Criadores & Criaturas



"Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intata.
"

(Carlos Drummond de Andrade)

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... Por do Sol em Serra Verde ...
Colaboração:Claude Bloc


FOTO DA SEMANA - CARIRICATURAS

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sexta-feira, 31 de julho de 2009

MEDITAÇÕES.por SOCORRO MOREIRA

.

A liberdade de ir além, exige desobediência.
Mas quando chegamos no além,
a gente obedece ao tempo ,
e começa a voar no pensamento.

MEDITAÇÕES.por JOÃO MARNI

Obediência - Observando hoje os pássaros
ao final da tarde, à hora do recolhimento,
Sinto-me irresponsavelmente fora dela.

Para ti - Por Claude Bloc


Foi para ti que abriguei a chuva
que calei o vento
e derramei-me feito perfume
nos confins da terra...
Eu te garanto
não toquei em nada mas para ti foi tudo,
tudo o que escrevi!
.
Para ti, criei todas as palavras
e todas me faltaram
no minuto em que talhei a fruta mais doce
e o sabor do sempre
sempre ficar.
.
Para ti dei voz
ao meu olhar
às minhas mãos
.
Para ti
abri os gomos das horas
verti as gotas do tempo
e voltei á rua
e revi a cidade ...
.
Para ti, sim, para ti
Escrevi este poema
e pensei que tudo estava em nós
desde outrora, nessa doce espera
no engano das horas
de tudo sermos donos,
e nada termos...
.
Para ti escrevi
simplesmente porque era noite e não dormíamos...
.
Para ti dediquei
Verso por verso
Em cada prosa
A cada momento
em que eu descia em teu peito
para me procurar.
.
Por Claude Bloc

M.A.S.A.

Depois da primeira tentativa de chegar à lua, Juvenal fogueteiro literalmente criou asa. Não tinha conseguido o feito porque não pensara naquele pequeno detalhe: mandara o fogo em dia de lua minguante e o artefato desceu na pontinha da lua. Terminou escorregando e se lascando no chão. Depois do pouso da Apolo XI, no Mar da Tranquilidade, Juvenal ficou meio capiongo. Matozinho tinha perdido a corrida espacial, por um detalhe velho muito do besta! Ao invés de baixar a crista, o fogueteiro criou sustança nas canelas. Resolveu construir um foguetão e mandar para lua, agora num dia mais propício. Nessa data que corre lobisomem , ela fica mais perto da terra e o alvo, também, é mais fácil de acertar. Procurou o Coronel Serapião Garrido, militar reformado, e contou das suas pretensões. O coronel animou-se com a idéia: Matozinho ia passar quinau em outras cidades que se diziam muito mais desenvolvidas. Imaginou, por outro lado, que o feito lustraria seus brios de militar reformado e que nunca tinha disparado um tiro sequer em campo de batalha. Serapião impôs prontamente uma regra de difícil exeqüibilidade para o sucesso da missão:
--- Aceito o desafio de chefiar a missão, seu Juvenal, agora sob uma condição: o vôo vai ter que ser tripulado. Não adianta mandar só o foguete que ninguém vai acreditar que o bicho chegou na lua. Tem que ter uma prova! Não é possível que não se encontre um cabra macho para enfrentar o desafio aqui em Matozinho! Se eu fosse mais novo, já estava alistado!
Juvenal concordou com Garrido. Partiu para casa e começou a refazer os cálculos. Agora , com os novos planos, mudava totalmente a logística. O foguete tinha que ir e voltar com o astronauta e as provas do pouso lunar. Como conseguir o intento? Além de tudo, haveria necessidade de roupas e equipamentos especiais . Juvenal conseguiu um gibão, uma perneira , o peitoral e as botas de Antonio de Lausemiro um famoso vaqueiro de Bertioga. O velho Janjão tinha um motozão Índia e aceitou emprestar seu capacete para uma causa tão nobre. Cálculos feitos, projeto pronto, Juvenal seguiu para prefeitura e lá conseguiu convencer o prefeito Sindé Bandeira da importância do feito para a história de Matozinho. Sindé não mediu esforços:
--- Este é um dia histórico, Juvenal, para Matozinho e para o Brasil. Vamos entrar, definitivamente, na era espacial. Vou fundar a MASA – Matozinho Aeronautics and Space Administration. A prefeitura lhe vai dar todos os insumos necessários. Pode ocupar a área que era destinada ao Matadouro Público e que nunca foi terminado.
De posse da carta branca municipal, faltava a Juvenal apenas o detalhe mais crítico. O tripulante. Por mais que procurassem a coisa não estava fácil. A prefeitura prometeu recompensa, mas ninguém se atrevia a pegar no rabo do foguete. Mais uma vez Serapião, presidente nomeado da MASA, foi quem resolveu a pendência. Lembrou de um astronauta em potencial que dificilmente se negaria a encabeçar a missão: Tan-Tan. Ele era um doidinho que vivia nas ruas de Matozinho e que não tinha medo de nada. Montava em burro brabo, comia gafanhoto vivo , pegava cobra com a mão. Tan-Tan, convidado, aceitou de pronto a missão, exigiu como recompensa apenas um queijo de manteiga e uma lata de doce de leite.
A construção do foguete de Juvenal durou mais de três meses. Cortaram um imenso pé de braúna, esvaziaram o miolo do bicho e pegaram a socar pólvora. Gastaram mais de dez quilos só no foguete de ida. Pregado a ele, ao contrário, rabo com cabeça, ia o foguete de volta., Tan-Tan , após o passeio lunar, foi orientado a acender o bicho e voltar para terra de novo, com a prova da missão realizada: uma peça do arreio do cavalo de São Jorge !
No dia aprazado, um sábado de Lua Cheia, estrategicamente escolhido, toda Matozinho se espremia defronte do Matadouro Municipal que abrigava os dois foguetões amarrados um ao outro com cordas de agave e apontados para o firmamento. No meio, tinham ajustado um esqueleto de bicicleta, justamente onde Tan-Tan se acomodou , devidamente paramentado. Depois, os discursos de praxe:
--- Este é um pequeno vôo para Tan-Tan, mas um grande salto para Matozinho!
Já anoitecendo, quando a lua começou a vazar sangrando no horizonte, apontaram o foguete na direção do planeta e Juvenal acendeu o estopim. O foguete desapareceu numa imensa nuvem de fumaça, soltando fogo para tudo quanto é lado. Subiu fazendo pirueta, parecendo rabo de égua. Ouviam-se , em meio à fumaceira, os gritos e gargalhadas de Tan-Tan. O povo , temendo uma explosão, saiu correndo desesperado. Pelo chão ficou um sem número de objetos.
Passados os dias, Tan-Tan não retornou e não mandou notícia. Um mês depois , Juvenal e Garrido entraram vexados na prefeitura. Finalmente haviam tido os primeiros sinais de Tan-Tan na lua. Um foguete velho todo queimado havia sido encontrado por um caçador, na Serra da Jurumenha, junto com um chaveiro cheio de chaves. Juvenal explicou:
--- O foguete voltou. Achamos que Tan-Tan , aluado como era, se deslumbrou com a lua e resolveu ficar por lá. Mandou o foguete de volta apenas com a prova da sua chegada nos solo lunar!
O prefeito Sindé não entendeu:
--- Mas como, ele mandou algum arreio do cavalo de São Jorge ?
--- Não, mas mandou esse chaveiro cheio de chaves...
Sindé ,confuso, pergunta:
--- Mas o que é que diabos tem a ver chave com São Jorge, pelo amor de Deus?
Juvenal explicou:
--- Cavalo, que cavalo! O homem ta moderno,meu Senhor, foi do tempo de cavalo, São Jorge agora usa é Moto ! Ói as chaves dela aqui que Tan-Tan mandou!

