Criadores & Criaturas



"Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intata.
"

(Carlos Drummond de Andrade)

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... Por do Sol em Serra Verde ...
Colaboração:Claude Bloc


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domingo, 23 de março de 2014

O outro Brasil que vem aí - Gilberto Freire*

Eu ouço as vozes
eu vejo as cores
eu sinto os passos
de outro Brasil que vem aí
mais tropical
mais fraternal
mais brasileiro.
O mapa desse Brasil vem das cores dos Estados
terá as cores das produções e dos trabalhos.
Os homens desse Brasil em vez de cores das três raças
terão as cores das profissões e das regiões.
As mulheres desse Brasil em vez das cores boreais
terão as cores variantemente tropicais.
Todo brasileiro poderá assim dizer: é assim que eu quero o Brasil, todo brasileiro e não apenas o bacharel ou o doutor
o perto, o pardo, o roxo e não apenas o branco e semibranco.
Qualquer brasileiro poderá governar esse Brasil
lenhador
lavrador
pescador
vaqueiro
marinheiro
funileiro
carpinteiro
contanto que seja digno do governo do Brasil
que tenha olhos para ver pelo Brasil,
ouvidos para ouvir pelo Brasil
ânimo para viver pelo Brasil
mãos de escultor que saibam lidar com o barro forte e novo dos brasis
mãos de engenheiro que lidem com ingresias e tratores
  [ europeus e norte-americanos a serviço do Brasil]
mãos sem anéis (que anéis não deixam o homem criar nem trabalhar)
mãos livres
mãos criadoras
mãos fraternas de todas as cores
mãos desiguais que trabalhem por um Brasil sem Azeredos,
sem Irineus,
mãos Maurícios de Lacerda.
Sem mãos de jogadores
nem de especuladores nem de mistificadores.
Mãos todas de trabalhadores,
pretas, brancas, pardas, roxas, morenas,
de artistas
de escritores
de operários
de lavradores
de pastores
de mães criando filhos
de pais ensinando meninos
de padres benzendo afilhados
de mestres guiando aprendizes
de irmãos ajudando irmãos mais moços
de lavadeiras lavando
de pedreiros edificando
de doutores curando
de cozinheiros cozinhando
de vaqueiros tirando leite das vacas chamadas comadres dos homens.
Mão brasileiras
brancas, morenas, pretas, pardas, roxas
tropicais
sindicais
fraternais.
Eu ouço as vozes
eu vejo as cores
eu sinto os passos
desse Brasil que vem aí.

* O outro Brasil que vem aí. Gilberto Freire, 1926.
Publicado no Livro Talvez Poesia, Rio de Janeiro, José 
Transcrito de Casa Grande e Senzala: Edição comemorativa dos 80 anos, com apresentação de Fernando Henrique Cardoso, Global, São Paulo, 2013