Criadores & Criaturas



"Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intata.
"

(Carlos Drummond de Andrade)

ENVIE SUA FOTO E COLABORE COM O CARIRICATURAS



... Por do Sol em Serra Verde ...
Colaboração:Claude Bloc


FOTO DA SEMANA - CARIRICATURAS

Para participar, envie suas fotos para o e-mail:. e.
.....................
claude_bloc@hotmail.com

sexta-feira, 31 de julho de 2009

Escutatória - Rubem Alves


(Casa de João Marni - foto by Nilo Sérgio)

Rubem Alves (educador, teólogo, psicanalista e escritor, nascido em Minas Gerais em 1933)

Sempre vejo anunciados cursos de oratória. Nunca vi anunciado curso de escutatória. Todo mundo quer aprender a falar. Ninguém quer aprender a ouvir.

Pensei em oferecer um curso de escutatória, mas acho que ninguém vai se matricular.
Escutar é complicado e sutil.

Diz Alberto Caeiro (o mestre de todos os heterônimos de Fernando Pessoa) que “Não é bastante não ser cego para ver as árvores e as flores. É preciso também não ter filosofia nenhuma. Filosofia é um monte de idéias dentro da cabeça sobre como são as coisas. Para se ver, é preciso que a cabeça esteja vazia.”

Parafraseio o Alberto Caeiro: não é bastante ter ouvidos para ouvir o que é dito. É preciso também que haja silêncio dentro da alma. Daí a dificuldade: A gente não agüenta ouvir o que o outro diz sem logo dar um palpite melhor. Sem misturar o que ele diz com aquilo que a gente tem a dizer. Como se aquilo que ele diz não fosse digno de descansada consideração. E precisasse ser complementado por aquilo que a gente tem a dizer, que é muito melhor. Nossa incapacidade de ouvir é a manifestação mais constante e sutil de nossa arrogância e vaidade. No fundo, somos os mais bonitos...

Tenho um velho amigo, Jovelino, que se mudou para os Estados Unidos estimulado pela revolução de 64. Contou-me de sua experiência com os índios: reunidos os participantes, ninguém fala. Há um longo, longo silêncio. Vejam a semelhança. Os pianistas, por exemplo, antes de iniciar o concerto, diante do piano, ficam assentados em silêncio. Abrindo vazios de silêncio. Expulsando todas as idéias estranhas. Todos em silêncio, à espera do pensamento essencial. Aí, de repente, alguém fala. Curto. Todos ouvem. Terminada a fala, novo silêncio. Falar logo em seguida seria um grande desrespeito, pois o outro falou os seus pensamentos. Pensamentos que ele julgava essenciais. São-me estranhos. É preciso tempo para entender o que o outro falou. Se eu falar logo a seguir são duas as possibilidades. Primeira: Fiquei em silêncio só por delicadeza.
Na verdade, não ouvi o que você falou. Enquanto você falava, eu pensava nas coisas que iria falar quando você terminasse sua (tola) fala. Falo como se você não tivesse falado. Segunda: Ouvi o que você falou. Mas, isso que você falou como novidade eu já pensei há muito tempo. É coisa velha para mim. Tanto que nem preciso pensar sobre o que você falou. Em ambos os casos, estou chamando o outro de tolo. O que é pior que uma bofetada. O longo silêncio quer dizer: Estou ponderando cuidadosamente tudo aquilo que você falou.

E, assim, vai a reunião. Não basta o silêncio de fora. É preciso silêncio dentro. Ausência de pensamentos. E aí, quando se faz o silêncio dentro, a gente começa a ouvir coisas que não ouvia.
Eu comecei a ouvir. Fernando Pessoa conhecia a experiência. E se referia a algo que se ouve nos interstícios das palavras. No lugar onde não há palavras. A música acontece no silêncio. A alma é uma catedral submersa. No fundo do mar - quem faz mergulho sabe - a boca fica fechada. Somos todos olhos e ouvidos. Aí, livres dos ruídos do falatório e dos saberes da filosofia, ouvimos a melodia que não havia. Que de tão linda nos faz chorar. Para mim, Deus é isto: A beleza que se ouve no silêncio. Daí a importância de saber ouvir os outros: A beleza mora lá também.
Comunhão é quando a beleza do outro e a beleza da gente se juntam num contraponto.

3 comentários:

Anita a vida é bela disse...

Maravilhoso Rubem Alves. Obrigada a quem postou esta sua crônica - lição.

Zélia Moreira disse...

Adoro Rubem Alves.
Apendi mais com ele do que com qualquer livro de auto ajuda.
Valeu a lembrança!

Bernardo Melgaco disse...

Adorei....me identifico demais com o Caminho do Silêncio e do Ouvir em silêncio. Obrigado pelo texto...eu já guardei entre os meus arquivos.