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"Penetra surdamente no reino das palavras.
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Estão paralisados, mas não há desespero,
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"

(Carlos Drummond de Andrade)

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Colaboração:Claude Bloc


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terça-feira, 24 de janeiro de 2012

O MAZOMBO


Significado de Mazombo:

Era a a forma depreciativa pela qual os portugueses nascidos no reino (reinóis) denominavam os filhos de portugueses nascidos na colônia.



O MAZOMBO

(Do livro Bandeirantes e Pioneiros de Vianna Moog)

E os mazombos que se quedavam no Brasil? 
O título de mazombo, esse caducou e desapareceu. Não assim a personagem que lhe deu origem. Ainda em fins do século passado o Brasil pululava de mazombos. Apesar de quatro séculos de civilização, apesar de já haver resolvido de certo modo o seu problema racial, apesar das lutas vitoriosas contra o invasor francês e holandês, a despeito das revoluções de afirmação da nacionalidade, a despeito do Primeiro, do Segundo Reinado e da República, da extinção da febre amarela e da crescente importância do país nos mercados e nos concílios internacionais, o Brasil ainda continuava infestado de mazombos. Mazombos conscientes, mazombos inconscientes, mas sempre mazombos. Até começos deste século a expressão ainda circulava. "Sou brasileiro, mazombo ou mestiço" dizia João Ribeiro em notável página de crítica, como a sintetizar a formação étnica e social do Brasil.
E em que consistia esse mazombismo brasileiro? Tal como nos primeiros tempos coloniais, consistia essencialmente nisso: na ausência de determinação e satisfação de ser brasileiro, na ausência de gosto por qualquer tipo de atividade orgânica, na carência de iniciativa e inventividade, na falta de crença na possibilidade de aperfeiçoamento moral do homem, e descaso por tudo quanto não fosse fortuna rápida e, sobretudo, na falta de um ideal coletivo, na quase total ausência de sentimento de pertencer o individuo ao lugar e à comunidade em que vivia. O belonging dos americanos não existia no mazombo.
No fundo, o mazombo, sem o saber, era ainda um europeu extraviado em terras brasileiras. Do Brasil e da América, de suas histórias, de suas necessidades, de seus problemas, nada ou pouco sabia, porque vivia no litoral, mentalmente de costas voltadas para o país. Iam mal as coisas no Brasil? Ah, isto não era com ele. Ademais, que poderia fazer, se era só contra todos. Na vida pública como na vida privada, nunca seria por sua culpa ou negligência que isto acontecia. A culpa seria sempre dos outros. E assim, recusando-se, racionalizando, contradizendo-se, não participando, reduzindo ao mínimo os seus esforços físicos, espirituais e morais para o saneamento e elevação do meio em que vivia, pagando para não se incomodar, quando se tratava do interesse coletivo; lisonjeando, transigindo, corrompendo, revolvendo céus e terras quando se tratasse de seus próprios interesses, ninguém como ele para contaminar o ambiente de tristeza, imoralidade, indiferença e derrotismo. Inesgotáveis como eram suas reservas de má vontade para com tudo quanto se referisse ao Brasil, vivia a escancarar as suas simpatias para tudo quanto fosse europeu.
Em princípios do século passado, o mazombo era espiritualmente português, e vivia zangado com o Brasil, por não ser o Brasil a cópia exata de Portugal. Em fins do século, como as simpatias de Portugal se tivessem volvido para a França, vivia zangado com o Brasil porque a cultura brasileira não era a projeção exata da cultura francesa.
Desligado do que lhe ia em derredor para viver imaginativamente do outro lado do Atlântico, se lhe dissessem que as populações sul-americanas em geral e as brasileiras em particular eram das mais mal alimentadas do mundo, ou que já sofriam de fome crônica, ou que os índices de mortalidade infantil no Brasil só podiam ser comparados com os da Índia, isso não lhe daria o mais mínimo abalo. Para vê-lo comovido seria preciso algo mais: seria preciso falar, em começos do século atual, na fome que passaram as crianças européias na primeira guerra. Pobres das crianças belgas! Pobres das crianças francesas! E Vive Paris! E Vive la France! O, lá France, la France éternelle!
Cultura só a França a tinha, e sabedoria; e patriotismo, e finess e savoir-faire. No mundo, a Europa; na Europa, a França; na França, Paris; em Paris, Montmartre. Decididamente, sem uma viagem a Paris não se completava nenhuma formação cultural digna desse nome.
E fosse alguém timidamente arriscar que na América do Norte também se inventava, que entre cada dez inventores pelo menos cinco eram americanos, que a América produzia já uma literatura bastante razoável, por vezes até apaixonante, talvez a mais apaixonante do nosso tempo; que tinha um teatro soberbo, superior até ao francês; que reunia do que havia de melhor no mundo em todos os ramos do conhecimento e do conforto! O mazombo, medularmente europeu, tomaria a afirmação como desconsideração à sua pessoa.
...Pela lógica, com esta sua paixão por tudo o que era francês, o mazombo devia ser politicamente um espírito liberal, amante do trinômio liberdade, igualdade, fraternidade.... Mas no Brasil, com a ignorância crassa da maioria da população, uma população de mestiços, isto não era possível. Igualdade política? Era só o que faltava! Onde é que se viu o seu voto valer tanto quanto o do seu lacaio ou o da sua lavadeira?
Não, o mazombo não era pela igualdade política e muito menos pela igualdade social. Era antes, rasgadamente, pelo privilégio, contanto, naturalmente, que o privilégio fosse para ele. ...E ai de quem lhe negasse o que pleiteava! Ficava tomado de ódio e de ressentimento, um ressentimento tanto mais terrível para o seu equilíbrio emocional quanto acabava refluindo contra ele mesmo.
Ganhar no jogo, eis uma das boas alegrias do mazombo. De resto, na vida, entre os seus prazeres, destacavam-se estes dois: jogar e ganhar; jogar e perder. Contanto que estivesse sempre jogando. Jogar, para ele, sem que o soubesse, era ainda um modo de procurar simbolicamente o veio de ouro, lutar contra o destino, de novo a luta de um contra todos, de todos contra um, como na procura da mina.
...O puritano via a marca do Senhor naquele que prosperava. O mazombo via a marca do destino naquele que acertava. Na aventura, na vida, no jogo, na loteria, na roleta, o essencial era acertar.
Outra paixão do mazombo: a caça indiscriminada à fêmea. Assim como no mundo da inteligência ninguém tinha espírito senão ele e os seus amigos - Null n'aura d'esprit hors nous et nos amis - no mundo da moral, mulher alguma teria honra, virtude e decência a não ser as de sua família e, por vezes, em casos de especial deferência, as da família de seus poucos amigos.
O ar impudente com que examinava uma mulher na rua! Certo, o examinar mulheres e deleitar-se com a sua beleza sempre foi um prazer universal, "uma festa para os olhos", mas para despir as mulheres com o olhar não havia como os nossos mazombos. Nisto a Europa e os Estados Unidos tinham de curvar-se ante o Brasil.
No mais, nem bom, nem mau. Apenas sorumbático, macambúzio, taciturno. Nada mais do que um ressentido com insofrido e histórico desejo de afirmação, a espera de uma cultura em que pudesse normalmente realizar-se.

Materia e foto retiradas da internet.(www.tecselecta.com/)

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