Sonhos
Pesquisa recente, realizada na Grã-Bretanha, revela que os jovens se consideram mais solitários do que adultos com idade superior a 55 anos. Ainda não há razões claras para explicar esse resultado, mas segundo a Mental Health Foundation, entidade que encomendou o levantamento, o declínio na vida comunitária e o foco cada vez maior no trabalho possivelmente sejam causas do problema.
Realizada em 1934 em Belo Horizonte, outra pesquisa – esta envolvendo cerca de 1.400 crianças que cursavam o então 4º ano primário nos Grupos Escolares daquela capital (pesquisa, aliás, já comentada neste espaço) – ao invés de solidões, revelaria pais e professores como modelos para grande número dos pesquisados. Sobre sonhos de futuro, eles se tornariam realidade desde que o sonhador se transformasse em piloto, médico, engenheiro, padre ou em advogado. Embora livros ocupassem o primeiro lugar na preferência dos jovens na hora de ganhar um presente, somente dois deles alimentariam o sonho de se tornarem escritores. Dentre outros, dois queriam ser jornalistas, um deputado, um ministro e um queria ser rei.
Do sonho simples de conhecer o mar, ao desejo humano e geral de ser feliz, todos temos à nossa frente sonhos que, ao lado da fé, nos põem a caminho. