Criadores & Criaturas



"Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intata.
"

(Carlos Drummond de Andrade)

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... Por do Sol em Serra Verde ...
Colaboração:Claude Bloc


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terça-feira, 24 de janeiro de 2012

História de um menino de rua – por Pedro Esmeraldo

Em uma cidade chamada Catolé da Serra, pertencente ao maciço nordestino, havia uma horda de garotos com tendência a serem marginais. Foi interrompida a sua vida de marginalidade pelo juiz da comarca local, que teve a ideia, “após várias tentativas de controle”, de melhorar a vida dessas crianças, doando aos fazendeiros locais para corroborar com seus estudos a fim de se tornarem homens de bem.

O juiz muito rígido não teve complacência com as mães e arrebatou as crianças entregando-as aos fazendeiros. Por esse motivo a população dessa cidade andava apavorada com o procedimento educativo dessas crianças, vez que praticavam coisas absurdas com tendência a roubos e a ociosidade.

Com insistência das mães das crianças, visto que elas era consideradas “mães-solteiras”, além de muito pobres,  tiveram elas que aceitar a medida austera desse juiz, conformando-se porque seus filhos teriam um bom procedimento no futuro.

Catolé da Serra era uma cidade pequena e calma, agradável, muito bonita, situada no pé de Serra denominado de Macavi. Sua população era ordeira e muito bairrista. Rivalizava-se com a outra cidade de nome Marmeleiro, esta última briguenta, entopercente, cheia de pieguismo que dava o que falar ao pessoal estranho à vida monástica. As duas brigavam entre si. Cada qual queria ser melhor do que a outra, quando disputava partidas de futebol era um Deus nos acuda. A briga troava que fazia medo a gente se colocar de lado. Ninguém suportava tantos palavrões daquele  povo fantasioso. Após a partida de futebol havia muita gozação, mas todos ficavam bem entre si.

Um dia esse juiz convocou um senhor de respeito e bem sucedido agricultor, proprietário de engenho e ofereceu um desses meninos para acabar de criar. Esse senhor não teve alternativa e aceitou o menino por nome Francisco Brunelly, nome italiano, provavelmente de seu pai, que era italiano.

Após a chegada desse garoto em sua casa, levado pelo soldado Miúdo, o dito menino foi entregue ao senhor do engenho, a mandado do juiz. Antes, porém, o soldado Miúdo deu conselhos a Brunelly, dizendo: “Tome cuidado e siga em frente. Esse senhor é muito bom e pode fazer de você um bom cidadão”. Após passar alguns dias, Brunelly não atendeu o conselho do soldado e fugiu de casa. Novamente o juiz tomando conhecimento, mandou entregar o menino Brunelly na casa do fazendeiro. O soldado Miúdo deu outra saraivada de conselhos a Brunelly, dizendo: “A coisa aqui é séria; o juiz não tá de brincadeira não, ou você se ajeita ou vai parar em outro local muito ruim, pior do que você quando vivia na rua, rabo de tatu, passando fome, sem estudar, caminhando para a marginalidade e por isso você deve tomar jeito de homem sério.”

Esse menino não deu para o estudo e o senhor fez várias tentativas para prepará-lo e ser um cidadão de bem. Mas ele não obedecia aos rigores da escola e não passava de ano.

O patrão aborrecido mandou Brunelly ir para a roça trabalhar com o pessoal destinado ao trabalho pesado.

Brunelly, já rapaz, passou a gostar de uma moça muito bonita com o nome de Ceiça Tomazelly. Após o casamento de Brunelly, deram a ele uma carroça de tração animal para a sua manutenção permanente.

Brunelly teve vários filhos com Ceiça e que se criaram juntos até a morte prematura da mãe.

Brunelly não se habituou a viver sozinho com os filhos e arranjou outra moça para se casar. Depois do casamento, Brunelly abandonou os filhos e foi viver com outra mulher chamada Nazareth e constituiu vários filhos com essa digna moça.

Brunelly ainda vive no sítio, aposentado, viúvo, vive solitário com os filhos de Nazareth, convém notar que os filhos da primeira mulher se afastaram do pai, deixando arredio, dizendo eles que o pai os abandonou quando pequenos.
             

Momento da Poesia - Por Claude Bloc

A  vida em pleno

( Claude Bloc)


Minha poesia
 Não esconde nada:
Nem as palavras
Nem o silêncio
Nem a saudade
Nem o encanto.

Minha poesia
Só espelha minha voz no tempo
E o desejo de ser feliz
E celebrar a Vida em pleno.
 
Claude Bloc

O MAZOMBO


Significado de Mazombo:

Era a a forma depreciativa pela qual os portugueses nascidos no reino (reinóis) denominavam os filhos de portugueses nascidos na colônia.



