Criadores & Criaturas



"Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intata.
"

(Carlos Drummond de Andrade)

ENVIE SUA FOTO E COLABORE COM O CARIRICATURAS



... Por do Sol em Serra Verde ...
Colaboração:Claude Bloc


FOTO DA SEMANA - CARIRICATURAS

Para participar, envie suas fotos para o e-mail:. e.
.....................
claude_bloc@hotmail.com

domingo, 29 de maio de 2011

Duas Versões de - POR CAUSA DE VOCÊ - The Fevers

Para quem sente saudade...

 POR CAUSA DE VOCÊ - The Fevers






TEMPO


“Como o homem seria desgraçado se não tivesse o dom maravilhoso de imaginar, de fantasiar, de sonhar! O que teria sido de mim se todo eu estivesse amarrado a este quotidiano doméstico e social! Mas não. Desde criança que sei que há um reduto inexpugnável: a clandestinidade do espírito."(Miguel Torga)

Muito tenho meditado sobre o tempo e sua não linearidade. Ora, as coisas são contadas por nós mas esta numeração é subjetiva embora pareça exata. Conheço gente de vinte anos mais travada ou impedida do que alguns de oitenta e seis, tendo meu pai como exemplo. Sei de mulheres que vivem uma relação tão solitária e desamorosa que, só quando esta se acaba, é que começam a experimentar verdadeira experiência amorosa com a vida. Ou seja, pode –se , em uma semana, ou até mesmo num dia , viver uma intensidade , um gozo, uma plenitude emocional que os trinta anos anteriores não foram capazes de proporcionar. Há assuntos nos quais me sinto com 5 anos de idade, outros, 180, noutros, um mês. Se para se mudar uma vida basta um dia, esta é única compensação que temos para o inevitável tempo perdido. Minha estratégia é alinhar-me a ele, ao implacável Tempo rei, sabedora de que ele não para e não espera ninguém. Tento ir junto, saboreando o presente, criando alternativas que o otimizem e me adiantem umas “casas” nos departamentos onde o perdi.
Lembrei –me agora de uma vez, no interior do Espírito Santo, em que conheci um lavrador a quem pedi informação e ele, atencioso, seguira ao meu lado pela estrada de terra, para me deixar no destino que eu queria naquela zona rural. O sol da tarde calma, nosso passos e a conversa rolando. Como o é o nome do senhor? Ah, minha fia, meu nome é Rosa. Que bonito, tipo Noel Rosa, Guimarães Rosa, o seu é como? O meu é Rosa Maria. Meu deus, nome de mulher! E o pessoal não ficou de chacota com senhor não? Nada minha fia, é que minha mãe teve nove filhos. Tudo menino-home. Quando chegou na minha vez, que eu sou o último, a parteira falou que mais um que ela tivesse ia virar anjo, porque ela já estava de ventre cansado. Ah, ela não duvidou e falou: “ não quero nem saber, seja home ou mulher, o que sair daqui vai se chamar Rosa Maria. Sempre quis uma filha só pra botar este nome!.” E assim foi, minha fia, era eu e é meu nome. Eu gosto sabe, acho bonito ter nome de flor.
Fiquei olhando aquele homem lindo, muito preto , a pele do corpo sem camisa reluzia fina sobre a musculatura definida pela malhação na lavoura diária. Deve ter uns setenta anos, pensei fixando meus olhos nas mãos calejadíssimas. O cabelo começando a embranquecer na frente a raiz. Quanto anos o senhor tem seu Rosa? Ih, minha fia, agora ocê me apertou sem me abraçar. Ocê sabe que eu não sei?! Então porque o senhor não pergunta à sua mãe. Num cunhici, ela morreu no parto. Depois meu pai até falou de trocar meu nome, mas foi enrolando e não quis trair a vontade dela, né? Mas eu não sei mesmo minha idade. Mas o senhor não faz nem uma idéia assim mais ou menos? Quantos anos o senhor dá pro senhor? Ah, eu já tô aí beirando os quarenta, ou cinquenta, por aí.
Me enterneci. Não tinha importância o código. Não interferia no seu roteiro, não era decisivo no tema da felicidade. Os olhos de Rosa Maria seguiam sorridentes entre a verde mata do norte capixaba e eu encantada ao lado daquela entidade, aquele preto velho com postura de carvalho. Seu Rosa Maria impunha respeito pela sua extrema felicidade e a mim, especialmente encantava por colocar esta subjetividade simbólica numérica no seu devido lugar. Quase chegando na fazenda aonde eu ia, ainda insisti: Será que não há um jeito de o senhor saber ? Óia ,minha fia, tem sim. Diz que lá par cima , ali pertinho da Serra da Boa Vista, mora um que nem eu assim, que eu mamei na mãe dele. Então eu penso em falar com ele e pela idade dele tirar a minha, porque eles falam que nós mamamos na mesma época. A mãe dele inda tá viva. Não é de hoje que tô pra ir lá perguntar a véia, menina, mas cadê tempo?
(Elisa Lucinda)

FONTE: http://www.escolalucinda.com.br
Imagem captada do windows

Luciano - José do Vale Pinheiro Feitosa

O maior sinal da presença de algo vivo, especialmente se um animal, é a modificação que exerce no espaço em que habita. Seja este espaço um local de sedentarismo ou um de caça, colheita ou trabalho. Sendo que as duas últimas são inerentes à humanidade.

