero mais e de placares elásticos. Do grande futebol brasileiro e de sua seleção mundialmente conhecida como "a seleção".
Mesmo assim a seleção brasileira de futebol é respeitada e sempre candidata ao título de qualquer competição seja no juvenil ou profissional. O futebol brasileiro é uma eterna fábrica de grandes jogadores. Ainda hoje é possível formar três seleções brasileiras brincando. Sei que os tempos são outros, mas assim mesmo vemos lampejos do grande futebol brasileiro na seleção do técnico Dunga.
Acredito na seleção brasileira e vejo uma evolução nesse modelo de futebol que o Brasil joga hoje. A seleção canarinha tem todas as condições de ir em frente e conquistar mais uma estrela para a camisa mais respeitada, admirada e campeã de todos os tempos. O brasileiro merece toda essa alegria que só a seleção brasileira nos proporciona. Orgulho de todos nós brasileiros.

Geraldo Junior - Mais Tarde, Mais Forte.avi

Combinação

Na minha fronte uma veia
arregaça as mangas.

Se contorce debaixo do meu chinelão
uma formiga vermelha.

Bem unidos
por opção poética

meu aneurisma
e a morte do inseto.

Não vejo diferença
entre a envergadura
desta veia que me percorre a testa
e a luta constante da formiga enlouquecida.

A formiga luta contra
a borracha do chinelão.

A veia do suposto aneurisma
dilata-se oculto dentro do cérebro.

No instante em que apago
a luz do quarto:

salva-se a formiga
por apatia do verdugo

recolhe-se o vaso sanguíneo
para tarde da noite.

