Um dia, nos sertões do Fidelis, em Potengi, fazia um inverno exuberante. Um amigo sobre a parede de pedra e cimento de uma barragem examinava, sentado com olhar atento, a placidez enganosa das águas naquela manhã fria. Aquelas águas transparentes eram, também, densas, quase escuras, embora se vissem as piabas nadando. Talvez a profundidade adensasse aquela transparência. Por isso mesmo as águas convidavam meu amigo a se agasalhar no seu frio leito. O sol do sertão já se apresentara com todo o vigor.
Ele inteiramente dividido, um olho na água e outro para os que já estavam em pleno mergulho, nadando, dando cambalhotas no ar e tibungo no líquido da vida. Quase mais ninguém deixara de pular na água, apenas ele numa postura curiosa. Entre o recolhimento e lançar-se ao espaço. Era coreografia complicada, merecedora da dança moderna, a clássica não se dividiria assim, pois apenas é. Uma única coisa e meu amigo eram duas. Uma vontade de pular e outra de se resguardar do frio.
Eis que de sua mais profunda reflexão veio, pelas vias tortas da psicologia de primeiro ano de faculdade, toda a explicação para aquela contradição. Disse ele: o ego quer, mas o superego não deixa. Pois é disso que falo: o ego quer a transformação, mas o superego quer a conservação. Um dia me agarrei a um neologismo que inventara para a ocasião cineperservação. É com isso que me divido.
Quando foi a última vez que você já viu alguém pedindo um cheiro? Pois era habitual, especialmente no nordeste, se pedir um cheiro. Cheirar o outro. Sentir o prazer dos odores naturais que se exalava nele. Quando quem cheirava era colibri e quem se deixava cheirar era flor da humanidade.
Um cheiro profundo, querendo capturar todo o espectro do aroma que ia da derme, atravessava todo o corpo e chegava aos sentimentos mais afetivos que existiam. Os mais velhos, olhando aquelas crianças em reboliço a dizer: dá cá um cheiro, meu bem! E da agitação mesmo em que se encontrava, ela expunha a sua cabecinha e o adulto, ao cheirá-la, quase que novamente a batizava com as palavras do amor. E lá ia ela, sabendo-se protegida, mas não interrompida em seu correr.
Mas veio o cinema americano com aqueles beijos de final de cena. Confesso que sempre os interpretei como a conciliação de tantas tentativas frustradas na narração. Os beijos eram a senha para o desfecho. Quando mais nada resta para contar. E as cortinas se fechavam, as luzes se acendiam com toda a exuberância da mesmice cotidiana.
Quando a linguagem erótica penetrou a cena, o beijo se tornou a volúpia do desejo sexual. O começo de longas e repetidas cenas de prazer e desejo. A estética se resolveu na linguagem do ato sexual e o beijo foi além. Passou a ser troca de saliva, confusão de lábios e línguas, não um saboreio, mas a digestão dos sentimentos de ambos. No final apenas o restolho digestivo.
E com isso ninguém mais pede um cheiro, cheira e captura a essência dos perfumes do outro. Agora, como bem diz o cinema americano, é o beijo. E o que mais choca que enquanto o cheiro era a expressão de um sentimento através dos sentidos do olfato, igualmente não se pode afirmar que seja o beijo relacionado a qualquer sentido. Existem as apelações dos cremes e óleos, mas aí nem mais beijo é.
Ele inteiramente dividido, um olho na água e outro para os que já estavam em pleno mergulho, nadando, dando cambalhotas no ar e tibungo no líquido da vida. Quase mais ninguém deixara de pular na água, apenas ele numa postura curiosa. Entre o recolhimento e lançar-se ao espaço. Era coreografia complicada, merecedora da dança moderna, a clássica não se dividiria assim, pois apenas é. Uma única coisa e meu amigo eram duas. Uma vontade de pular e outra de se resguardar do frio.
Eis que de sua mais profunda reflexão veio, pelas vias tortas da psicologia de primeiro ano de faculdade, toda a explicação para aquela contradição. Disse ele: o ego quer, mas o superego não deixa. Pois é disso que falo: o ego quer a transformação, mas o superego quer a conservação. Um dia me agarrei a um neologismo que inventara para a ocasião cineperservação. É com isso que me divido.
Quando foi a última vez que você já viu alguém pedindo um cheiro? Pois era habitual, especialmente no nordeste, se pedir um cheiro. Cheirar o outro. Sentir o prazer dos odores naturais que se exalava nele. Quando quem cheirava era colibri e quem se deixava cheirar era flor da humanidade.
Um cheiro profundo, querendo capturar todo o espectro do aroma que ia da derme, atravessava todo o corpo e chegava aos sentimentos mais afetivos que existiam. Os mais velhos, olhando aquelas crianças em reboliço a dizer: dá cá um cheiro, meu bem! E da agitação mesmo em que se encontrava, ela expunha a sua cabecinha e o adulto, ao cheirá-la, quase que novamente a batizava com as palavras do amor. E lá ia ela, sabendo-se protegida, mas não interrompida em seu correr.
Mas veio o cinema americano com aqueles beijos de final de cena. Confesso que sempre os interpretei como a conciliação de tantas tentativas frustradas na narração. Os beijos eram a senha para o desfecho. Quando mais nada resta para contar. E as cortinas se fechavam, as luzes se acendiam com toda a exuberância da mesmice cotidiana.
Quando a linguagem erótica penetrou a cena, o beijo se tornou a volúpia do desejo sexual. O começo de longas e repetidas cenas de prazer e desejo. A estética se resolveu na linguagem do ato sexual e o beijo foi além. Passou a ser troca de saliva, confusão de lábios e línguas, não um saboreio, mas a digestão dos sentimentos de ambos. No final apenas o restolho digestivo.
E com isso ninguém mais pede um cheiro, cheira e captura a essência dos perfumes do outro. Agora, como bem diz o cinema americano, é o beijo. E o que mais choca que enquanto o cheiro era a expressão de um sentimento através dos sentidos do olfato, igualmente não se pode afirmar que seja o beijo relacionado a qualquer sentido. Existem as apelações dos cremes e óleos, mas aí nem mais beijo é.
3 comentários:
Vejo imagens (minha vozinha vicência)
com seu cheiro de alho e fumo e de pano de cozinha.
Adorava seu cheiro.
Forte abraço,
meu camarada.
Falou e disse, Zé do Vale.
O cheiro embriaga, fascina, identifica! è espacífico, peculiar.
E viva o cheiro nosso de cada dia.
Abraço,
Claude
Inda hoje eu sinto o cheiro dela. A sala explodia em cada canto. E o cheiro de ping-pong corria no valão do feixo de luz que encarnava ela, na tela, a bela Suzanne Pleshette.
Obrigado Zé do Vale.
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