Criadores & Criaturas



"Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intata.
"

(Carlos Drummond de Andrade)

ENVIE SUA FOTO E COLABORE COM O CARIRICATURAS



... Por do Sol em Serra Verde ...
Colaboração:Claude Bloc


FOTO DA SEMANA - CARIRICATURAS

Para participar, envie suas fotos para o e-mail:. e.
.....................
claude_bloc@hotmail.com

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Estrangeira...



Fortaleza - vista aérea

Estranho isso, mas voltar a Fortaleza desta vez foi diferente. Embora tenha aqui vivido meus primeiros momentos, desta vez a cidade me pareceu "estrangeira"... Ou seria eu a estrangeira? 

Mergulhar de volta no Cariri, cercar-me de rostos amigos, respirar o clima e a simplicidade do lugar... tudo isso fez a diferença... Voltei à minha alma quase rural, e a vida citadina ou cosmopolitana saiu-me pelos poros e hoje me sufoca de certa forma pela sua pressa e pela sua grandeza...

Meu pensamento trilha o espaço azul e volta à chapada como se, de repente, eu estivesse com sede ou com fome, ou como se eu estivesse extirpada do meu lugar. 

Volto logo para Crato, claro, mas esse pouco tempo aqui já é o suficiente para sanar as saudades de cá, da capital...

É isso, então. Fiz minha escolha. Quero estar no meu (re)canto embebida de uma amiga constante: a minha PAZ.

Claude Bloc

O Mono Liso


O sorriso enigmático do velho Monolo Toledo destoava, totalmente, da atmosfera ritualística que o envolvia naquele momento tão solene e compenetrado. Um risinho a meio pau que lhe imprimia uma cara meio de sarcasmo, meio de menino pego em traquinagem. Extraíssemos o ambiente pesado, a moldura tenebrosa que amparava a cena, mal saberíamos se o rosto era de satisfação por ter preparado alguma pegadinha a um amigo, se bebera um remédio amargo a contragosto ou se fora flagrado na cama com uma beata. Acentuava o enigma o cenário carregado e o figurino de Monolo. O paletó que detestava, meio amarrotado, meio pegando marreca; as flores ao derredor; o caixão de terceira; o rosto grave dos circunstantes ; o choro de cebola cortada dos dois filhos; o murmurejar mecânico das preces pelos irmãos de culto. Como uma jabuticaba em nuvem de clara de ovo, saltava aquele risinho enigmático de Mono( assim era carinhosamente conhecido entre os amigos), confrontando a austeridade monástica do velório.

Toledo , colocada a vida numa planilha do Excel, teria, certamente um saldo imensamente positivo no que tange à pauta de virtudes. Funcionário graduado do INAMPS, levara a carreira sem máculas. Aposentara-se há uns vinte anos, ainda cinqüentão, sem faltas ao trabalho, sem afastamentos por doenças e sem benefícios. Casara-se ainda no início da profissão com D. Gilbertina e, também nesse quesito, nada havia que o desabonasse. Marido exemplar, nunca se soube de qualquer gambiarra nas instalações familiares do nosso barnabé. Os filhos que vieram foram criados pelo casal com um desvelo invejável. Amparados por tanto cuidado, os meninos seguiram o bom caminho e terminaram formados em advocacia e, bem colocados, cuidaram rapidamente de dar curso às suas vidas , já sem a necessária âncora dos pais. Depois da aposentadoria , Monolo aproximou-se ainda mais de Tina , como familiarmente a chamava: eram duas almas num canudo. Evangélicos de longo curso, tocavam os dias entre cultos, orações e músicas gospels. Com vida tão regrada e filhos independentes, o casal juntara um pé-de-meia razoável , só sangrado , mensalmente, pela obrigatoriedade do dízimo: ofertado alegre e pontualmente a cada dia cinco. A existência de Mono e Gilbertina , de tão exemplar, não mereceria esse relato, não fosse pelo pequeno intervalo de uns três meses que separaram um Toledo perfeito, virtuoso, daquele sorriso enigmático, a meio caminho entre a gozação e a safadeza.

Há exatos três meses, um tufão como que revolveu a vida pacata de Mono e Tina. Os dois já varavam a sétima década, quando, subitamente, uma dor de cabeça atroz acometeu a esposa do nosso barnabé. De início o que parecia uma enxaqueca se foi agravando e em dois dias a levou à cova. O médico, ao dar-lhe a terrível notícia, levou-lhe, também o diagnóstico tardio : “Foi um aneurisma, seu Cassiano !” Seria impossível medir a dor do marido que não perdia apenas uma companheira fiel e amiga, mas de supetão arrastava de roldão a única testemunha ocular da vida de Toledo. Os filhos e os amigos tiveram a absoluta certeza de que o velho não suportaria a perda, cairia em depressão e, em pouco tempo, compraria o ingresso para o mesmo destino da mulher. Temos que admitir que as profecias não estavam de todo erradas.

No primeiro mês , manteve-se Mono praticamente recluso, recusava-se a comer, não dormia mesmo com os efeitos dos sedativos. Os filhos, morando na capital, tiveram que voltar para tocar os rumos da existência. Mono ficou morando na casa enorme que rapidamente se transformou numa imensa e intransponível montanha chamada de solidão. As previsões de todos pareciam estar prestes a se confirmar.

Ao entrar o segundo mês da perda, no entanto, Toledo virou de ponta cabeça. Começou a freqüentar bares, a beber diariamente, a enfurnar-se nos cabarés por semanas. Andava a cada dia com uma garota diferente, geralmente nova e preferencialmente de má reputação. Foi aos poucos dilapidando a poupança ajuntada por tantos e tantos anos: com Viagra, cachaça , farras e mulheres a quem tratava como princesas. Os amigos ficaram escandalizados com a mudança abrupta e a língua do Zé Povinho pinicou rapidamente o oratório de Toledo : imaculado por tantos e tantos anos.

Ontem, em plena atividade libidinosa, Mono foi acometido de um enfarte súbito e, como bom soldado, foi abatido em combate ainda com a espada em riste. E ali estava o sorriso enigmático confrontando a todos: a hipocrisia deslavada dos amigos, a santidade falsa dos irmãos, a revolta econômica dos familiares. Como se perguntasse: E agora reverenciam o longo reinado do virtuoso Toledo ou o curtíssimo e feliz governo do esculhambado Mono ?

A última namorada de Toledo aproximou-se do caixão e, ainda chorosa, cortou radicalmente as críticas veladas dos circunstantes com o único elogio póstumo:

--- Esse MONO, meu povo, era muito era LISO !


J. Flávio Vieira

Pensamento para o Dia 08/09/2011


“A árvore gigante chamada mente possui duas sementes: impulso (Vasana) e respiração (Prana). A semente se torna árvore; a árvore produz a semente. A respiração se move por causa dos impulsos; os impulsos agem por causa da respiração. Se um desses é destruído, o outro também é. Então, para purificar os impulsos e tornar a mente livre das influências negativas; a ignorância (Ajnana) deve ser convertida. A ignorância não existe sozinha; ela tem um filho: o ego ou egoísmo (Ahamkara), um demônio. Esse demônio tem dois filhos, apego ou paixão (Raga) e impulso (Vasana). Eles são irmãos estreitamente relacionados. Através do apego, têm-se os sentimentos de eu e meu; os sentimentos provocam o desejo e os desejos geram preocupação. Portanto, você deve remover o ego e o apego e os impulsos devem ser aniquilados. Através de meditação e de práticas espirituais, você pode superar a ignorância, o ego, o apego e purificar os impulsos. Isso o tornará liberto.”
Sathya Sai Baba