A Casa da Filha - por Rejane Gonçalves




Um, mais um, depois outro, se não resolvesse, um outro; devia ser mesmo da inteira responsabilidade do vento e do frio a natureza do pedido. Cobririam, pois, os ombros da mãe e a levariam dali, duplicada pelo suéter, o xale, o casaco da amiga, o paletó do filho mais novo, por último os braços do filho mais velho.
Presa na carapaça, a tartaruga conseguiu erguer a cabeça, virá-la para trás e apertando os olhos procurou um melhor enquadramento da imagem, o lugar mostrou-se nítido, fixou-se como se não quisesse desaparecer nunca, depois o carro foi se afastando e o lugar não quis vir, distanciou-se, corria na direção oposta, numa velocidade bem maior, deveria ter desaparecido ao mesmo tempo em que o carro, desapareceu primeiro, sumiu numa elevação súbita da estrada. Presa nos agasalhos, a mãe desvirou a cabeça, os olhos miúdos da velha tartaruga olharam para frente.
Queria tanto ficar, só por essa noite, se eles permitissem. Lucinda também haveria de querer, quando muito em troca dos favores, a melhor amiga, bem dizer uma irmã, lhe devia favores, favores que dinheiro nenhum pagaria. Lucinda haveria de ficar agradecida, de que outra forma teria condição de pagar a dívida àquela mulher sepultada pelos casacos? Queria tanto não ter ido embora, pedira e fizeram de tudo para não ouvir; pedia insistentemente e ouviu que não seria possível, pediu que deixassem, de qualquer jeito, por mais um tempo, deixassem, era só por aquela noite, se temiam que ela ficasse sozinha, bastava chamar Lucinda que é da inteira confiança de todos, já conversara com ela, não dissera sim, nem se negara, bastaria insistir um pouco e a grande amiga que lhe devia o teto, a acolhida, a sobrevivência e, mais para diante, o pagamento de uma prestação atrasada da escola do neto, a roupa emprestada para a formatura da filha, até mesmo o dinheiro para algumas feiras – haveria de concordar. Nunca foi de fazer cobranças a ninguém, de nada; era de falar mal, zangar-se, sempre fora de falar muito mal dessas pessoas que prestavam favores e na hora da necessidade cobravam, dizia que elas não mereciam perdão.
Lucinda chegara no meio da noite e batera à porta da casa, de sua casa, não desta, daquela que ficava na rua principal, tinha escadaria, azulejos portugueses, quatro janelões que passavam o dia inteiro abertos, as cortinas levantando voo, telhado que se projetava para a calçada, amenizando a chuva e o sol. Todos muito pequenos, não devem mesmo ter guardado o acontecido, ela sim, vez por outra, contava a história da amiga, não para se vangloriar, para que servisse de exemplo; será que eles se esqueceram mesmo, não, tinha certeza, todos ainda jovens, é assim que se fala, a maioria na meia-idade, é certo, hoje em dia também se dizem jovens os de meia-idade, fulaninho morreu tão jovem e quando ela perguntava quantos anos tinha o tal fulaninho, cinquenta, até sessenta já ouvira; então, todos continuam jovens, não seria caso de esquecimento, a memória não está falhando, a dela estava e ela não se esquecia. Há menos de uma semana repetira para uma das netas que reclamava da vida, que nenhuma pessoa da família, nenhum deles, sabia direito o que era dificuldade, Lucinda, sim, esta sabia de sobra, quer maior sofrimento do que bater na porta dos outros de madrugada, com cinco crianças e outra na barriga, fugindo das gentes que dera cabo de seu marido e estava atrás dela, única testemunha, sabe o que é deixar casa, anos de trabalho e economias, fugir só com a roupa do corpo e pedir abrigo na casa da amiga de infância que tivera mais sorte que ela, casara com um homem rico, sim, porque na época teu avô tinha muito dinheiro, depois é que a riqueza foi minguando e quase ficamos tão pobres quanto Lucinda, mas os filhos estudaram, os meus e os dela, a riqueza não voltou, a pobreza também não, vivemos bem, nós, um tanto mais que ela, de que reclamava a neta? Tinha certeza de que Lucinda não se negaria, nem pôde falar com a amiga mais uma vez, não lhe deram tempo.