O MAZOMBO

(Do livro Bandeirantes e Pioneiros de Vianna Moog)

E os mazombos que se quedavam no Brasil? 
O título de mazombo, esse caducou e desapareceu. Não assim a personagem que lhe deu origem. Ainda em fins do século passado o Brasil pululava de mazombos. Apesar de quatro séculos de civilização, apesar de já haver resolvido de certo modo o seu problema racial, apesar das lutas vitoriosas contra o invasor francês e holandês, a despeito das revoluções de afirmação da nacionalidade, a despeito do Primeiro, do Segundo Reinado e da República, da extinção da febre amarela e da crescente importância do país nos mercados e nos concílios internacionais, o Brasil ainda continuava infestado de mazombos. Mazombos conscientes, mazombos inconscientes, mas sempre mazombos. Até começos deste século a expressão ainda circulava. "Sou brasileiro, mazombo ou mestiço" dizia João Ribeiro em notável página de crítica, como a sintetizar a formação étnica e social do Brasil.
E em que consistia esse mazombismo brasileiro? Tal como nos primeiros tempos coloniais, consistia essencialmente nisso: na ausência de determinação e satisfação de ser brasileiro, na ausência de gosto por qualquer tipo de atividade orgânica, na carência de iniciativa e inventividade, na falta de crença na possibilidade de aperfeiçoamento moral do homem, e descaso por tudo quanto não fosse fortuna rápida e, sobretudo, na falta de um ideal coletivo, na quase total ausência de sentimento de pertencer o individuo ao lugar e à comunidade em que vivia. O belonging dos americanos não existia no mazombo.
No fundo, o mazombo, sem o saber, era ainda um europeu extraviado em terras brasileiras. Do Brasil e da América, de suas histórias, de suas necessidades, de seus problemas, nada ou pouco sabia, porque vivia no litoral, mentalmente de costas voltadas para o país. Iam mal as coisas no Brasil? Ah, isto não era com ele. Ademais, que poderia fazer, se era só contra todos. Na vida pública como na vida privada, nunca seria por sua culpa ou negligência que isto acontecia. A culpa seria sempre dos outros. E assim, recusando-se, racionalizando, contradizendo-se, não participando, reduzindo ao mínimo os seus esforços físicos, espirituais e morais para o saneamento e elevação do meio em que vivia, pagando para não se incomodar, quando se tratava do interesse coletivo; lisonjeando, transigindo, corrompendo, revolvendo céus e terras quando se tratasse de seus próprios interesses, ninguém como ele para contaminar o ambiente de tristeza, imoralidade, indiferença e derrotismo. Inesgotáveis como eram suas reservas de má vontade para com tudo quanto se referisse ao Brasil, vivia a escancarar as suas simpatias para tudo quanto fosse europeu.
Em princípios do século passado, o mazombo era espiritualmente português, e vivia zangado com o Brasil, por não ser o Brasil a cópia exata de Portugal. Em fins do século, como as simpatias de Portugal se tivessem volvido para a França, vivia zangado com o Brasil porque a cultura brasileira não era a projeção exata da cultura francesa.
Desligado do que lhe ia em derredor para viver imaginativamente do outro lado do Atlântico, se lhe dissessem que as populações sul-americanas em geral e as brasileiras em particular eram das mais mal alimentadas do mundo, ou que já sofriam de fome crônica, ou que os índices de mortalidade infantil no Brasil só podiam ser comparados com os da Índia, isso não lhe daria o mais mínimo abalo. Para vê-lo comovido seria preciso algo mais: seria preciso falar, em começos do século atual, na fome que passaram as crianças européias na primeira guerra. Pobres das crianças belgas! Pobres das crianças francesas! E Vive Paris! E Vive la France! O, lá France, la France éternelle!
Cultura só a França a tinha, e sabedoria; e patriotismo, e finess e savoir-faire. No mundo, a Europa; na Europa, a França; na França, Paris; em Paris, Montmartre. Decididamente, sem uma viagem a Paris não se completava nenhuma formação cultural digna desse nome.
E fosse alguém timidamente arriscar que na América do Norte também se inventava, que entre cada dez inventores pelo menos cinco eram americanos, que a América produzia já uma literatura bastante razoável, por vezes até apaixonante, talvez a mais apaixonante do nosso tempo; que tinha um teatro soberbo, superior até ao francês; que reunia do que havia de melhor no mundo em todos os ramos do conhecimento e do conforto! O mazombo, medularmente europeu, tomaria a afirmação como desconsideração à sua pessoa.
...Pela lógica, com esta sua paixão por tudo o que era francês, o mazombo devia ser politicamente um espírito liberal, amante do trinômio liberdade, igualdade, fraternidade.... Mas no Brasil, com a ignorância crassa da maioria da população, uma população de mestiços, isto não era possível. Igualdade política? Era só o que faltava! Onde é que se viu o seu voto valer tanto quanto o do seu lacaio ou o da sua lavadeira?
Não, o mazombo não era pela igualdade política e muito menos pela igualdade social. Era antes, rasgadamente, pelo privilégio, contanto, naturalmente, que o privilégio fosse para ele. ...E ai de quem lhe negasse o que pleiteava! Ficava tomado de ódio e de ressentimento, um ressentimento tanto mais terrível para o seu equilíbrio emocional quanto acabava refluindo contra ele mesmo.
Ganhar no jogo, eis uma das boas alegrias do mazombo. De resto, na vida, entre os seus prazeres, destacavam-se estes dois: jogar e ganhar; jogar e perder. Contanto que estivesse sempre jogando. Jogar, para ele, sem que o soubesse, era ainda um modo de procurar simbolicamente o veio de ouro, lutar contra o destino, de novo a luta de um contra todos, de todos contra um, como na procura da mina.
...O puritano via a marca do Senhor naquele que prosperava. O mazombo via a marca do destino naquele que acertava. Na aventura, na vida, no jogo, na loteria, na roleta, o essencial era acertar.
Outra paixão do mazombo: a caça indiscriminada à fêmea. Assim como no mundo da inteligência ninguém tinha espírito senão ele e os seus amigos - Null n'aura d'esprit hors nous et nos amis - no mundo da moral, mulher alguma teria honra, virtude e decência a não ser as de sua família e, por vezes, em casos de especial deferência, as da família de seus poucos amigos.
O ar impudente com que examinava uma mulher na rua! Certo, o examinar mulheres e deleitar-se com a sua beleza sempre foi um prazer universal, "uma festa para os olhos", mas para despir as mulheres com o olhar não havia como os nossos mazombos. Nisto a Europa e os Estados Unidos tinham de curvar-se ante o Brasil.
No mais, nem bom, nem mau. Apenas sorumbático, macambúzio, taciturno. Nada mais do que um ressentido com insofrido e histórico desejo de afirmação, a espera de uma cultura em que pudesse normalmente realizar-se.