Pois Luciano, um Paraibano de Solânia, é a expressão máxima daquela observação. Não mais do que um 1 metro de 66 centímetros, o homem aí dos seus 46 anos, conversa pelos cotovelos. Mas não é balbucio de coisa qualquer. Luciano faz platéia, tem um coletivo de amizade que passa lhe cumprimentado ou se torna freguês da sua barraca de vender coco verde.

Logo depois da curva do Calombo, sentido Túnel Rebouças-Ipanema, na Lagoa Rodrigo de Freitas, numa área em que o terreno desce para a baixada que tem início no arco em frente ao Corte do Cantagalo. A barraca do Luciano fica logo no início desta baixada sob frondosas árvores, próximo ao gramado e a área em volta dela, com mais de mil metros quadrados, sempre está absolutamente limpa.

Não é incomum nas manhãs iniciais de sua atividade ver o Luciano lavando o asfalto da região com algum detergente para retirar o cheiro do xi-xi de cães que levam madames e cuidadores a passear. Tudo absolutamente varrido e nenhum detrito que escape da atividade do paraibano deixa de ir para as lixeiras que espalha para os seus fregueses.

Muito antigamente chegava antes das seis horas. Tinha um senhor que passeava com seus animais que o esperava para dar água de cocô aos referidos. Estes quando viam Luciano descer do ônibus de onde chegava, de São Cristóvão, corriam para ele, abandonando o dono: o homem dos cocos era mais importante.

Mas hoje, com a idade, tem evitado a hora. Especialmente nos feriados e domingos: é dia de assaltante. Pouca gente andando na Lagoa naquela hora torna Luciano o alvo dos malandros que só levam o que levam por que ameaçam. Luciano já levantou facão para o ar como a dizer que tinha arma. Já se afastou do local por observar dois homens assuntando a oportunidade de levar-lhe o que tinha de troco.

Ali na barraca dele tudo é limpo e o incrível do mistério: Luciano olhando para a casca do coco verde, como um leitor de búzios, traduz qual é doce e qual não é. Ele escolhe seus cocos com o fornecedor seguindo tais critérios de quase adivinhação que só não é, pois acerta todas. Como é que você descreve este método? Ele pega dois cocos e diz: não tem como descrever eu sinto olhando para a casca dele. Abre os dois e traduzem o que disse quando a água ainda estava escondida.

Antigamente um coco pagava outros sete, mas hoje, a economia está mais estável: um coco paga dois e meio. Convenhamos, sempre existirá o problema de escala para dar sustento a Luciano, mas com uma margem de lucro desta, incluindo o gelo e o trabalho dele, é uma margem e tanto e o homem tem uma vocação espetacular para atender ao público.

Se todos os atendimentos que existem no mundo fossem daquele modo, a sensação de bons serviços seria fundamental. Olhem que esta coisa não é verdade nem com os médicos que são aqueles humanos que atendem outros em sofrimento. Tem doutor que é tão preguiçoso quanto um porco esparramado na umidade ou seus olhos brilham tantos cifrões que lembram uma cornucópia jorrando.

O general Inverno - Emerson Monteiro



Assisti recentemente ao filme Guerra e Paz (1957), superprodução do diretor americano King Vidor, com Henry Fonda, Audrey Hepburn e Mel Ferrer, dentre outros destaques, que aos dez anos vira pela primeira vez no Cine Moderno, em Crato, bem cuidada e rica montagem cinematográfica do célebre romance de Leon Tolstói, obra imorredoura da literatura universal.

Aprendemos que bom é reler; e, no caso dos filmes, rever. Atualizar a leitura de peças antes conhecidas, quando, então, desaparecerá a ansiedade em conhecer o final, e se mergulhará na interpretação dos detalhes com visão mais ampla e apurada no tempo.

Depois disso, a trama romanceada nos personagens russos das guerras napoleônicas impõe sua força ao decorrer dos acontecimentos, mostrando capacidade extrema daquele povo de resistir aos desafios de sua história. A beleza exótica de Audrey Hepburn domina o papel de Natasha, personagem ingênua, contraponto ideal para mundos em conflito, a inocência original que nutre de ânimo os vencidos. Enquanto que o senso crítico de Pierre (Henry Fonda) conduzirá testemunho do contexto em queda livre diante do inesperado, formulando meios de superar o imperfeito.

Mas o que toca na essência do drama significaria a destruição das tropas francesas em retirada convulsa, vítimas da eficiência do general Inverno, com o que não laborou Napoleão Bonaparte no ímpeto das conquistas, vendo-se em condição de fragorosa decepção, ao furor das baixas temperaturas, da fome e da neve, dizimando preciosos efetivos. Esta lição Hitler não aprenderia, lá na frente, quando jogou os alemães a circunstâncias parecidas, no mesmo território, amargurando a maior derrota das campanhas nazistas aos custos, inclusive, de rendição humilhante na Segunda Grande Guerra, mérito do bem sucedido general Inverno.

Recordo, na fleuma dos soviéticos perante a dor, sua busca pela transformação socialista que propôs e que redundaria no fracasso de 70 anos de vivências do recente século. Com a fibra heróica da civilização milenar, o sonho justo e igualitário ver-se-ia por terra, face às humanas limitações em realizar a perfeição nos grupamentos comunitários. Eles, os russos, chegaram longe nesse projeto de transformação social, contudo haverá longo percurso pela frente até a concretização plena da solidariedade e da paz em termos coletivos, porquanto, no íntimo, o egoísmo ainda impera e detém a consciência das massas. Sem o aprimoramento real dos indivíduos jamais se chegará à verdadeira fraternidade neste chão, pois.

Nossas estradas, que pesadêlo! O DER existe? - Por Heládio Teles Duarte

Foto: Heládio Teles Duarte