Teve o cuidado de seguir todos os conselhos que escutava sobre como encorpar uma criança, engordar a cria. Fez com que a filha tomasse o leite mais forte, misturado às massas mais nutritivas, engolisse os chás e provasse o amargor de todas as ervas consideradas milagreiras, só passou a responsabilidade para Deus depois que uma dessas receitas, ouvidas no converseiro das comadres, engordou de tal maneira o rosto de Maria das Graças que ela precisou ser internada às pressas, escapando por pouco de uma asfixia. Era o jeito aceitar a magrém da menina, a única solução, acostumar-se com o fio sem prumo que se metia em todos os esconderijos nas brincadeiras de esconde-esconde; saber que no lugar onde nenhum filho, de quem quer que fosse, caberia, ela, Alinha, como passou a ser chamada, caberia sem nenhum esforço. Talvez a folga fosse mesmo uma redoma a proteger Maria das Graças dos tombos, encontrões, ferimentos; tudo e todos existiam a uma distância respeitosa de sua pequena, feito se tivessem medo de quebrá-la, chegou a pensar nisso, depois viu que não, era a folga, o espaço não preenchido continuava ali, esperando o tempo em que o corpo de Alinha se decidisse.
Soube que viriam os amigos da filha, iam chegar, uma parte já havia chegado, outra estava a caminho, logo todos estariam presentes. Desejou que a outra parte se demorasse, ou se perdesse; enquanto esperam, mais tempo ficaria do lado da filha, cuidando para que não fosse violado o espaço vazio, a folga haveria de ser respeitada. É certo que a caixa de madeira, onde colocaram Maria das Graças, ajustava-se perfeitamente ao corpo da moça, um vestido de corte estreito a contorná-la da cabeça aos pés. Alinha sempre gostara de roupas largas, era um desrespeito.
A boneca com trajes típicos da Holanda, touca de organdi bem armada, tamancos pontudos e coloridos, ao recebê-la, a filha rasgou o papel de presente, colocou a caixa na vertical, depois a emborcou, virava de um lado para o outro, deixando até que ficasse de ponta-cabeça e a boneca de louça mal se mexia, os olhos azuis abriam e fechavam, dependendo da posição da caixa, as tranças louras dobravam-se em arcos sobre a cabeça, ou estiravam-se, ou vagavam para lá e para cá, um papel transparente, envolto na caixa vazada, exibia a boneca ao mundo e alguma presilha a mantinha fixa ao interior da caixa. Pensou que se fizesse o mesmo com Alinha, se ela ficaria presa, imantada ao corpo da caixa, ou cairia no chão, cheia de flores, emaranhada na transparência do tule branco que permitia a todo mundo olhar para Maria das Graças, quantas vezes quisesse; não, a boneca de louça viera numa caixa de papelão dourado, com tampa, fora um presente dado a ela, à mãe, não à filha, foi só retirar a tampa e pegar a boneca nos braços e depois fazê-la adormecer e guardar. Naquela noite, em cima do guarda-roupa onde poderia olhar para a caixa fechada e ver que ela não se movia, igual ainda estivesse na prateleira da loja, fez desse jeito na primeira noite porque tinha certeza de que a boneca precisava que ela a olhasse, vigiasse, estivesse acordada, velando o sono da criatura de louça; não era bom dormir sozinha na casa nova logo numa primeira noite, seria mais confortável para a boneca que dormisse assim, dentro da caixa, mas sabendo que a mãe, do lado de fora, não se descuidaria, pelo menos enquanto fosse nova a casa.
Era de madeira a caixa onde fora guardada a filha. Feita do mesmo material, a tampa permanecia à espera, escorada na parede, pacientemente, perpétua, um objeto deixado por engano no vazio daquelas paredes brancas, mas que de algum modo adequara-se ao ambiente, ficara à vontade, natural, integrado, sem esforço aparente, à decoração. Talvez já estivesse ali há muito tempo, ela e seu Cristo de bronze – crucificado na parte de cima, disposto de maneira a se estender sobre o peito de Maria das Graças – antes mesmo que o branco do quarto existisse. Não uma, nem duas vezes, várias, olhou para a tampa de madeira clara, quase bege e viu a filha como que reclinada, os pés bem apoiados no chão, um pouco afastados da parede, as pernas escondidas pela saia longa, uma mão conduzindo o cigarro à boca, a outra, nervosa, varrendo do corpo as últimas pétalas, livrando-se de vez do tule; não tinha mesmo necessidade, nem gostaria da transparência daquele pano, do acanhamento das florzinhas mal bordadas a enfear o contorno do véu; gostava dos véus baços, a filha, das volutas de fumaça que a encobriam. Esquecera-se, esquecera-se completamente, se a embalagem era tão parecida com a da pequena holandesa, podia retirar da caixa e voltar a colocar Maria das Graças dentro da caixa, sem que ninguém percebesse, igual fazia com a boneca de tranças louras.
