Criadores & Criaturas



"Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intata.
"

(Carlos Drummond de Andrade)

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... Por do Sol em Serra Verde ...
Colaboração:Claude Bloc


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quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Por uma pedagogia da calçada... — por Anair Holanda Cavalcante



    Quero falar um pouco sobre o final de semana, onde me encontrava em Limoeiro junto aos meus pais. A nossa casa se encontra em reforma, sendo adaptada ao atual ciclo de vida deles. Além da cozinha com uma mesa enorme adquirida para uma família de doze filhos, tem ainda seis quarto, quintal com cachorros, frutas e aves. Mas existe um espaço externo que confunde com o que é privativo à família e ao público: É a calçada que têm mosaicos lembrando o calçadão de Copacabana e árvores. No final da tarde, quando o vento Aracati sopra os nossos rostos, colocam-se cadeiras, onde meus pais ficam sentados e por alguns momentos, quase que imóveis. Com cabelos branquinhos, olhares perdidos e gestos muitos lentos sussurram alguma coisa que quase não entendo e que daqui a pouco a minha mãe pergunta: Já fizeram a janta do seu pai?

    Trabalhadores, jovens, folclóricos personagens da cidade e moradores de rua passam pela calçada. O volume de sons de carros e motos substituiu as tradicionais bicicletas. Aos poucos, as pessoas acomodam-se em cadeiras ou no batente do portão com a noite. Outros vizinhos se acolhem também, enquanto alguns apenas cumprimentam e seguem. Posso ainda ouvir as conversas sobre mais um dia de trabalho, o calor e a sensação de estranhamento diante das mudanças da casa pelos meus pais.
Mas a calçada continua do mesmo jeito sendo, ainda, um espaço, onde as principais decisões familiares são tomadas e discussões políticas são colocadas. Dias desses, quase que ficou vazia. A violência com chacinas e crimes de pistolagem assustou os meus pais e a vizinhança. O medo paralisou as conversas, os saberes e as crenças partilhadas ao longo da nossa história. Já não era permitido sentar, narrar e ouvir estórias que ensinam e experiências que despertam em partilhas na calçada. São bisavós, avós, homens, mulheres, crianças que se sentam, se olham em círculo e riem da própria vida. Às vezes, em silencio, sabendo que de alguma forma, palavras são ditas e escutadas nos pequenos gestos, nos movimentos dos corpos e no olhar.

    Assim, a calçada manifesta as narrativas, presenças e celebrações. No período eleitoral, é o lugar onde se defende o seu candidato escolhido, distribuem panfletos, ideias e pedem votos. As eleições no interior representam uma quebra do espaço público e privado. E as calçadas, o exercício do limite destes. Algum vizinho adversário já não cumprimenta, já não olha direito. Apenas colocam as suas decisões nos muros retratadas em cartazes e bandeiras coloridas de candidatos ou partidos. Em outros momentos, como final de ano, é grande o movimento e encontro na calçada com parentes e amigos distantes se reconhecendo no ciclo de vida transformado e transmutado, como um rito de passagem.  
 
 O conhecimento não tem tempo, nem espaço definido, nem sujeitos e objetos. Naquele instante, todo mundo aprende e ensina algo com alguém, como se as relações afetivas de vínculos e vizinhança materializasse diplomas de sabedoria retratada nas linhas de vida dos rostos dos meus pais e nos sorrisos e brincadeiras ainda inocentes das crianças.

Um comentário:

Claude Bloc disse...

Amei o texto, Armando,

A autora encanta e envolve o leitor com sua trajetória do cotidiano...

Maravilha.

Abraço,

Claude