J. Flávio Vieira

saudade

perdido nesta sala
cadê você?
os olhos ardem na sua ausência
a música invade a noite
a noite sou eu escuro de você

sem a luz do seu rosto para me acalmar
é duro dizer
não passo de um barco sem mar

perdido nesta sala
todos os dias intermináveis
quase morto
estou um barco num mar sem porto

enfim
estou aqui
sem o aqui está em mim

O Erotismo Poético de Gilka Machado


Gilka da Costa de Melo Machado (Rio de Janeiro RJ 1893 - idem 1980). Publicou seu primeiro livro de poesia, Cristais Partidos, em 1915.
Na época, já era casada com o poeta Rodolfo de Melo Machado. No ano seguinte, ocorreu a publicação de sua conferência A Revelação dos Perfumes, no Rio de Janeiro. Em 1917 saiu Estados de Alma; seguiram-se Poesias, 1915/1917 (1918); Mulher Nua (1922), O Grande Amor (1928), Meu Glorioso Pecado (1928), Carne e Alma (1931).
Em 1932 foi publicada em Cochabamba, na Bolívia, a antologia Sonetos y Poemas de Gilka Machado, prefaciada por Antonio Capdeville. Em 1933, Gilka foi eleita "a maior poetisa do Brasil", por concurso da revista O Malho, do Rio de Janeiro.
Foram lançadas, nas décadas seguintes, suas obras poéticas Sublimação (1938), Meu Rosto (1947), Velha Poesia (1968). Suas Poesias Completas foram editadas em 1978, com reedição em 1991. Poeta simbolista, Gilka Machado produziu versos considerados escandalosos no começo do século XX, por seu marcante erotismo.
Para o crítico Péricles Eugênio da Silva Ramos, ela foi a maior figura feminina de nosso Simbolismo,em cuja ortodoxia se encaixa com seus dois livros capitais, Cristais Partidos e Estados de Alma?
Biografia: http://www.itaucultural.org.br/

Livros: Cristais partidos (1915), Estados da alma (1917), Poesias (1918), Mulher nua (1922), Meu glorioso pecado: amores que mentiram, que passaram o grande amor (1928), Sublimação (1918).

LÉPIDA E LEVE

Lépida e leve
em teu labor que, de expressões à míngua,
o verso não descreve...
Lépida e leve,
Guardas, ó língua, em teu labor,
gostos de afago e afagos de sabor.

