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"Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intata.
"

(Carlos Drummond de Andrade)

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Colaboração:Claude Bloc


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quinta-feira, 4 de março de 2010

Da Poesia na Música de Vivaldi - II Parte

As Quatro Estações é, acima de tudo, a celebração da rica impressão individual das mudanças de estações, inspirando a evocação do universo inteiro de emoções associadas a elas. Num destes exemplos pioneiros de "programa de música", Vivaldi esforçou-se para completar a experiência de seu público exibindo pinturas e sonetos para os músicos e para a platéia. A autoria destes sonetos demonstrativos não é confirmada, embora muitos acreditem que eles descrevem a música tão bem que Vivaldi é um perfeito candidato a lhes ter escrito. A partitura é marcada com letras do alfabeto correspondendo às mesmas nos sonetos, apontando assim para o instrumentista que frases musicais se referem a que linhas/descrição nos poemas.
*
As Quatro Estações merecem a fama. Porém sua apreciação poderia ser muito melhor se juntamente com as gravações fossem divulgados os sonetos que lhe servem de complemento.

Não é preciosismo inútil: trata-se do melhor entendimento e fruição da obra, adicionando-se importante elemento para alcançar as cenas imaginadas por Vivaldi. São quatro sonetos, um para cada concerto. Talvez os ouvintes lessem-nos durante a execução, talvez alguém os recitasse ao público adequando-os ao desenvolvimento da música.
Os sonetos, em tradução livre:
A Primavera
*
Chegada é a Primavera e festejando
A saúdam as aves com alegre canto,
E as fontes ao expirar do Zeferino
Correm com doce murmúrio.
*
Uma tempestade cobre o ar com negro manto
Relâmpagos e trovões são eleitos a anunciá-la;
Logo que ela se cala, as avezinhas
Tornam de novo ao canoro encanto.
*
Diante disso, sobre o florido e ameno prado,
Ao agradável murmúrio das folhas
Dorme o pastor com o cão fiel ao lado.
*
Da pastoral Zampónia ao Suon festejante
Dançam ninfas e pastores sob o abrigo amado
Da primavera, cuja aparência é brilhante.
*
O primeiro movimento relaciona-se com a primeira e a segunda estrofes; o segundo com a terceira e o terceiro com a quarta. O ano no hemisfério norte começa no inverno e a primeira estação completa é a primavera. O Catálogo de Ryom demonstra ter sido este o primeiro concerto da série, mas não houve uma sequência perfeita. Seguindo a ordem da Natureza, a próxima composição deveria ser O Verão, mas na realidade Vivaldi dedicou-se ao Outono. O tema do primeiro movimento, como dito algures retorna na ária "Dell'aura al sussurrar" da ópera "Dorilla in Tempe". O excesso de trabalho implicava em certas repetições, como provam também os Magnificat RV 610 e RV 611, constrangedoramente semelhantes. Mero registro, mais para minha própria lembrança: RV significa Ryom Verzeichnis - O Catálogo de Ryom. Peter Ryom foi um erudito dinamarquês, autor do principal catálogo das obras do Padre Ruivo.
*
O Verão
*
Sob a dura estação, pelo Sol incendiada,
Lânguidos homem e rebanho, arde o Pino;
Liberta o cuco a voz firme e intensa,
Canta a corruíra e o pintassilgo.
*
O Zéfiro doce expira, mas uma disputa
É improvisada por Borea com seus vizinhos;
E lamenta o pastor, porque suspeita,
Teme feroz borrasca: é seu destino enfrentá-la.
*
Toma dos membros lassos o repouso
O temor dos relâmpagos e os feros trovões;
E de repente inicia-se o tumulto furioso!
*
Ah! No mais o seu temor foi verdadeiro:
Troa e fulmina o céu, e grandioso o vendaval.
Ora quebra as espigas, ora desperdiça os grãos de trigo.
*
De novo, o primeiro movimento relaciona-se com as duas primeiras estrofes; o segundo com a terceira e o terceiro com a quarta. Lido o soneto, impossível não ouvir cantar o cuco do terceiro verso, nem deixar de lado, no segundo movimento, os avisos da tempestade que desabará no terceiro (o meu favorito). O pintassilgo - gardellino - foi pássaro dos afectos do compositor, visto merecer dele um concerto específico, o de número três em Ré Maior, RV 428, para flauta e cordas. Rameau (1.683/1.764) também busca imitar o canto das aves em peças como Le Rappel des Oiseaux e La Poule. Podemos citar ainda o capriccio Cucu de Kerll (1.642/1.703), o interlúdio do quarto ato da ópera Lo Schiavo de António Carlos Gomes e a cuminância em Oliver Messiaen no oratório A Transfiguração com vários cantos de aves executados pelos instrumentos nas várias partes, sobretudo na de número IX.
*
O Outono
*
Celebra o aldeão com danças e cantos
O grande prazer de uma feliz colheita;
Mas um tanto aceso pelo licor de Baco
Encerra com o sono estes divertimentos.
*
Faz a todos interromper danças e cantos,
O clima temperado é aprazível;
E a estação convida a uns e outros
Ao gozar de um dulcíssimo sono.
*
O caçador, na nova manhã, à caça,
Com trompas, espingardas e cães, irrompe;
Foge a besta, mas seguem-lhe o rastro.
*
Já exausta e apavorada com o grande rumor,
Por tiros e mordidas ferida, ameaça
Uma frágil fuga, mas cai e morre oprimida!
*
O primeiro movimento liga-se à primeira estrofe, o segundo à segunda, e o terceiro às duas últimas. Vivaldi valeu-se apenas de cordas tangidas e percutidas. Haydn compôs um oratório também dedicado às estações do ano e também na parte dedicada ao outono descreve uma cena de caça. Ambos, Vivaldi com cordas e Haydn com as trompas, retratam muito bem o latido dos cães na perseguição da presa.
*
O Inverno
*
Agitado tremor traz a neve argêntea;
Ao rigoroso expirar do severo vento
Corre-se batendo os pés a todo momento
Bate-se os dentes pelo excessivo frio.
*
Ficar ao fogo quieto e contente
Enquanto fora a chuva a tudo banha;
Caminhar sobre o gelo com passo lento
Pelo temor de cair neste intento.
*
Girar forte e escorregar e cair à terra;
De novo ir sobre o gelo e correr com vigor
Sem que ele se rompa ou quebre.
*
Sentir ao sair pela ferrada porta,
Siroco, Borea e todos os ventos em guerra;
Que este é o Inverno, mas tal, que só alegria porta.
*
O primeiro movimento une-se à primeira estrofe. O segundo, de curta duração, prende-se apenas aos dois primeiros versos da segunda quadra. Os demais versos estão vinculados ao terceiro, desenvolvendo-se num crescendo cuja interpretação aceita algum otimismo.
*
Fontes :
Google Imagens

