Criadores & Criaturas



"Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intata.
"

(Carlos Drummond de Andrade)

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... Por do Sol em Serra Verde ...
Colaboração:Claude Bloc


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quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Que nenhum Papa morra. - Por Carlos Eduardo Esmeraldo


A renúncia do atual Papa Bento XVI declarada no início do mês e a ser concretizada neste dia 28 de fevereiro, foi um acontecimento surpreendente até mesmo para aqueles que não se dizem católicos. Considerações dos entendidos em Vaticano à parte, para mim foi uma atitude bastante coerente e que deveria ser regulamentada daqui para a frente. Por que não colocar para os papas uma regra já existente para os bispos? A aposentadoria automática aos 80 anos. Afinal, dirigir uma organização com mais de um bilhão de seguidores é uma tarefa que, além das qualidades espirituais e intelectuais exige também muita aptidão física. E esta última condição torna-se difícil de ser encontrada numa ancião.

Durante a minha vida já acompanhei a mudança cinco papas: por morte de Pio XII; Paulo VI, João Paulo I e João Paulo II. Em todas as ocasiões havia o mesmo ritual de notícias que os meios de comunicação social voltam a nos proporcionar atualmente.

Lembro-me que os colégios católicos decretavam três dias feriados após a notícia da morte de um papa. E na morte do Papa Paulo VI, em 1978, o meu primeiro filho, à época com apenas quatro anos, ficou muito contente com o feriado. Vinte dias depois, todos estávamos aliviados porque tínhamos um novo Papa: João Paulo I, que reinou durante apenas um mês. Na manhã de 28 de setembro de 1978, eu soube pelo meu filho, que retornava da escola acompanhado da sua mãe e comemorando mais um feriado: "o Papa morreu de novo!" 

Em menos de vinte dias, foi eleito e empossado o Papa João Paulo II, de 58 anos, um jovem, em comparação com seus antecessores. E o tempo passou, e alguns meses depois, acredito que no ano seguinte, o nosso primeiro filho entranhou a falta de um feriado. E então exclamou à sua mãe: "Nunca mais morreu um papa!"

A renúncia do Papa Bento XVI me encheu de esperanças para o futuro. Não custa sonhar em grandes mudanças para a Igreja. Em primeiro lugar, sonho com a extinção do celibato. Isto permitiria a ordenação de maior número de sacerdotes, que estariam mais presentes no meio das comunidades carentes. Desejo também a ordenação de mulheres. Quantas Teresa de Calcutá poderiam surgir? 

Sonhar é possível. E eu sonho com uma Igreja voltada para o povo sofredor e focada na pessoa de Jesus Cristo, que viveu pobre e no meio de gente pobre e humilde. 

Por Carlos Eduardo Esmeraldo

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

BentoXVI: Crise e exaustão conservadora


Dinheiro, poder e sabotagens. Corrupção, espionagem, escândalos sexuais.
A presença ostensiva desses ingredientes de filme B no noticiário do Vaticano ganhou notável regularidade nos últimos tempos.

A frequência e a intensidade anunciavam algo nem sempre inteligível ao mundo exterior: o acirramento da disputa sucessória de Bento XVI nos bastidores da Santa Sé.
Desta vez, mais que nunca, a fumaça que anunciará o ‘habemus papam’ refletirá o desfecho de uma fritura política de vida ou morte entre grupos radicais de direita na alta burocracia católica.

Mais que as razões de saúde, existiriam razões de Estado que teriam levado Bento XVI a anunciar a renúncia de seu papado, nesta 2ª feira.

A verdade é que a direita formada pelos grupos ‘Opus Dei’ (de forte presença em fileiras do tucanato paulista), ‘Legionários’ e ‘Comunhão e Libertação’ (este último ligado ao berlusconismo) já havia precipitado fim do seu papado nos bastidores do Vaticano.
Sua desistência oficializa a entrega de um comando de que já não dispunha.
Devorado pelos grupos que inicialmente tentou vocalizar e controlar, Bento XVI jogou a toalha.

O gesto evidencia a exaustão histórica de uma burocracia planetária, incapaz de escrutinar democraticamente suas divergências. E cada vez mais afunilada pela disputa de poder entre cepas direitistas, cuja real distinção resume-se ao calibre das armas disponíveis na guerra de posições. Ironicamente, Ratzinger foi a expressão brilhante e implacável dessa engrenagem comprometida.

Quadro ecumênico da teologia, inicialmente um simpatizante das elaborações reformistas de pensadores como Hans Küng (leia seu perfil elaborado por José Luís Fiori, nesta pág.), Joseph Ratzinger escolheu o corrimão da direita para galgar os degraus do poder interno no Vaticano.

Estabeleceu-se entre o intelectual promissor e a beligerância conservadora uma endogamia de propósito específico: exterminar as ideias marxistas dentro do catolicismo.
Em meados dos anos 70/80 ele consolidaria essa comunhão emprestando seu vigor intelectual para se transformar em uma espécie de Joseph McCarty da fé.
Foi assim que exerceu o comando da temível Congregação para a Doutrina da Fé.

