Criadores & Criaturas



"Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intata.
"

(Carlos Drummond de Andrade)

ENVIE SUA FOTO E COLABORE COM O CARIRICATURAS



... Por do Sol em Serra Verde ...
Colaboração:Claude Bloc


FOTO DA SEMANA - CARIRICATURAS

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.....................
claude_bloc@hotmail.com

domingo, 13 de junho de 2010

Pérola nos bastidores - por Claude Bloc


Febre noturna
O silêncio reveste de seda
a intimidade e o frêmito
anseios e júbilo
saudade e sonho...
Perfumes revoam em bando
como pássaros de verão
marcando o cenário
de lembranças
de um sossego (in)finito
lábios sussurram
líquidas verdades
... e as mãos espalmadas
tateiam a vida
seus humores
seus sonhos perdidos
na escuridão.
.

asas de cisne

Não me apiedo dos versos.
Sangro-os.

Com a mesma naturalidade
os pássaros bicam nuvens
os dentes de leite caem.

A beatitude do poema
é um engano.

Não importa o teor:
se éter
ou lavanda.

O poeta se embriaga.
O poeta enlouquece.

Com a mesma impressionante leveza
do rebolado de um elefante.

após o jantar

Enfim a muriçoca
dá o ar da sua graça.

Um beijo no calcanhar.
Frêmito.

E nem ouvi seu violino
de corda frouxa.

Terá sido uma muriçoca
ou lagarta de fogo?

Não consigo distinguir
agulha de alfinete.
Beijo de escarro.

Muriçoca ou lagarta de fogo
importa é que o lunático
agora acorda.

Pronto para servir
a quem lhe beije
o tornozelo.

Com veneno.
Ou apenas sede.

Asa partida, na boca da noite .Quem estiver com saudades, ligue o "play" !

Cega no invisível- por Socorro Moreira


"Quem pensa muito não casa ". Quem pensa muito vive cansado. Quem vive o dia, no caminho do sol, tem a esperteza dos mascotes.
Dias amenos, nos convidam a fazer algo diferente. O apetite é voraz, olhamos menos para o espelho, nos desapaixonamos .
Hoje estou assim ... Desativada da minha energia natural. Caminho pesadamente , entre o térreo e o primeiro andar... Parece que tenho tamancos nos pés. O céu tem cheiro de lavanda ; minha roupa tem cheiro de lama , e perfume do passado.
Escrever , ainda é uma boa saída. Até porque , oferece passagem de ida e de volta , num vai e vem constante.
Visito um recanto , que apenas imagino. Busco o concreto imaginável ,sendo invisível.
Subo no elevador. É o apartamento de um pintor. Respiro terebentina e tintas frescas . Imagino afrescos , e telas espalhadas pelos cantos. O dono está ausente. Viajou com um baú de desenganos , esculpindo pedras no caminho. Rasgando a matéria , como se ela fosse molambo, deixando nela , o produto do seu pranto. ..
Faço a vistoria , tateando pela  intuição. Um sofá confortável , mas cheio de marcas; sala íntima com cheiro de " vetiver ";um relógio de pulso atrasado ; canetas e papéis , numa escrivaninha de cedro, escritos em negrito...Uns esquecidos , e outros amassados.
Falei com seu short , largado na cadeira do quarto. Ele olhou para mim meio intimidado (desconfiou que eu não era uma ladra comum, e de nada ali me apossaria, a não ser com o olhar  e alguns dos sentidos) e  disse-me : ele sempre me deixa assim , quando se cansa de mim. Meu dono viajou . Volta  com um sorriso enfadado , e um brilho novo no olhar.
Sai do cenário. Não olhei em volta , nem fui até a janela , descobrir em qual cidade estive. Desprezei a personalidade física de um lugar... De um lugar , provavelmente conhecido.

CLIQUE - Por Edilma Rocha

Um texto de Martha Medeiros

A mulher e a patroa.

Há homens que têm patroa. Ela sempre está em casa quando ele chega do trabalho. O jantar é rapidamente servido a mesa. Ela recebe um apertao na bochecha. A patroa pode ser jovem e bonita, mas tem uma atitude subserviente, que lhe confere um certo ar robusto, como se fosse uma senhora de muitos anos atrás.