És tão mansa e macia,
que teu nome a ti mesma acaricia,
que teu nome por ti roça, flexuosamente,
como rítmica serpente,
e se faz menos ruído,
o vocábulo, ao teu contato de veludo.

Dominadora do desejo humano,
Estatuária da palavra,
ódio, paixão, mentira, desengano,
por ti que incêndio no Universo lavra!...
És o réptil que voa,
o divino pecado
que as asas musicais, às vezes , solta, à toa,
e que a Terra povoa e despovoa,
quando é de seu agrado.

Sol dos ouvidos, sabiá de tato,
ó língua-idéia, ó língua-sensação ,
em que olvido insensato,
em que tolo recato,
te hão deixado o louvor, a exaltação!

- Tu que irradiar pudeste os mais formosos poemas!
- Tu que orquestrar soubeste as carícias supremas!
Dás corpo ao beijo, dás antera à boca, és um tateio de alucinação,
és o elastério da alma... Ó minha louca
língua, do meu Amor penetra a boca,
passa-lhe em todo senso tua mão,
enche-o de mim, deixa-me oca...
- Tenho certeza, minha louca,
de lhe dar a morder em ti meu coração!...

Língua do meu Amor velosa e doce,
que me convences de que sou frase,
que me contorrnas, que me vestes quase,
como se o corpo meu de ti vindo me fosse.
Língua que me cativas, que me enleias
os surtos de ave estranha,
em linhas longas de invisíveis teias,
de que és, há tanto, habilidosa aranha...

Língua-lâmina, língua-labareda,
Língua-linfa, coleando, em deslizes de seda...
Força inferia e divina
faz com que o bem e o mal resumas,
língua-cáustica, língua-cocaína,
língua de mel, língua de plumas?...

Amo-te as sugestões gloriosas e funestas,
amo-te como todas as mulheres
te amam, ó língua-lama, ó língua-resplendor,
pela carne de som que à idéia emprestas
e pelas frases mudas que proferes
nos silêncios de Amor!...

Hoje não tem fita ...Tem papel ! - Por Zélia Moreira


Hoje, a Zélia apaixonada por cinema e música tirou folga.Deixou no seu lugar a que adora poesia.
Por falar em poesia, tenho com ela um caso de amor antigo e mal resolvido .
Durante muito tempo fui uma poetisa frustrada, até o dia em que assisti o filme "O Carteiro e o Poeta ".Num diálogo entre Pablo Neruda e o carteiro Mário Ruoppolo ,ele(o poeta) diz: "A palavra depois de escrita é de quem dela precisa.."
Era tudo que eu gostaria de ouvir. Faço de vez em quando minhas as palavras dos poetas, respeitando a autoria, claro!
Dia Mundial do Orgasmo , lembrei-me de Carlos Drummond de Andrade e seu livro "Amor Natural ".
São poesias eróticas( nada pornográficas), que assinadas pelo grande poeta, dispensa comentários.

SEM QUE EU PEDISSE FIZESTE-ME A GRAÇA.

Sem que eu pedisse, fizeste-me a graça
de magnificar meu membro.
Sem que eu esperasse, ficaste de joelhos
em posição devota.
O que passou não é passado morto.
Para sempre e um dia
o pênis recolhe a piedade osculante de tua boca.

Hoje não estás nem sei onde estarás,
na total impossibilidade de gesto ou comunicação.
Não te vejo, não te escuto, não te aperto
mas tua boca está presente, adorando.

Adorando.

Nunca pensei ter entre as coxas um deus.

Escutatória - Rubem Alves


(Casa de João Marni - foto by Nilo Sérgio)

Rubem Alves (educador, teólogo, psicanalista e escritor, nascido em Minas Gerais em 1933)

Sempre vejo anunciados cursos de oratória. Nunca vi anunciado curso de escutatória. Todo mundo quer aprender a falar. Ninguém quer aprender a ouvir.

Pensei em oferecer um curso de escutatória, mas acho que ninguém vai se matricular.
Escutar é complicado e sutil.

Diz Alberto Caeiro (o mestre de todos os heterônimos de Fernando Pessoa) que “Não é bastante não ser cego para ver as árvores e as flores. É preciso também não ter filosofia nenhuma. Filosofia é um monte de idéias dentro da cabeça sobre como são as coisas. Para se ver, é preciso que a cabeça esteja vazia.”

Parafraseio o Alberto Caeiro: não é bastante ter ouvidos para ouvir o que é dito. É preciso também que haja silêncio dentro da alma. Daí a dificuldade: A gente não agüenta ouvir o que o outro diz sem logo dar um palpite melhor. Sem misturar o que ele diz com aquilo que a gente tem a dizer. Como se aquilo que ele diz não fosse digno de descansada consideração. E precisasse ser complementado por aquilo que a gente tem a dizer, que é muito melhor. Nossa incapacidade de ouvir é a manifestação mais constante e sutil de nossa arrogância e vaidade. No fundo, somos os mais bonitos...

Tenho um velho amigo, Jovelino, que se mudou para os Estados Unidos estimulado pela revolução de 64. Contou-me de sua experiência com os índios: reunidos os participantes, ninguém fala. Há um longo, longo silêncio. Vejam a semelhança. Os pianistas, por exemplo, antes de iniciar o concerto, diante do piano, ficam assentados em silêncio. Abrindo vazios de silêncio. Expulsando todas as idéias estranhas. Todos em silêncio, à espera do pensamento essencial. Aí, de repente, alguém fala. Curto. Todos ouvem. Terminada a fala, novo silêncio. Falar logo em seguida seria um grande desrespeito, pois o outro falou os seus pensamentos. Pensamentos que ele julgava essenciais. São-me estranhos. É preciso tempo para entender o que o outro falou. Se eu falar logo a seguir são duas as possibilidades. Primeira: Fiquei em silêncio só por delicadeza.
Na verdade, não ouvi o que você falou. Enquanto você falava, eu pensava nas coisas que iria falar quando você terminasse sua (tola) fala. Falo como se você não tivesse falado. Segunda: Ouvi o que você falou. Mas, isso que você falou como novidade eu já pensei há muito tempo. É coisa velha para mim. Tanto que nem preciso pensar sobre o que você falou. Em ambos os casos, estou chamando o outro de tolo. O que é pior que uma bofetada. O longo silêncio quer dizer: Estou ponderando cuidadosamente tudo aquilo que você falou.

E, assim, vai a reunião. Não basta o silêncio de fora. É preciso silêncio dentro. Ausência de pensamentos. E aí, quando se faz o silêncio dentro, a gente começa a ouvir coisas que não ouvia.
Eu comecei a ouvir. Fernando Pessoa conhecia a experiência. E se referia a algo que se ouve nos interstícios das palavras. No lugar onde não há palavras. A música acontece no silêncio. A alma é uma catedral submersa. No fundo do mar - quem faz mergulho sabe - a boca fica fechada. Somos todos olhos e ouvidos. Aí, livres dos ruídos do falatório e dos saberes da filosofia, ouvimos a melodia que não havia. Que de tão linda nos faz chorar. Para mim, Deus é isto: A beleza que se ouve no silêncio. Daí a importância de saber ouvir os outros: A beleza mora lá também.
Comunhão é quando a beleza do outro e a beleza da gente se juntam num contraponto.

Haikus - por Cesar Augusto

Vento deflora


uma árvore virgem


com ar estéril.



Soldado morto

vende suas entranhas

ao açougueiro.


Vozes na madrugada - Por Emerson Monteiro

Passada a guerra, em 1945, enquanto aguardavam terminar a casa que meu pai construía em uma colina fronteira ao pátio da pequena povoação, próxima da capelinha, meus pais ocuparam alguns meses uma das dependências da casa grande da fazenda.
Haviam casado em Crato, e logo se deslocaram para o município de Lavras da Mangabeira, onde, no Tatu, fixariam residência, nessa propriedade dos meus avós paternos.
O lugar guardava existência própria, na simples precariedade que detinha. Uma dúzia de casas de taipa habitadas por famílias de agregados. Dois açudes. Canavial. Moagem. Lavouras de subsistência no incerto período chuvoso. Arroz. Feijão. Milho. Fruteiras. Além da fama misteriosa de mal-assombrado.
Minha trisavó, Fideralina Augusto escolhera, na segunda metade do século anterior, estabelecer ali a sede do clã que formaria, filhos e genros senhores de baraço e cutelo na política e nas terras em volta. Construíra engenho a boi, o açude maior, uma casa senhorial e, no contar dos mais antigos em serões intermináveis, deixara enterrada botija de moedas de ouro, prata e ouropéis preciosos.
Desde sua morte, em 1919, vitimada por febre destruidora espalhada no mundo, vezes tantas apareceu nos sonhos, ou em vulto, causando transtorno fora e dentro dos antigos domínios. Queria a todo custo entregar o legado aos que ficaram, para escapar das chamas do engano e da maldição das almas penadas.
Minha mãe buscava não se impressionar com as histórias das aparições da matriarca. De formação católica, nutria outros pensamentos a respeito daquilo. Punha as histórias de alma na caixa do folclore, das tradições e lendas sertanejas, coisas de tipo fantasioso.
O tempo, senhor de tudo, no entanto, desfilava dias e noites e modifica até os mais arraigados conceitos.
Naquela hora, ainda acordada no meio de uma madrugada fria, escutava as rajadas do vento no escuro quando ouviu, de longe, o trotar de montarias. Vinham se aproximando. Pela estrada, percorriam o lado da bagaceira do engenho, passavam no terreiro da casa e mergulhariam pelo beco formado entre a casa grande e o engenho, indo desembocar no alto da parede do Açude Velho, fonte da água das imediações. Ao final, uma cerca de vara trançada e cancela que batia forte à passagem dos viventes, eco a deslizar na mata abaixo do açude.
O som da pisada dos animais chegava mais perto, realçando o vazio silencioso da solidão. Quase defronte da casa, vozes se destacavam em animada conversação.
- Hoje seu Amâncio começou a moer foi cedo?! – distinguiu nítidas as palavras de um dos cavaleiros.
Até então, nada incomum. No instante, contudo, ela lembrou ser dia de domingo, o feriado da semana, em que não se moia, a tornar irreal e estranho aquele comentário, a causar medo de ouvir sem uma razão que justificasse.
Ainda sob o impacto da afirmação desencontrada, frêmito percorreu seu corpo de cima a baixo, sob os lençóis, enquanto o tropel marchava adiante, deixando-lhe gravado no coração, naqueles vagos adormecidos, o ferro sombrio do inexplicável, presença constante na fase que viveria no sítio desde essa noite.



UM LONGO DIA



Ah! Tu não imaginas como são longos

Estes dias sem a tua presença amiga.

Correm morosos. e os minutos?

Estes se arrastam que nem carro de boi gemedor.

Passeio os meus olhos por estas velhas ruas

Do meu Recife a procurar teu rosto.

Vagueia o pensamento solitário por estas torres

E campanários,revolteando perdidamente livres

Em doces recordações de madrugadas convividas.

Ah! Não imaginas como é longo um dia...

Gostaria de não ter a mínima paciência e correr a teu encontro,

Ouvir histórias, descobrir teus segredos bem guardados.

Fazer amor ao entardecer, e já vindo a noite, te fazer dormir

Acariciando estes cabelos negros, soltos, livres

Como um mustang selvagem!

Quando estiveres comigo vou desejar dias assim... sem fim!




A DOR É SÓ MINHA

O vento gelado açoita meu rosto

E vai congelando devagar meu sorriso.

Os nervos crispados

Anunciam a metamorfose.

Sinto a falta dos teus pés

Na minha estrada, na viagem que você

Não fez pra dentro de mim.

Dói esta saudade do que não vivi...

Dos degraus que desci e te perdi.

Dói cada minuto do tempo perdido

Dos sonhos desfeitos

Que não tem volta e nem jeito (?)

Que dor é esta que vai e volta

Que sangra e para

Que une com dois pontos firmes

O Passado e o presente?

Cama suja

Luiz Felipe Pondé

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Desconfio das bobagens juradas contra o sexo e o amor atormentados pelo pecado
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NO FUNDO, desconfio muito dessa coisa de ética. Antes de tudo porque a palavra "ética" é como "energia", cabe em qualquer lugar. Ética profissional, ética no amor, ética com a natureza, ética na cama. Falando especificamente de cama, quanto mais suja, melhor. Quando ouço alguém falar em nome da ética, fujo.

Prefiro mentirosos inseguros. Os hábitos civilizados dependem mais da mentira do que da verdade.

Claro que não se trata de desprezar a sólida tradição da ética na filosofia: Aristóteles e sua ética das virtudes e do caráter; Kant e sua busca insaciável por regras universais de comportamento; ou os utilitaristas ingleses e os céticos escoceses, e a sensibilidade de ambos para com os limites psicológicos da moral presente no reconhecimento do horror ao sofrimento e da preponderância do hábito e dos afetos sobre ideais abstratos de "bem" ou de "justiça" como verdadeiros critérios da vida moral.

Por exemplo, o que vem a ser "ética no amor"? Dizer pra ela que está gorda? Ou dizer pra ele que seu desempenho está abaixo de seus outros amantes? Ou seja: é dizer sempre a verdade?

Outro tipo que me põe correndo é gente bem resolvida com seus afetos. Só confio em quem enlouquece de ciúme, em quem perde a cabeça quando sua mulher ou seu marido está conversando com alguém do sexo oposto com cara de quem achou um espécime interessante na festa. Aceitar que sua mulher ou seu marido está a fim de outra pessoa e ficar de bem com isso é papo de gente imatura. Ou de quem, na verdade, não ama. Amar é ficar fora de si ou ficar bem consigo mesmo porque não ama mais. Não existe gente bem resolvida, só gente indiferente.

Todavia, com o tempo e as frustrações, a maioria de nós chega à triste conclusão de que é mais feliz quem é mais indiferente.Aliás, a partir de determinada idade, achar alguém interessante é tarefa para deuses. Com o tempo, temos a impressão que só existem três tipos de pessoas com três tipos de problemas básicos. Suas vidas são comuns; seus anseios, banais; seus desejos, mesquinhos.

Cheias de amores malsucedidos, quanto mais experiência amorosa, mais previsível.

Bobagem essa coisa de dizer sempre a verdade. Coisa de gente que não conhece gente e pior, gente que não gosta de gente. Nesse assunto, não existem imperativos categóricos (leis morais universais à la Kant). Aliás, o grande filósofo alemão Kant era muito bom de filosofia, mas não entendia nada de como as pessoas cheiram ou suspiram.

Por exemplo, tirem o pudor do amor e do sexo, e eles desaparecem. A simples suspeita de que o inferno te espera por culpa de tua fraqueza torna o amor e o sexo dádivas das deusas. Como se com elas deitássemos às escondidas. Por isso minha desconfiança visceral com as bobagens juradas contra o sexo e o amor atormentados pelo pecado.

Já disse antes que confio mais no fígado do que no cérebro, hoje diria que confio mais na alma afogada nas secreções do desejo do que na higiene das santas e honestas. Não há nenhum dos dois (sexo e amor) se não existir a ameaça da condenação. O medo aqui é como uma saia curta que esconde, entre as pernas, uma alma ansiosa. A banalidade da nudez contemporânea é a prova cabal contra o discurso dos afetos bem resolvidos. Neste sentido, os medievais, aliás, como numa série de outras coisas (o leitor dirá "sempre desconfiei que este colunista fosse um medieval"), sabiam mais do que nós, bobos da razão.

Qualquer boa literatura romântica medieval sabe que amor e sexo estão intimamente ligados ao inferno nas paixões. Ninguém ama no paraíso, argumento final contra a salvação. Mesmo na Bíblia, no Cântico dos Cânticos, aquele livro considerado pela tradição judaica como o mais sagrado dos livros sagrados, encontramos a advertência da amada, a heroína da narrativa: "filhas de Jerusalém não despertem o amor de seu sono... a paixão é um inferno".

Mulheres sempre foram vistas como especialistas no amor, talvez pela imagem ancestral de que nunca foram seres iludidos pela razão, mas sempre torturadas pelo desejo. Para mim está é a maior das provas de que cegos são os homens que as veem como inferiores.

Divago, dirá meu caro leitor. Sim, divago, mas não deliro. Como se num voo, do alto, contemplasse homens e mulheres vagando por um continente abandonado, fugindo da própria sombra. Pessoalmente vejo a ética como o combate supremo do homem com o animal que o devora.


...No dia mundial do orgasmo- Carlos Drummond !




AMOR E SEU TEMPO

Amor é privilégio de maduros
estendidos na mais estreita cama,
que se torna a mais larga e mais relvosa,
roçando, em cada poro, o céu do corpo.

É isto, amor: o ganho não previsto,
o prêmio subterrâneo e coruscante,
leitura de relâmpago cifrado,
que, decifrado, nada mais existe

valendo a pena e o preço terrestre,
salvo o minuto de ouro no relógio
minúsculo, vibrando no crepúsculo.

Amor é o que se aprende no limite,
depois de se arquivar toda a ciência
herdada, ouvida. Amor começa tarde.
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Amar

Que pode uma criatura senão,
entre criaturas, amar?
amar e esquecer,
amar e malamar,
amar, desamar, amar?
sempre, e até de olhos vidrados, amar?

Que pode, pergunto, o ser amoroso,
sozinho, em rotação universal, senão
rodar também, e amar?
amar o que o mar traz à praia,
e o que ele sepulta, e o que, na brisa marinha,
é sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia?

Amar solenemente as palmas do deserto,
o que é entrega ou adoração expectante,
e amar o inóspito, o áspero,
um vaso sem flor, um chão de ferro,
e o peito inerte, e a rua vista em sonho,

e uma ave de rapina.

Este o nosso destino: amor sem conta,
distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas,
doação ilimitada a uma completa ingratidão,
e na concha vazia do amor a procura medrosa,
paciente, de mais e mais amor.

Amar a nossa falta mesma de amor, e na secura nossa
amar a água implícita, e o beijo tácito, e a sede infinita.

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O Chão é a cama

O Chão é a cama para o amor urgente,
O amor não espera ir para a cama.
Sobre o tapete no duro piso,
a gente compõe de corpo a corpo a última trama.
E para repousar do amor, vamos para a cama!


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Fácil é abraçar, apertar as mãos, beijar de olhos fechados.
Difícil é sentir a energia que é transmitida.
Aquela que toma conta do corpo como uma corrente elétrica

quando tocamos a pessoa certa.

.
Carlos Drummond de Andrade

Das remessas por e-mail de Francini nos seus 16 anos

Este blog foi inventado por mulheres com a ajuda de dois grandes sujeitos do masculino pleno. Por isso não é demais postar o que tantos já fizeram. Ouso cair na mesmice, mas a verdade é que me tomo por referência, cada prato de arroz com feijão tem um sabor do dia. Mesmo fazendo o mesmo vôo lá:

Ana Kessler: Eu me habilito.

Minha cara botão de rosa, vestida em pensamento de mulher prosa.

Eu me habilito.

A jamais cobrar a costela que me roubaste.
Quando Gabriel expulsou-me do Paraíso,
levei-o comigo, um pedaço, feito tu.
Quando nossas vozes chorou no exílio de Nabucodonosor,
o doce canto era teu.

Prometo-te todas as estrelas,
a lua também,
quando tudo farei,
mesmo não indo além.

A minha natureza é cortar os galhos da floresta para que teu corpo trilhe solto.
Se teu semblante guerreiro afrontar-me flecha,
dos cabelos mover-me sequer uma mecha.
Quando presidires o congresso dos homens,
conduza-os com teu pleno instinto que gesta.

A decisão que nutre,
o outro que se cria,
nem maior e nem menor,
apenas como tu és.

Pois de outra mulher,
mesmo feminista,
o laço não se armou,
estava fora,
na produção.

A vida,
movida,
tangida,
subidas,
descidas,
saltos e atrasos resumira-se a meras jornadas.

Estiradas,
sulcadas feito disco gravado,
repetidas qual o passado que fala pelo presente.

Não esteve,
em ti e nem em outra,
a correia que move as engrenagens fabris.

Pois o maior dos erros é pensar em ti como parte duma caterpilar que esmagava,
Com as garras de suas esteiras,
como se este fosse um gesto de gênero,
feminino ou não.

Habilito-me a curtir o couro que tuas mãos soltam monções de artesanatos,
Secar a madeira que lentamente espelhará o formato incerto que teu corpo esconde.
A alma que faz brigadeiros,
papos de anjo,
toucinhos do céu,
ajoelhando-me por ti.

Como tanto a teu cérebro frenético ou aquele que recusa sair da cama.
Tanto ao teu corpo nu,
como à fantasia de extrair-lhe espartilhos e sutiãs.
Se algo confuso estou,
nem sempre se deva a papel teu,
pois paixão também entontece.

Seja o que fores,
o que ainda estar por vir,
ou jamais virá,
vivo porque és mulher.


Afinal sou apenas um José do Vale apaixonado por vocês.

Poema-Orgasmo- Por José Carlos Ary dos Santos

De sílabas de letras de fonemas
se faz a escrita. Não se faz um verso.
Tem de correr no corpo dos poemas
o sangue das artérias do universo.

Cada palavra há-de ser um grito.
Um murmúrio um gemido uma erecção
que transporte do humano ao infinito
a dor o fogo a flor a vibração.

A Poesia é de mel ou de cicuta?
Quando um Poeta se interroga e escuta
ouve ternura luta espanto ou espasmo?

Ouve como quiser seja o que fôr
fazer poemas é escrever amor
e poesia o que tem de ser é orgasmo.

ARY DOS SANTOS, José Carlos, "Obra Poética", Edições Avante, Lisboa, 1994, p.415

(Hoje é dia Mundial do Orgasmo)

PENSAMENTOS PARA O DIA – CHICO XAVIER



(texto retirado da Internet - SEJAM BEM-VINDOS AO MEU BLOG: http://bernardomelgaco.blogspot.com)

"Eu permito a todos ser como quiserem e a mim como devo ser."
Chico Xavier

3 frases

Concentre-se nas frases abaixo:

'Para obter algo que você nunca teve, precisa fazer algo que nunca fez'.

'Quando Deus tira algo de você, Ele não está punindo-o, mas apenas
abrindo suas mãos para receber algo melhor'.

'A Vontade de
Deus nunca irá levá-lo aonde a Graça de
Deus não possa
protegê-lo'.
-----------------------------------------

(http://www.google.com.br/imgres?imgurl=http://botecoliterario.files.wordpress.com/2007/06/chico-xavier.jpg&):

“Cumpramos os nossos deveres, sabendo que a nossa responsabilidade tem o tamanho do nosso conhecimento”

(Chico Xavier, Programa Pinga Fogo 1972)
“Fico triste quando alguém me ofende, mas, com certeza, eu ficaria mais triste se fosse eu o ofensor… Magoar alguém é terrível!”

“A vida, como a fizeres, estará contigo em qualquer parte. “

Estresse crônico dificulta decisões



(http://br.noticias.yahoo.com/s/afp/090730/saude/eua_ci__ncia_animais)
Qui, 30 Jul, 07h53

CHICAGO, EUA (AFP) - O estresse crônico afeta o cérebro dos ratos de laboratório de tal modo que tomam decisões de memória no lugar de mudar o comportamento para obter recompensas, revela um estudo da Universidade do Minho (Portugal) publicado nesta quinta-feira na revista Science.

O estresse crônico também modifica o comportamento e a memória, e a liberação de hormônios afeta o cérebro.

Para determinar o impacto sobre a tomada de decisões, os pesquisadores portugueses submeteram a testes diferentes tipos de ratos.

Nestes testes, os ratos podiam mover alavancas para ganhar recompensas, como torrões de açúcar, e os animais estressados empurravam a mesma alavanca, mesmo que não recebessem recompensa.

O exame dos cérebros de ratos submetidos a diversos fatores de estresse durante 21 dias mostrou que duas áreas do cérebro envolvidas na tomada de decisões estavam atrofiadas.

Uma terceira zona do cérebro, que se utiliza para formar a rotina, se expandiu nos ratos estressados.

A alteração para a tomada de decisões por memória pode ser um mecanismo para ajudar os animais estressados a preservar sua energia, mas é algo "altamente contraproducente" quando anula a capacidade de adaptação às mudanças do ambiente, escreveu o autor do estudo, Eduardo Dias-Ferreira, da Universidade do Minho.

Repentes nos bastidores - Claude, Magali, Carlos, César, Socorro e Anita


(Foto: Pachelly Jamacaru )
Fui cigana nessa vida
a sorte, aprendi a ler
na dança do fogo eu giro
o fogo tem seu poder
Porém só tenho um Deus
não sirvo a dois senhores
Mas prezo os escritores.