3 comentários:

Michele Abreu disse...

Curti muito esse post! (:
Você sabe quanto tempo dura cada uma delas?

Bjs.

Corujinha Baiana disse...

Valeu, Michelle !Que bom que você gostou!Eu amo Vivaldi, principalmente "As Quatro Estações".Fiz até um pps com "A Primavera" e o poema "Divina Música",de Gibran.Se você quiser, me mande seu e-mail, que eu lhe enviarei.
Agora, me diga uma coisa,o que você quer saber, realmente, é o tempo musical de cada estação - concerto ?

Um abraço
Corujinha

Corujinha Baiana disse...

Olá, Michele

As Quatro Estações de Vivaldi
( Cada estação possui três movimentos, sendo um lento e dois rápidos ).

A Primavera
1 op. 8 Nº1 “Allegro” (03:28)
2 op. 8 Nº1 “Largo e pianissimo” (02:24)
3 op. 8 Nº1 “Danza pastorale. Allegro” (04:27)

O Verão
1 op. 8 Nº2 “Allegro má non molto” (06:29)
2 op. 8 Nº2 “Adagio - Presto” (02:23)
3 op. 8 Nº2 “Presto” (02:33)

O Outono
1 op.8 Nº3 “Allegro” (05:30)
2 op.8 Nº3 “Adagio molto” (03:11)
3 op.8 Nº3 “Allegro” (03:31)

O Inverno
1 op.8 Nº 3 “Allegro non molto” (03:31)
2 op.8 Nº 3 “Largo” (01:35)
3 op.8 Nº 3 “Allegro” (03:44)

Espero ter satisfeito a sua curiosidade.

Beijo,
Corujinha