Há homens que têm mulher. uma mulher que está em casa a hora que pode, às vezes chega antes dele, às vezes depois. Sua casa não é sua jaula nem seu fogão é industrial. A mulher beija seu marido na boca quando o encontra no fim do dia e recebe dele o melhor dos abraços.A mulher pode ser robusta e até meio feia, mas sua independência lhe confere um ar de garota,regente de si mesma.

Há homens que tem patroa, e mesmo que ela tenha tido apenas um filho, ou um casal, parece que gerou uma ninhada, tanto as crianças lhe solicitame ela lhes é devota. A patroa é uma santa, muito boa esposa e muito boa mae, tao boa que é assim que o marido a chama quando nao a chama de patro: "mãezinha"

Há homens que têm mulher. Minha mulher, Suzana. Minha mulher,Cristina.Minha mulher, Tereza. Mulheres que têm nome, que só são chamadas de mãe pelos filhos, que nao arrastam os pés pela casa nem confiscam o salário do marido, porque elas têm o dela. Nao mandam nos caras, nao obedecem os caras: convivem com eles.
Há homens que têm patroa. Vou ligar pra patroa. Vou perguntar pra patroa. vou buscar a patroa. É carinho, dizem. Às vezes, é deboche. Quase sempre é muito cafona.

Há homens que têm mulher. Vou ligar pra minha mulher. Vou perguntar pra minha mulher. Vou buscar minha mulher. Não há subordinação consentida ou disfarçada.Não há patrões nem empregados. há algo sexy no ar.

Jamelão








José Bispo Clementino dos Santos, mais conhecido como Jamelão (Rio de Janeiro, 12 de maio de 1913 — Rio de Janeiro, 14 de junho de 2008), foi um cantor brasileiro, tradicional intérprete dos sambas-enredo da escola de samba Mangueira.

Salvatore Quasimodo


Salvatore Quasimodo (Módica, 20 de agosto de 1901 — Amalfi, 14 de junho de 1968) foi um poeta italiano.

Recebeu o Nobel de Literatura de 1959.

Nascido na província de Ragusa, sua família transferiu-se, em 1908, para Messina no dia seguinte ao grande terremoto de 1908, cuja destruição causou-lhe uma permanente impressão. Foi em Messina que concluiu os estudos secundários e, já na década de 1920, foi para Roma iniciar o estudo do grego e do latim, dedicando-se aos clássicos que mais tarde seriam sua maior inspiração.

Em 1926, por motivos de trabalho, estabelece-se em Reggio Calabria, onde retoma a atividade poética. Em 1929, vai a Florença com sua irmã, casada com Elio Vittorini. Graças a estas relações, entra em contacto com Eugenio Montale e com o ambiente da revista literária Solaria. A partir de 1931, foi por dez anos funcionário do departamento de obras de vários municípios italianos.

Chega a Milão em 1934, onde entra num rico ambiente cultural, estabelecendo relações de amizade com pintores e escritores. Dois anos depois, deixa sua profissão para se dedicar integralmente à literatura e à poesia.

Foi também tradutor de obras clássicas e contemporâneas, vertendo ao italiano de Shakespeare a Neruda.

wikipédia

Festa de Barbalha - por Heládio Teles Duarte

Um registro de nascimento - por José do Vale Pinheiro Feitosa

Aconteceu na sexta-feira. Num cartório de alguém muito querido no Crato, mas não vou revelar para não virar motivo de chacota. Um pai com as testemunhas, todos do Distrito do Romualdo entraram no cartório para registrar uma criança.

O funcionário de cara pediu o Documento de Nascido Vivo que é dado pela maternidade. O pai um pouco atrapalhado explicou:

- Nasceu em maternidade não! Aparado na rede. Dona Reimunda cortou o cordão!

O funcionário coçou a cabeça e a testa fez dobras de preocupação. Situação rara nos dias de hoje, quando a maioria faz pré-natal e nasce em maternidade. Consultou um colega para saber como proceder sem o tal documento. Afinal concluíram que as testemunhas serviriam exatamente para esta finalidade: dar credibilidade a quem nasceu, já que o próprio não possuía o verbo necessário para lá comparecer.

O funcionário abriu o livro e começou perguntando pelo sexo do recém-nascido. A pergunta gerou dúvidas no pai:

- Séquiço! Cuma é mermo? Séquiço? – o olhou com o rabo do olho para o compadre que servia de testemunha que deu de cotovelo na outra testemunha, levantando as sobrancelhas e repassando a pergunta. Esta, então, respondeu pelo pai.