Materia e foto retiradas da internet.(www.tecselecta.com/)

Nos ombros do destino - Emerson Monteiro

Esse um novo livro de Geraldo Ananias Pinheiro, autor caririense que resolveu mergulhar no espaço urbano para revolver as contradições dos tempos prenhes de matizes apocalípticos, ao estilo dos contadores de histórias. Anda nas aglomerações com a mesma fluência que caracterizou os livros recentes, de locações sertanejas, superpondo ações e personagens com a leveza de quem traz o jeito de conduzir
aonde pretende; assinala dramas interiores e dificuldades ambientais, aventureiro do inesperado e da frieza das instituições sociais, em estruturas metálicas de sítios geométricos enigmáticos.

Nas trilhas da cidade grande envoltas nas sombras, no enxameio de máquinas apressadas, coisas misteriosas acontecem, grifadas nas impressões psicológicas que remexem as almas, a suprir solidões de becos escuros, na metrópole. Sentimentos se atritam dentro das madrugadas insones, fortes amores despertam em plenos expedientes e nas mesas dos restaurantes de luxo, seres esquisitos, fantasmas petulantes.

Nisso, a atualização das expectativas pouco satisfeitas de amores, amizades, companheirismo, aos moldes do que o romance permite na sua imprevisibilidade constante. Ananias sabe disso. Contundente, machuca feridas abertas pelos gestos incompreendidos. Uma surpresa sobrevoa todo tempo as peças do jogo, num ritmo frenético. A familiaridade com que conduz seu bloco de protagonistas revela habilidade que comunica e diverte.

Na força do romance, enxerga a ótica dos autores de produzir existências através da velha ficção. Desponta horizontes onde antes nada havia; com isso, desvela mundos e abre portas. Escrever páginas das histórias guardadas nas regiões mentais obscuras funciona qual psicanálise de cada época. A fúria dos que se descobrem fazedores de romances gera meios ao dizer dessas fases das sociedades, e as páginas vão abrindo espaço às emoções, aos papéis que avolumam relacionamentos nas palavras e nos contextos.

Neste seu quarto livro, Geraldo Ananias cresceu no amadurecimento e nas interpretações do espontâneo que prende a atenção e quer usufruir dos valores vindos nas calhas da criação literária.

Quando chega ao misterioso, o que houve também no livro anterior, Levado ao vento, abre as perspectivas reencarnacionistas, solução dos inúmeros espantos humanos das afinidades, idiossincrasias, tendências, no resgate das possibilidades tantas vezes consignadas, e pouco atendidas, dos impasses e contradições da vida. Indica, sem, no entanto, coagir. Insinua, sem confrontar crenças ou conceitos estabelecidos. Pisa as páginas do futuro qual explorador cuidadoso, circunstante, abrindo frestas às visões particulares das marcas deixadas em todo coração.