Minha mãe fazia a feira
Levando um grande balaio
Abastecia a fruteira
E eu dizia : de fome não caio !

flores enfeitam o olhar
deixam a vida perfumada
no campo do meu sonhar
a flor está camuflada

Gosto de fruta madura
Gosto do sumo da cana
Gosto de beijo na boca
Gosto de saudade louca

Entre esses gostos que existem
Não há nenhum gosto melhor
que o teu olhar quando brilha,
esse gosto sei de cor.

Se falta brilho na casa
eu encero tua lembrança
ou abro a minha janela
e espreito os passantes

Os passos e os pensamentos
se encontram na mesma rua
que já mudou de asfalto
tomara que a gente viva
o buraco que faltava

Aqui nesse blog novo
Poetisas eu encontro
Estou junto do meu povo
Neste grande reencontro

Peço que por piedade
Tenham pena do coitado
Que só sabe na verdade
Rimas de pé quebrado

Barbalha de Santo Antonio
Barbalha do Cariri
Uniu-se com Juazeiro
Ficou mais perto de mim
Agora quem pode tanto
com o danado do triângulo ?

A vivência de um amor
Também tem grande amizade
Exige respeito e fervor
Com muita fidelidade.

Carinho , diz a canção
na esquina não se compra
A pessoa carinhosa
é pródiga de muito encanto.

Vixe, como é difícil
fazer a danada da trova
é preciso muita emoção,
muita ternura na alma
e amor no coração
.
Tudo que se diz fácil
inibe nosso desejo
mamão com açúcar é fácil
rimar flor com amor
é besteira
mas na cartilha da gente
todo mundo é escritor
E o César Augusto, também !

Socorro você é gentil,
muito mais que generosa
reparto minha merenda
sua amizade é honrosa.

O César esqueceu do mote
Deixa grande a confusão
Não nos faça dançar xote
Põe um mote meu irmão!

Sapoti fruta gostosa
doce como um beijo casto
prometo pedir respaldo
ao meu amigo Esmeraldo
para quando esquecer o mote
nâo fazê-lo dançar xote

Dançar de rosto colado
nunca foi pecaminoso
mas tem que ser com o amado
senão não fica gostoso

Só está faltando o baile
e um bolero bem saudoso
falta tambem o meu par
que eu perdi nem sei o ano
portanto devo dançar
solta , e sem acompanhante.

O sono já vem chegando
Vem subindo a ladeira
Quando eu estou com sono
Fico falando besteira.

Mote: Sina

Blindados - E morreram como ratos ...- Por Joaquim Pinheiro

Muitos textos falando em corrupção sugerem que tudo começa com os mandatários ou partido no poder no momento. Foi assim, no regime militar, no governo Sarney, Collor, FHC e agora com Lula. Os novos escândalos se sobressaem sobre os de ontem e estes terminam esquecidos. Quase ninguém é punido, menos ainda perdem os bens adquiridos ou devolvem os recursos desviados do povo. Em Pernambuco houve um caso emblemático, resultou em 17 mortes, não se apurou nada, ninguém foi sequer indiciado.

Em 1928, o Governo de Pernambuco adquiriu dois carros blindados dos Estados Unidos. Os veículos deveriam ser iguais aos que a Polícia de Chicago utilizava para enfrentar o crime organizado. Custaram uma fortuna. Um dos argumentos para a aquisição era enfrentar os cangaceiros que imperavam no interior do Estado, principalmente Lampião, no auge da sua atuação. De saída, descobriu-se que os tais artefatos não teriam utilidade, já que os cangaceiros andavam nos matos, longe das estradas. Assim, sem ter como empregá-los, foram recolhidos e escondidos no pátio do Palácio do Governo e lá ficaram por dois anos.

Quando tropas do Exército, junto com estudantes e populares se rebelam contra a república velha e ao lado do movimento encabeçado por Getúlio Vargas, o então Governador de Pernambuco, Estácio Coimbra lembrou-se dos dois blindados e ordenou que fossem postos em ação contra os revoltosos. Assim, dois tenentes, dois sargentos e sete soldados da polícia militar embarcaram em cada uma das viaturas e se dirigiram ao quartel amotinado. Foram trucidados, não chegaram a disparar nem um tiro, sequer. Não deu nem tempo de acionar as metralhadoras que empunhavam. Morreram como ratos, sem chance ao menos de morrer com dignidade, oferecendo resistência, por mínima que fosse.

Descobriu-se depois que em vez de couraça, a proteção dos carros era de flande ou, como se disse na época, era “lata de goiabada”. O governador fugiu para o exílio, entrou novo governo, abriu-se inquérito mas não se chegou aos culpados nem denunciaram os responsáveis pela importação fraudulenta.

Arrisco-me a dizer que os “vivaldinos” de então, como acontece sempre, aderiram ao novo sistema, tornaram-se amigos das novas autoridades e a apuração não foi em frente.


Joaquim Pinheiro