- Bote aí no papel viu! O séquiço é muié!

A ladainha de perguntas, dúvidas e contribuições coletivas para as respostas. Para dizer a hora e o dia do nascimento: entre o primeiro e o segundo canto do galo. O nome dos avós foi lenha para resolver, dúvidas até pelos sobrenomes do lado do pai, imaginem para descobrirem o lado da mãe. Finalmente pergunta do nome que queria dar à filha.

O pai abriu um sorriso de superioridade completa, olhou para todos os presentes no cartório como se tivesse diante uma récua de desabonados pela inteligência. O olhar por cima girou o salão e terminou sobre o funcionário do cartório, do outro lado do balcão com as anotações á sua frente.

- Pode botá aí! O nome dela vai ser Jabulane da Silva.

O rapaz do cartório perguntou como ele queria escrever o nome se com um “i” ou um “e” no final. O pai, muito orgulhoso, deu a dica:

- Escreva igual a bola! Mermim cuma a bola!

Um espírito de porco ouvia tudo com curiosidade. O funcionário folheava o jornal a do nome da bola da atual copa do mundo. O engraçadinho não se conteve e disse:

- Chuta a gol meu patrão!

Recordação- por Ana Cecília S.Bastos



Agora sou menina
e no escuro da noite
sem luz elétrica
há fogueira e rostos fascinados.


E eu sou livre e o fogo,
sedução







Reflexos de uma cidade sônica. Foto de MVítor.

Noite Junina - por Ana Cecília S.Bastos



Em meu silêncio há ruídos de São João.
Agora é noite alta.
As pessoas já não soltam fogos.
A cidade já não parece
uma praça de guerra sob intenso bombardeio.


Escuto,
maravilhada,
este silêncio junino.


Olho com olhos de infância o céu de Salvador,
coalhado de balões.
Salvador tremeluzia-se no céu,
e nos balões,
o meu coração.


Agora a cidade chora, desnuda,
de seu manto de vagalumes.

O Ápice - por Cauê Alencar



Era vazio, porém grosseiro em imagem.
Espesso, como as folhas que se viam pelas janelas,
cobertas de orvalho da linda manhã que mostrava-se.

Todos aqui usam branco, assim como eu. São vestes nobres
de ar, o vácuo, nada é mais pesado e nada é mais leve.
Todos caem.
Mas ninguém cai primeiro que outro
Eles já cairam. Fica dificil descrever as breves brisas,
as brisas sutís...
É como ao tocar tal instrumento que não recordo-me o nome,
tocar-lhe, minha querida.
E aqui por onde pensavamos que o amor tivesse abandonado,
novamente o encontrei em teus olhos.
Vejo-te todo dia, e diferente dos outros, tentamos disfarçar a presença
do que não é mais ódio.
Que pena que somos loucos. Por que estamos assim, aqui?
Eles nos pegaram e nos trancaram, calaram-nos, casaram-nos
com a solidão.
Lembra-se do dia em que foi pega? Lembro-me de quando me colocaram aqui.
Foi no dia em que tentei sorrir

O Suíno Roedor - por Cauê Alencar



Nota: Essa história foi elaborada de uma forma curiosa. Entrei no msn de noite, e um amigo disse: Cauê, me conta uma historia sobre suínos roedores, brincando. Eu disse que iria pensar e depois contaria. Ele falou que queria na hora, para distrair, e como quem se deixasse levar pela onda lúdica, comecei a história, que deu nisso ai ^^
Em vastos campos ingleses, longe de civilizações, haviam vários porcos que ali moravam.
A vida era tranquila e luxuosa, eles tinham a melhor grama, bons frutos que caiam das árvores distantes umas das outras, e um ótimo ar puro do campo.
Um certo porco que ali morava tinha como atividade favorita observar a lua e as estrelas à noite. Para ele era fascinante. Gostava de ir, toda noite, a uma colina próxima dali, a mais alta que não ficasse tão longe.
Certo dia, o céu estava particularmente lindo. As estrelas brilhavam instensamente e era noite de lua cheia.
Sem hesitar, o porco dirigiu-se à colina. Chegando lá, deparou-se com uma criatura que nunca havia visto antes.
Inocente, apenas perguntou: estás a observar a lua nesta llinda noite?
A criatura respondeu: oh sim, sim, estou a obervá-la, e você, que fazes por aqui?
Sempre venho aqui pela noite para olhar a lua e as estrelas, vim fazer isso hoje, novamente. Posso juntar-me a você?
Os dois ficaram calados por uns minutos, olhando para cima. Após algum tempo, a criatura, percebendo a fascinação do porco pelo céu, falou:
Que irás fazer quando não poder mais observa-la?
O porco respondeu: sempre poderei observá-la.
A criatura retrucou, impaciente: não! em breve ela será minha e não poderás mas ver este brilho ou sequer este vislumbre atenuado, endendes? só eu vou poder observar tamanha beleza
O porco disse: mas porque faria tal coisa? privaria assim todos os outros de olhar para esta magnífica ilusão
Você não entende, se não cuidamos das coisas como devemos, elas ficam entregues aos ratos, e eu sou o único capaz de cuidar de tal beleza, pois sou o maior em tal planeta
O porco exclamou: piedade! não tomas a lua, que ela saiba que sua magnífica beleza não pode ser de um só!
A criatura disse: não sabes o que falas, és mais um rato que um porco, és a mais desprezivel das criaturas!
A criatura retirou-se, e o porco pois-se a pensar: porque tal criatura faria tal coisa? não era justo, não era válido...
Tempos se passaram.
Estações foram e estações vieram.
E o porco retornou a colina, certa noite, bem mais velho.
E para sua surpresa, reconheceu uma criatura que há tempos havia visto ali
Olá, senhor. falou o porco, caminhando lentamente para o local onde costumeiramente se sentava.
O senhor que ao olhar para o porco deixou-se tomar por uma expressão de nojo, disse: Olá.
Como está o senhor nesta linda noite?

Vou bem, Obrigado. E como você está?
Estou muito bem, obrigado. Disse o porco finalmente sentando-se ao lado do senhor e olhando pra cima.
Sabes, afinal, não consegui compra-la. Falou o senhor olhando a lua
Eu percebi. Falou o porco
E porque está tão feio, com estas deformidades, porco?
Ora, não sou mais o mesmo de antes, vivi uma vida intensa. O senhor também não está lá estas coisas.
O velho resmungou.
O porco disse: sabes, homem, tamanha beleza não pode ser comprada, e algumas coisas não podem ser compradas, outras não podem ser compreendidas.
Cala a boca, porco! não és digno de um porco! és tão porco que passas de porco, chegas a ser um rato, é mais rato que porco!
E o porco virando o rosto para olhar o senhor, solenimente falou:
E tu és mais porco que homem

O Caricaturas parabeniza nesta data, Cacá Araújo !

 Professor, Ator, Diretor de Teatro, Poeta, Dramaturgo, Folclorista.

LA FELICIDAD

Chegará el tiempo
en que las bestias feroces
serón devoradas por la ira de los bravos
y el amargor de la miseria
non mas manchará nuestras noches

El tiempo
en que ofertaremos balas al emperador
non tardará

Non tardará el tiempo
en que nuestros ojos serón felices
e nuestros bezos serón dulces

Chegará el tiempo
en que nuestros deseos serón plata
y seremos ardientes...

Nuestros hijos
poderón sorrir todo el sorriso
que tienen para sorrir

El tiempo chegará...


Cacá Araújo

Mazzaropi


Nome completo Amacio Mazzaropi
Nascimento 9 de abril de 1912
São Paulo
Nacionalidade Brasileiro
Falecimento 13 de junho de 1981 (69 anos)
Taubaté, São Paulo
Ocupação ator, produtor, cantor,
Cônjuge Geny Prado
Trabalhos notáveis Jeca Tatu

Fernando Pessoa(s) - por Ferreira Gullar






(in Folha de São Paulo, Caderno Mais!, 10.11.96)

A matéria poética


Por aí se vê que um personagem não precisa ser fictício para ser dramático, nem é essa condição que lhe empresta dramaticidade. Tampouco necessita, o personagem fictício, fazer parte de uma peça teatral. Alfred Prufrock, do célebre poema da Eliot, é um personagem dramático, como observa Edmund Wilson, porque nos é apresentado em situação dramática. Não é um heterônimo, nada se sabe dele além do que se deduz da própria leitura do poema, que é a expressão mesma de sua dramaticidade, um homem que envelhece solitário e que nunca ousou nada na vida, além de suas tímidas e frustradas fantasias.

Vê-se portanto que a relação de um dramaturgo com seus personagens não é igual à de Fernando Pessoa com seus heterônimos, mesmo porque estes não são a rigor personagens dramáticos. Isso não significa, porém, que não haja diferença entre Pessoa e os heterônimos, que eles não existam enquanto personalidades fictícias por ele criadas ou sejam fruto de mero capricho do poeta.

Não, os heterônimos são expressão necessária da personalidade de Fernando Pessoa, talvez que inicialmente como consequência de uma tendência à mistificação ou à simulação, conforme ele mesmo admite, mas que mais tarde tornaram-se parte essencial de seu universo intelectual, de sua elaboração da matéria poética. A novidade que é a criação dos heterônimos -fenômeno único na história da literatura-, longe de resultar de uma originalidade buscada, nasce das características especiais da personalidade de Fernando Pessoa e mesmo do que se poderia designar como suas deficiências.

É por não ter nunca certeza de nada, é por desconfiar da existência do mundo material à sua volta, por não distinguir firmemente as fronteiras entre o percebido e o pensado, por lhe parecer tão real -ou irreal- o que pensa quanto o que percebe sensorialmente, enfim, por não se saber quem é nem quantos é nem mesmo se é, por tudo isso ele se projetou nesses personagens fictícios, que usam de sua mente e de seu corpo para existir ou, pelo menos, para pensar e escrever. Mas se pode dizer também que é ele que os usa para assim assumir de modo efetivo as diferentes possibilidades de entendimento e indagação da existência que se oferecem à sua vertiginosa e comovida lucidez. Pode-se ainda encarar esses heterônimos com uma busca de alternativa para a visão desencantada e sofrida que se apreende nos versos de Fernando Pessoa-ele-mesmo:

``Com que ânsia tão raiva

Quero aquele outrora!
E eu era feliz? Não sei:
Fui-o outrora agora''
ou
``Sol frio dos dias vãos
Cheios de lida e de calma,
Aquece ao menos as mãos
De quem não entras na alma!''
ou
``Ditosos a quem acena
Um lenço de despedida!
São felizes: têm pena...
Eu sofro sem pena a vida''.


Esse sofrimento vazio, que não decorre das relações afetivas, das paixões e das perdas reais, esse sofrimento que dói mais por parecer fingimento que por parecer real, talvez encontre um consolo quando Pessoa se torna Alberto Caeiro e, na pele dele, vive uma vida menos doída. Como Caeiro, Pessoa aceita a realidade do mundo e se conforma com vê-la, sem se atormentar de indagações:

``Creio no mundo como um
/malmequer
Porque o vejo. Mas não penso nele
Porque pensar é não
/compreender...
O mundo não se fez para /pensarmos nele
(Pensar é estar doente dos olhos)
Mas para olharmos para ele e
/estarmos de acordo
Eu não tenho filosofia: tenho
/sentidos...
Se falo na Natureza não é porque
/saiba o que ela é,
Mas porque a amo, e amo-a por
/isso,
Porque quem ama não sabe o que
/ama
Nem sabe por que ama, nem o
/que é amar...''


Alberto Caeiro é, assim, a manifestação de uma opção filosófica implícita na negatividade da visão de Fernando Pessoa: a descrença na possibilidade de, pela razão, compreender-se o mundo. Mas, em lugar de tal verificação conduzir ao desencanto ou ao desespero, conduz, em Caeiro, à aceitação tácita da realidade. O mundo existe, está aí, basta senti-lo, uma vez que "há metafísica bastante em não pensar em nada", e mesmo porque não há o que indagar, já que

Se Caeiro é a aceitação da vida sem pensar, Ricardo Reis é talvez a aceitação apesar do pensar. Para Caeiro, existir é um fato maravilhoso por si mesmo, e o mundo, que dispensa explicações, não terá tido nem começo nem terá fim, ou pelo menos não importa sabê-lo. Já Ricardo Reis sabe: sabe que o tempo passa e a vida é breve. Mas isso não o perturba:

"Mestre, são plácidas
Todas as horas
Que nós perdemos,
Se no perdê-las,
Qual numa jarra,
Nós pomos flores".


Mas os heterônimos, se são alternativas filosóficas, são também alternativas estilísticas, aliás, como coerente decorrência da visão de mundo que cada um deles esposa. Ricardo Reis -que intensificou e tornou "artisticamente ortodoxo o paganismo descoberto por Alberto Caeiro"- escreve com o distanciamento e a objetividade de um clássico, sendo ao mesmo tempo moderno na exploração consciente da linguagem como matéria semântica e sensorial:

"O rastro que das ervas moles
Ergue o pé findo, o eco que /oco coa,
A sombra que se adumbra,
O branco que a nau larga -
Nem maior nem melhor deixa a /alma às almas,
O ido aos indos. A lembrança /esquece.
Mortos ainda morremos.
Lídia, somos só nossos".


Já Álvaro de Campos não tem nem a tranquilidade saudável de Caeiro nem a indiferença olímpica de Reis: ele é sôfrego, ávido e passional. O que mais pesa nele é a sensorialidade, mesmo a sensualidade, o corpo. Se não se ilude quanto à inutilidade de tudo, tampouco se nega à força da realidade que lhe faz vibrar os nervos:

"E há uma sinfonia de sensações
/incompatíveis e análogas.
Há uma orquestração no meu
/sangue de balbúrdia de crimes.
De estrépitos espasmados de
/orgias de sangue nos mares.
Furibundamente, como um
/vendaval de calor pelo espírito
Nuvem de poeira quente
/anuviando a minha lucidez
E fazendo-me ver e sonhar isto
/tudo só com a pele e as veias!".


Como Pessoa, ele não tolera as verdades definitivas:

"A razão de haver ser, de haver
/seres, de haver tudo,
Deve trazer uma loucura maior
/que os espaços
Entre as almas e entre as estrelas!
Não, não, a verdade não!''.
E nada de conclusões:
``A única conclusão é morrer".

E por ser tão preso aos sentidos, ao corpo, é natural que nele se manifeste o lado feminino de Pessoa, que Pessoa, por temor, reprime:

"Os braços de todos os atletas
/apertaram-me subitamente
/feminino,
E eu só de pensar nisso desmaiei
/entre músculos supostos
Foram dados na minha boca os
/beijos de todos os encontros,
Acenaram no meu coração os
/lenços de todas as despedidas
Todos os chamamentos obscenos
/de gestos e olhares
Batem em cheio em todo o corpo
/com sede nos centros sexuais.
Fui todos os ascetas, todos os
/postos-de-parte, todos os como
/que esquecidos, E todos os pederastas
/-absolutamente todos (sem /faltar nenhum)
Rendez-vous a vermelho e negro
/no fundo-inferno da minha alma!
(Freddie, eu chamava-te Baby,
/porque tu eras louro, branco e
/eu amava-te,
Quantas imperatrizes por reinar
/e princesas destronadas tu
/foste para mim!)''.

Esse dado talvez faça de Álvaro de Campos um heterônimo mais perto de Pessoa que os outros, mais perto da pessoa de Pessoa. Mesmo porque, como o cidadão Fernando Pessoa -ao contrário de Caeiro e Ricardo Reis-, Álvaro de Campos é citadino, urbano, metropolitano, contemporâneo das usinas e da luz elétrica:

"A dolorosa luz das grandes
/lâmpadas elétricas da fábrica
Tenho febre escrevo.
Escrevo rangendo os dentes, fera
/para a beleza disto.
Para a beleza disto totalmente
/desconhecida dos antigos".


Por isso, estilisticamente, ele é "moderno", "futurista", entusiasmado com as novidades da civilização industrial, como um discípulo de Marinetti, que introduz na linguagem poética as palavras desse admirável mundo novo. Louva o cheiro fresco da tinta de tipografia, os cartazes colados há pouco, ainda molhados, os ``vients-de-paraître'' amarelos com uma cinta branca, a telegrafia sem fio, os túneis, o canal do Pananá, o canal de Suez... Álvaro de Campos guia automóvel e faz disso matéria de poema. Nem Caeiro nem Reis seriam capazes de semelhante proeza.