O filho veio lhe dizer que teriam de fechar a caixa, a administração do lugar tinha limites, estava escurecendo, não fora possível convencê-los a esperar um pouco mais pelos atrasados, fizera de tudo; ela mesma não via que já escureceu, é de noite? Pegou as mãos dele, embrulhou-as nas suas, beijou-as várias vezes, misturadas às contas do terço que enroscara nos dedos e intercedeu pelos amigos de Alinha, disse que a filha não haveria de gostar que a família não tivesse esperado, e como iriam escapar da raiva daquela amiga, bem dizer uma irmã, a mesma que vez por outra falava umas verdades para Maria das Graças? Essa amiga estava entre os atrasados, além disso, a casa onde a filha passaria a morar, onde dormiria pelo resto da vida, encontrava-se tão perto dali, uns poucos passos e todos já estariam lá, que não se apressasse, por que tanta pressa se era noite de lua? Soltou as mãos do filho, deu-lhe as costas, envergonhada dos próprios pensamentos. Desejou que aqueles amigos não chegassem nunca, se perdessem pelas estradas, errassem a entrada da cidade, se extraviassem de vez por suas ruas e becos. A tampa continuaria encostada na parede e a boneca de rosto fino, pele esverdeada, nariz afilado, cabelos curtos e pretos, olhos cerrados, lábios entreabertos e roxos, continuaria eternamente à mostra.
Dizem que é para ela descansar. Não estava cansada. Dormir. Não tinha sono. Apenas uma grande preocupação. O que seria de Alinha, morando numa casa tão pequena, ela, a quem o espaço sempre reverenciara. Precisava, pelo menos até que a filha se acostumasse, estar plantada na frente daquela casa plana, rente ao chão, cuja porta não era uma porta; aqueles blocos de cimento colados uns nos outros e recobertos por uma camada de pequenas pedras brancas, desoladas, avessas a qualquer esperança de cor, nem de longe se assemelhavam à tampa de papelão dourado. Correra a vista para um lado e outro, paisagem árida, campo descolorido, casas todas iguais. Vê um sorriso chegando, expulsa-o como se esconjurasse uma assombração, dali em diante essas visitas seriam inoportunas, meu Deus, ela indigna-se, pede para que Ele lhe afaste dos pensamentos essa lembrança atrevida, não queria ouvir a voz do filho mais novo de Lucinda, o Senhor haveria de saber de quem se tratava, daquele, do que recebera o nome de José Maria, justo em homenagem a ela mesma e ao marido, pela acolhida na hora da precisão. O rapaz falava de um jeito tão engraçado da vila popular, do conjunto habitacional onde morava, dizia que se o morador da esquina vendesse a carcaça do carro amarelo que desde sempre vivia encostada no muro baixo, na parte de dentro, quase arranhando a frente da casa, ele, Zé Maria, quando saísse para comprar o pão era bem capaz de se perder, nunca mais que iria achar a entrada da rua de sua própria casa. Ela não corre esse risco, a casa da filha tem uma placa com nome e sobrenome, duas datas, com dia, mês e ano; a rua, faltava a rua, talvez devesse ter marcado a rua. As casas existem nas ruas, o afilhado tinha razão.
De madrugada, bateria à porta de Lucinda, diria que era somente pelo resto daquela noite, enquanto Alinha acostumasse os olhos ao escuro e o corpo ao vestido apertado, haveria de concordar que Maria das Graças acostumara-se por demais com a folga, o espaço livre e respeitoso, ao redor. A mãe de Alinha cobraria o favor, não era de seu feitio, mas não via outro jeito, Lucinda era mulher de bom coração, haveria de entender e até ficar feliz em pagar. Esquecera-se, novamente se esquecera, Lucinda é de gestos arrebatados, por natureza barulhenta, Maria das Graças dorme a sono solto pela primeira vez em todos esses dias, melhor deixar para amanhã, melhor recolher-se à carapaça e respeitar a quietude da filha, deixar que durma em paz.

por Rejane Gonçalves

Serena parte - (Matando as saudades da Corujinha Baiana)

SERENA PARTE


Vou no compasso
Descalça e confusa
Um passo na pedra,
na água, no chão.


Vou no caminho,
na estrada da vida
Na terra batida
no seixo do rio
Sou lava ou vulcão?


Vou como o sol
como a rocha
e a água
sou a serena parte
de um todo, sem fim.


Sou a profunda clareza
e a confusão
me encerro sem pressa
em infindáveis certezas
pois
sou o avesso
da noite e da vida
teu lado direito
o extremo do mínimo;
sou a menor parte
o oposto mutante
o amor constante...


Sou a pedra do rio
o sol e a lua
sou a tempestade,
da noite o clarão
e vou no compasso
descalça e cansada
um passo na pedra,
na água, no chão.

Corujinha Baiana

O Míope

Os óculos tenho que trocar urgentemente.

Estou a ver elefantes e gafanhotos
trocando olhares na tela do computador.

Não bebi mingau
nem comi raízes
alucinógenos.

São as lentes arranhadas.
Simples.

Uma floresta.

E Beethoven ??? Postagem: José Nilton Mariano Saraiva

Na sala de reunião de uma multinacional o diretor nervoso fala com sua equipe de gestores. Agita as mãos, mostra gráficos e, olhando nos olhos de cada um ameaça: "ninguém é insubstituível". A frase parece ecoar nas paredes da sala de reunião em meio ao silêncio. Os gestores se entreolham, alguns abaixam a cabeça. Ninguém ousa falar nada. De repente um braço se levanta e o diretor se prepara para triturar o atrevido:
- Alguma pergunta?
- Tenho sim. -E Beethoven ?
- Como? retruca o Diretor.
O funcionário encara o diretor confuso e complementa: -O senhor disse que ninguém é insubstituível; e quem substituiu Beethoven? Silêncio..... O funcionário fala então: - Ouvi essa estória esses dias contada por um profissional que conheço e achei muito pertinente falar sobre isso. Afinal as empresas falam em descobrir talentos, reter talentos, mas, no fundo continuam achando que os profissionais são peças dentro da organização e que, quando sai um, é só encontrar outro para por no lugar. Quem substituiu Beethoven? Tom Jobim? Ayrton Senna? Ghandi? Frank Sinatra? Garrincha? Santos Dumont? Monteiro Lobato? Elvis Presley? Os Beatles? Jorge Amado? Pelé? Paul Newman? Tiger Woods? Albert Einstein? Picasso? etc... Todos esses talentos marcaram a história fazendo o que gostam e o que sabem fazer bem, ou seja, fizeram seu talento brilhar. E, portanto, são sim insubstituíveis. Cada ser humano tem sua contribuição a dar e seu talento direcionado para alguma coisa. Está na hora dos líderes das organizações reverem seus conceitos e começarem a pensar em como desenvolver o talento da sua equipe focando no brilho de seus pontos fortes e não utilizando energia em reparar seus 'erros/ deficiências' . Ninguém lembra e nem quer saber se Beethoven era surdo, se Picasso era instável, Caymmi preguiçoso, Kennedy egocêntrico, Elvis paranóico ...
O que queremos é sentir o prazer produzido pelas sinfonias, obras de arte, discursos memoráveis e melodias inesquecíveis, resultado de seus talentos. Cabe aos líderes de sua organização mudar o olhar sobre a equipe e voltar seus esforços em descobrir os pontos fortes de cada membro. Fazer brilhar o talento de cada um em prol do sucesso de seu projeto. Se seu gerente/coordenador, ainda está focado em 'melhorar as fraquezas' de sua equipe corre o risco de ser aquele tipo de líder/técnico, que barraria Garrincha por ter as pernas tortas, Albert Einstein por ter notas baixas na escola, Beethoven por ser surdo. E na gestão dele o mundo teria perdido todos esses talentos. Seguindo este raciocínio, caso pudessem mudar o curso natural, os rios seriam retos, não haveria montanha, nem lagoas, nem cavernas, nem homens, nem mulheres, nem sexo, nem chefes, nem subordinados ... apenas peças. Nunca me esqueço de quando o Zacarias, dos Trapalhões, 'foi pra outras moradas'. Ao iniciar o programa seguinte, o Dedé entrou em cena e falou mais ou menos assim: "Estamos todos muito tristes com a 'partida' de nosso irmão Zacarias... e hoje, para substituí-lo, chamamos:... ninguém ... pois nosso Zaca é insubstituível".
Portanto nunca esqueça: Você é um talento único... com toda certeza ninguém te substituirá! "Sou um só, mas ainda assim sou um. Não posso fazer tudo, mas posso fazer alguma coisa. Por não poder fazer tudo, não me recusarei a fazer o pouco que posso". No mundo sempre existirão pessoas que vão te amar pelo que você é... e outras que vão te odiar pelo mesmo motivo... acostume-se a isso... com muita paz de espírito. ..".
É bom para refletir e se valorizar!
Autor: desconhecido

Por Geraldo Lemos



HOMENAGEM POSTUMA A GARCIA
Velório. Tristeza. Alegria, nem se pensa. Em todos os presentes, existe a dor e a saudade.
Instintivamente, fecho os olhos e vejo um jovem cheio de saúde, sorriso largo e íntegro, ao volante dos carros da Sousa Cruz.
No comércio, era o homem de confiança de Thomaz Osterne de quem herdou a honestidade, moral e o bom trato com a clientela.
Como todos nós humanos aspiramos nossos próprios negócios, partiu para o comércio de bebida, sendo respeitado por todos que freqüentavam seu estabelecimento. Para tanto, precisava de um jovem já conhecido de todos, de bons princípios. Trouxe o aluno do grande "tarbeneiro', ALAGOANO. Passou a ser o Chico de Garcia. Aliás, muitos estão lhe dando pêsames.
O "Barzinho do Garcia", como era chamado, era freqüentado pela alta sociedade cratense. Os maiores comerciantes e empresários faziam de lá um verdadeiro escritório, onde grandes negócios eram tratados e resolvidos. Todos o respeitavam. Não havia palavrões. Doses na medida certa e no preço exato.
Fundador do "Caldinho de Feijão", de graça, com piqui, sempre o servia como tira gosto, gratuitamente.
Ao fechar as portas do comércio, exigiu que o SEU CHICO, continuasse a servi-lo o que já estava em projeto. Isto ele o faz.
Portanto, Garcia, juntamos agora nessas lágrimas a um pouco de feijão e as tomamos, como se fossem o seu eterno caldinho, ungindo, assim, nossos corações.
Receba, neste exato momento, toda sua família, um grande abraço saudoso, por intermédio do filho que só o teve na imaginação e coração, “O CHICO DE GARCIA”.