À frente desse sucedâneo da Santa Inquisição, Ratzinger foi diretamente responsável pelo desmonte da Teologia da Libertação. O teólogo brasileiro Leonardo Boff, um dos intelectuais mais prestigiados desse grupo, dentro e fora da igreja, esteve entre as suas presas. Advertido, punido e desautorizado, seus textos foram interditados e proscritos. Por ordem direta do futuro papa. Antes de assumir o cargo supremo da hierarquia, Ratzinger ‘entregou o serviço’ cobrado pelo conservadorismo.

Tornou-se mais uma peça da alavanca movida por gigantescas massas de forças que decretariam a supremacia dos livres mercados nos anos 80; a derrota do Estado do Bem Estar Social; o fim do comunismo e a ascensão dos governos neoliberais em todo o planeta.

Não bastava conquistar Estados, capturar bancos centrais, agências reguladoras e mercados financeiros. Era necessário colonizar corações e mentes para a nova era.
Sob a inspiração de Ratzinger, seu antecessor João Paulo II liquidou a rede de dioceses progressistas no Brasil, por exemplo. As pastorais católicas de forte presença no movimento de massas foram emasculadas em sua agenda ‘profana’. A capilaridade das comunidades eclesiais de base da igreja foi tangida de volta ao catecismo convencional.
Ratzinger recebeu o Anel do Pescador em 2005, no apogeu do ciclo histórico que ajudou a implantar.

Durou pouco. Três anos depois, em setembro de 2008, o fastígio das finanças e do conservadorismo sofreria um abalo do qual não mais se recuperou.

Avulta desde então a imensa máquina de desumanidade que o Vaticano ajudou a lubrificar neste ciclo (como já havia feito em outros também).
Fome, exclusão social, desolação juvenil não são mais ecos de um mundo distante. Formam a realidade cotidiana no quintal do Vaticano, em uma Europa conflagrada e para a qual a Igreja Católica não tem nada a dizer. Sua tentativa de dar uma dimensão terrena ao credo conservador perdeu aderência em todos os sentidos com o agigantamento de uma crise social esmagadora.

O intelectual da ortodoxia termina seu ciclo deixando como legado um catolicismo apequenado; um imenso poder autodestrutivo embutido no canibalismo das falanges adversárias dentro da direita católica. E uma legião de almas penadas a migrar de um catolicismo etéreo para outras profissões de fé não menos conservadoras, mas legitimadas em seu pragmatismo pela eutanásia da espiritualidade social irradiada do Vaticano.

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Sem identidade - Por Carlos Eduardo Esmeraldo

Há uns três meses, no percurso do meu trabalho para casa, ouvi pela Rádio CBN, uma entrevista de um defensor público de São Paulo, na qual ele narrava uma história que deve servir de alerta para quem perde seus documentos de identidade, mais conhecido por RG. 
Aos dezessete anos, Jorge perdeu seu documento de identidade. Aconselharam-no a fazer o Boletim de Ocorrência.
Era um dia de domingo e, ao chegar à delegacia, o escrivão estava assistindo um jogo do Corinthians pela TV e não lhe deu atenção. Jorge achou que era perda de tempo e foi para casa sem registrar a ocorrência.
Aos vinte um ano, Jorge casou, depois teve uma filha e já trabalhava numa empresa de processamento de dados. Certo dia, seu chefe mandou que ele consultasse uma página do Tribunal de Justiça. Surpreso, Jorge viu seu nome como tendo sido processado, julgado à revelia e condenado a quinze anos de prisão. Procurou a justiça para que lhe informassem o porquê daquela condenação. Algum bandido que se apoderou dos documentos de Jorge, foi preso na Via Dutra com um carregamento de cocaína, depois liberado por competentes advogados que lhe conseguiram o relaxamento da prisão até o julgamento final. Como conseqüência, Jorge perdeu o emprego, a mulher e a filha. Passou mais de cinco anos tentando provar sua inocência, sem conseguir êxito e nem emprego algum, pois logo descobriam que ele estava condenado pela justiça. Então, depois de inúmeras tentativas, um grupo de advogados defensores públicos sugeriu ao juiz que fosse feito uma acareação com os policiais que prenderam o traficante, os vizinhos de Jorge, seu ex-patrão e pessoas que o conheciam desde a infância, O juiz concordou.
Os dois primeiros a serem ouvidos na acareação foram os policiais que efetuaram a prisão, O depoimento dos dois foi decisivo. Todos informaram que o homem que haviam efetuado a prisão não era o Jorge. Depois é que verificaram que a fotografia colada à identidade de Jorge e que fora falsificada, era a de uma pessoa morena, cabelos pretos, bem diferente do Jorge, que era branco e tinha cabelos castanhos.

Constatado o erro e a confirmação de que realmente a justiça havia se equivocado, pediram desculpas ao Jorge,

Ao saírem do Tribunal os advogados de Jorge entraram com um processo de indenização na justiça por danos morais, Na primeira audiência, a juíza comentou: “Você vai receber muito dinheiro!”
“E a senhora, gostaria de passar o que eu passei?” Perguntou Jorge.

Por Carlos Eduardo Esmeraldo