Voltemos à questão do relacionamento de Fernando Pessoa com seus heterônimos. Se esse relacionamento não é o mesmo que o dramaturgo mantém com seus personagens — e estou convencido de que não é —, o surgimento dos heterônimos não foi motivado pela necessidade (própria dos dramaturgos) de dar carne e realidade a personagens e situações. De fato, eles apareceram numa espécie de manifestação mediúnica, conforme conta o próprio poeta:

"Médium, assim, de mim mesmo todavia subsisto. Sou, porém, menos real que os outros, menos coeso (?), menos pessoal, eminentemente influenciável por eles todos. Sou também discípulo de Caeiro, e ainda me lembro do dia —l3 de março de 1914—, quando, tendo 'ouvido pela primeira vez' (isto é, tendo acabado de escrever, de um só hausto do espírito) grande número dos primeiros poemas do 'Guardador de Rebanhos', imediatamente escrevi, a fio, os seis poemas-intersecções que compõem a 'Chuva Oblíqua' ('Orpheu 2'), manifesto e lógico resultado da influência de Caeiro sobre o temperamento de Fernando Pessoa".

Mesma alma e mesmo corpo


Por não terem nascido de situações dramáticas, alheias à vida do autor ou tomadas objetivamente como tais, como a maioria das criações dramatúrgicas, os heterônimos não se desligam de Fernando Pessoa, já que é nele, e não em alguma peça teatral, que eles existem. Não é próprio da criação teatral esse coabitar dos personagens com o autor na mesma alma e no mesmo corpo, senão durante a concepção da peça. Escrita a peça, os personagens —esses fantasmas— abandonam o autor e se transferem para o texto escrito. O autor, por assim dizer, realiza desse modo um exorcismo: livra-se deles.

Os heterônimos, no entanto, jamais abandonam Pessoa, jamais se transferem para seus poemas que, por não serem peças teatrais, não os cabem, não têm neles suas situações de vida. Noutras palavras: os poemas são obras escritas pelos heterônimos e não o lugar em que transcorre sua vida. Eles não habitam os poemas, porque ninguém habita poemas. Eles habitam Fernando Pessoa. Convivem com eles, discutem com ele, misturam sua voz à dele, o influenciam. São portanto parte de Fernando Pessoa e compõem a sua personalidade contraditória e multiforme. Que Pessoa projeta e realiza neles tendências e qualidades pessoais está dito na carta de 13 de janeiro de 1935 a Adolfo Casais Monteiro. Pessoa escreve: "E contudo —penso-o com tristeza— pus no Caeiro todo o meu poder de despersonalização dramática, pus em Ricardo Reis toda a minha disciplina mental, pus em Álvaro de Campos toda a emoção que não dou nem a mim nem à vida".

Ocultismo e visão olímpica


Nada nos autoriza, porém, a afirmar que os heterônimos "são" Fernando Pessoa, uma vez que ele pensa diferente deles1 e, em certas questões, o contrário deles. Dou como exemplo a carta a Marinetti, datada de 1917, em que ele diz que os sentidos só buscam "a razão física, exterior, superficial e empírica", e não a razão metafísica, "que só se descobre pelo pensamento puro, numa pureza inteiramente emocional", Com essas afirmações, Pessoa nega de uma única assentada tanto a visão de Caeiro ("pensar é não compreender") como a de Álvaro de Campos, cujo sistema está "baseado inteiramente nas sensações".

A adesão de Pessoa ao ocultismo contradiz inteiramente a visão olímpica de Ricardo Reis, como também a de Álvaro de Campos —voltado para o dinamismo da vida moderna— e a de Caeiro, para quem "o único sentido íntimo das coisas/ é elas não terem sentido íntimo nenhum". Outras tantas divergências entre Pessoa e seus heterônimos estão nas suas respectivas estatisticas.

Diante dessas constatações cabe perguntar: se os heterônimos não são expressão de situações existenciais específicas, dramáticas; se, portanto, não expressam visões contingentes ou geradas por situações próprias a eles (como Macbeth ou Hamlet) e, ao mesmo tempo, não expressam a visão de Fernando Pessoa, então por que eles os criou? Para contradizer-se? Para, por intermédio deles, manifestar suas contradições sem ter que assumi-las ou negá-las? Se não é por nenhuma dessas hipóteses, talvez reste apenas uma: ele os criou por razões poéticas e não por razões filosóficas; por razões afetivas, emocionais, e não por razões lógicas. Criou-os para exercer as múltiplas virtualidades de seu talento, que mal cabia numa só pessoa. E, por isso, talvez, mais correto séria chamá-lo —desculpem o trocadilho irresistível— Fernando Pessoas.