Geraldo Lemes

Amigo Motorista
Hoje é seu dia.
Você é tão simples que, talvez, não o saiba, mas, realmente, é o dia dedicado ao merecido MOTORISTA.
Não sei porque, mas sempre fui ligado a você.
Quantas vezes, no meu tempo de rapaz, andei "fiado" em seu carro, vindo da AABB e Tênis Club ... você nunca se negou a fazê-lo. E, nas horas de folga, quanta gargalhada se ouvia e se ouve, nos círculos de motoristas de praça que nem se lembram, nestas horas, do aumento da gasolina e do custo de vida. É um eterno transmissor de alegria e amizade. É sempre bem paquerado pelas garotas, mas respeitador e fiel a seus princípios e lar.
Você já pensou que sua responsabilidade é maior do que a de muitos profissionais de diploma em mãos? Você conduz vidas em seu carro, esposas e filhas de homens de responsabilidade. Quantas noites passou em claro esperando por "uma corrida" de poucos reais ... Isto vale. É a maior demonstração de responsabilidade.
Quisera eu que os que já se foram, desta para a melhor, estivessem aqui para abraçá-los. Infelizmente, não é possível. Desta forma, ajoelhado, rogo a Deus que os abrace, por mim, abraçando, como se fossem todos, um ídolo, amigo e "COLEGA" de todos os motoristas de praça, o inesquecível "BILLAR".

Geraldo Lemos

Praça Siqueira Campos - por Geraldo Lemos



Recordar o passado é vivê-lo, com mais experiência. Podemos fazer comparaçõe. no “modus vivendi” de gerações diversas.
Hoje, estou em plena Praça Siqueira Campos, outrora, palco político, dramático, com corações a pulsar de jovens. Era o ponto de convergência das diversas camadas sociais da cidade.
Coloco meus olhos no pensamento e volto àqueles tempos.
Vejo moças desfilando, com seus cabelos ondulados, à, custa de bobes, ou frisados a ferro quente e saias armadas com grude de goma. Tudo é bonito e o coração fala mais alto do que o sexo. Rapazes, verdadeira comissão julgadora, as avaliam pela cultura, beleza e curvas ocultas por roupas de estilo severo, nada provocante.
Um grupo de estudantes traça estratégias para as eleições da futura diretoria da UEC. Políticos defendem a UDN e outros o PSDB e PTB. O grupo Teatral de Amadores Cratenses ensaia, por falta de teatro, uma peça a ser exibida, no Cine Moderno.
O Cine Cassino abre suas portas, mostrando, logo na entrada o Botequim de Vicente Lemos, meu pai, com doces, bolos, picolé, bombons e cerveja. Diariamente, lembro-me, havia duas sessões cinematográficas à tarde e à noite, domingos, três.
Qual o aluno que não gazeou aulas para ir ao cassino? Fizemos muito, eu e Lincon, aulas de Pe. David (física, química e matemática), com a justificativa de que seriamos advogados.
Ali, está o café de Isabel Virginia, local de diálogos de torcedores e jogadores de futebol, políticos e intelectuais, todos com o objetivo de trocarem idéias e comerem o delicioso doce de leite de Isabel, como chamamos.
Deparo-me com a "Casa dos leões", assim denominada, por existir, em seus jardins dois leões, grandes e, para as crianças, perigosos. Era a residência de Mozart Roibim. Estão lotados o Bar Glória, Sinuca de Miguel Siebra e a engraxataria, local onde engraxamos sapatos FOX, comprados na Azteca, para dançarmos nas tertúlias da AABB e Tênis Clube.
Os motoristas, Seu Cordeiro, Audisio Brinzeno, Maru, Antônio Pajé, Menezes e outros estão a postos, junto aos carros.
No centro da Praça, estão Dr. Ribamar Cortês, Dr. José Ribeiro Dantas, Dr. Dárcio, Emidio, Dr. Borges, conversando, amigavelmente, após cirrados debates no Tribunal de Júri.
No Bar de Alagoano, na esquina, Alcides Peixoto, após cantar, com voz de tenor, canções em casteliano, pega uma queda de braços com Quintino._Cândido Figueiredo e Salgado desfilam com carros novos. Parado, está o modelo novo de José Ribeiro Dantas. Coló passa com um carro sem capota, com amigos e “amigas”. Belarmino encerra os trabalhos da Amplificadora Cariri. A Cratense acelera os corações com Cauby Peixoto cantando "A Perola e o Ruby". Logo após, o Hino Nacional e um; "Até amanhã, se Deus Quizer.
E hora de ir para casa. Dou uma última olhada e vejo o eterno grupo, coração da Siqueira Campos, Silvina, Luisa, Teresa, Antônio Luis, Dr. Caio e Telezito, sentados nos bancos que sempre foram deles.
Thomaz Osterne e Stuart apagam as luzes. A turma de Pedra Lavrada me espera. Passaremos, como sempre, pelo beco do Pe. Louro, para molharmos as calçadas, um complementando a molhada do outro, até chegarmos à esquina. O prêmio era um sapoti.
Hoje tenho em mãos, fotos preto e branco, dali tiradas, por Maia, com saudades coloridas.