Tempo, tempo meu - Por Xico Bizerra

“O tempo não para e, no entanto, ele nunca envelhece".
Caetano Veloso, em ‘Força Estranha’

Às vezes quero sair por portas que não existem, portas por mim mesmo inventadas. Quero pular muros que só eu enxergo.
- Calma, Xico, o tempo é o senhor da razão - diz-me a alma, candidamente.
- Eu sei – respondo de mim para mim, mas o tempo corre e talvez não dê tempo. E as horas, que passavam horas pra passar, agora passam em segundos, velozes, num raio de luz. Por que a pressa? Estará a vida em nosso encalço, feito polícia, ávida por nos prender? Por que a correria? O rio em que banhamos nossos pés se desencherá, se não nos apressarmos? A lua deixará de estar lá em cima, prateando nosso chão se, ao invés de ficarmos parados, contemplando, corrermos? O canto dos passarinhos será tão breve que não conseguiremos ouvi-lo? Nosso amanhã se desmanchará se formos pacientes e sonhadores?
Não, não quero a pressa. Quero a paz da calma, o sossego da preguiça, o esperar chegar. Quero a vida, o sonho, o amor. Quero a paz, pra mim, pra nós. Quero o tempo passando preguiçosamente, no compasso certo do tempo. Quero o meu tempo chegando no tempo certo. Não me avexo. Não se avexe. Dêem-me uma rede pra balançar o tempo e fazê-lo dormir, enrolado num lençol de cambraia bem branquinho, cor da paz.

Por Xico Bizerra
Aquarelas
- Claude Bloc -
.
Vida pacata

Caminhos de paz
.
interior... vida interior

Sol causticante

Simplesmente

exuberante, belo e (ir)real !!!

Estas fotos, em seu original, provavelmente não passariam pelo crivo de nosso grande Pachelly. Por isso as ajustei, aquerelei e trouxe aqui para demonstrar que é possível encontrar beleza nas coisas mais simples... nas coisas que muitas vezes descartamos pelo simples fato de não serem perfeitas.
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Foram lances conseguidos a partir da janela fumê de um ônibus em várias viagens empreendidas pelo interior do Ceará (Fortaleza-Sobral). O rodapé dessas fotos mostra, muitas vezes, as marcas da velocidade do veículo: riscos, desfoque, desnível, mas a riqueza das imagens, pelo que representam., não poderia simplesmente ser descartada, ou melhor dizendo deletada.
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Creio que mesmo quem não passou por essas cercanias deve conseguir evocar lembranças de imagens captadas pela retina em algum ponto da memória. Casinhas caiadas abrindo suas portas aos passantes, rios, pontes, serras, estradinhas de terra, gente vivendo, respirando a beleza simples do lugar.
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Deixei de passar por esses recantos sem vê-los. Por mais que eu os (re)veja a cada semana, muitas vezes me emociono. O olhar muitas vezes capta uma cena que toca e que perpetua uma imagem vista, naquele momento, de outra forma. A emoção é inédita embora nunca se tenha pisado naquele solo. Vêm lembranças, umas minhas, outras do tempo. Mas o melhor de tudo é ver que em alguns recantos esse tempo parece não ter passado e as coisas caminham por lá lentamente como era conosco antigamente.
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Espero ter conseguido mostrar o que sinto ao ver, por onde passo, o passo lento da vida em minhas retinas.
Claude Bloc

Cariri Cangaço avisa...

Caros Amigos,

Por ocasião da realização do XII Fórum do Cangaço, iniciativa por demais vitoriosa da SBEC, UERN, SEBRAE e Prefeitura de Mossoró, houve a Assembléia Extraordinária da SBEC - Sociedade Brasileira de Estudos do Cangaço, quando na oportunidade foi eleita a nova diretoria para o biênio 2010-2011.

Tudo sobre o XII Fórum e a Assembléia Extraordinária da SBEC e sua nova Diretoria, você encontra no blog oficial do Cariri Cangaço
cariricangaco.blogspot.com

Abraço Fraterno a todos.

Em agosto temos um novo compromisso.
Cariri Cangaço, a história contada como você nunca viu!

Manoel Severo