Geraldo Lemos
Set/2009

Festa da Padroeira - por Geraldo Lemos


  1. 22 de agosto de 2008. Primeiro dia da festa da padroeira, N.S.da Penha.
Volto aos anos 60 e me vejo, em uma praça cheia de barracas, carrosséis e, completamente, lotada de fiéis.
Escuto a "Banda Furiosa" executando hinos e a voz eloqüente e sonora de Mons.
Rubens entoando o "TANTUM ERGO" e a ladainha de N. Senhora.
De repente, terminam os altos litúrgicos, e a praça se anima. Auto-falantes entram no ar, carrosséis giram. Tudo tem vida, é um clima de alegria e religiosidade. Barracas com bingos e alguém gritando: quem da mais? Era gostoso. Na calçada da igreja, havia uma banca com diversos quitutes e a "pesca" que nos atraía. Cada peixe valia um brinde. Não havia exploração. Os garotos se divertiam e, até mesmo, pescavam fiado para os pais pagarem depois. Todos eram conhecidos. Todos eram irmãos, filhos da padroeira. O Crato era uma família só, sem distinção de cor ou poder aquisitivo. Éramos Cratenses.
Esperávamos, durante o ano todo, a vinda do carrossel Maia, com os cavalinhos, roda gigante, aviões e as canoas, onda m, rinha e o carrossel com safona, pandeiro, triângulo e zabumba de Vicente Clemente.
Sob os olhos vigilantes das freiras, desfilavam as internas do Colégio Santa Teresa e Patronato Pe. Ibiapina, com suas fardas que faziam os adolescentes ficarem pasmos. Só havia flerte e, olhe lá, se a freira não o visse. Era gostoso. Eu flertei muito e, pegar na mão, nem pensar. Era pecado, só depois de um mês de namoro.
As amplificadoras, com um locutor melódico, anunciavam o que se passava nos corações dos apaixonados: "De um alguém para outro alguém, com muito amor e carinho De um alguém para outro alguém que está de saia azul, blusa branca e gigolete" na cabeça. De um alguém para outro alguém que está entre o céu e a terra (roda gigante) e mais declarações inocentes e amorosas.
Os leilões rendiam muito. Todos queriam cooperar com o sustento da paróquia. E as rainhas, atração dos jovens? Eram lindas. Partidos branco, azul e vermelho. Como eu queria comprar um lacinho!
Comíamos quebra queixo, tapioca com coco ralada, rolete de cana, algodão doce e tomávamos garapa e raspadinho de gelo com sabor de abacaxi, morango, cajá e outros sabores. Nada fazia mal a saúde e era barato, nem mesmo a tapioca com fígado de Canena.
A festa começava no comércio. Casa Abraão, com o cego Santino gritando: é queima, é queima e a lojas Azteca, sob o comando de Modesto e Aldemir, vendendo roupas e sapatos, respectivamente, para a tão sonhada indumentária da festa. Alfaiates e costureiras não dormiam. No dia primeiro de Setembro, seus trabalhos seriam exibidos na procissão da padroeira.
Havia salva, ao meio dia e às 05:00h da manhã. Quem a comandava era Zé de mão, com seu tabuleiro de fogos que mais parecia uma tábua de pirulitos. Se estivesse "com umas na cabeça", segurava o fogo e dizia: "A festa é aqui em baixo, não suba". A banda tocava até Frevo. Como era bom corrermos na disputa das varetas dos fogos!
Quem, naquela época, não recebeu um cartão do "grupo escolar", com quadrinhos, para marca-los, a cada 1 tostão, com um X? tínhamos um lápis e uma borracha, no bolso. De cada dez, ficávamos com um e apagávamos o X com a borracha.
Pois bem. Já divaguei muito. Meu coração já está oprimido. No entanto, escuto, ainda a banda Municipal, o som das amplificadoras dos carrosséis, o pipocar dos fogos, o repicar do sino da matriz e o pulsar dos corações dos que viveram, naqueles anos.

Geraldo Lemos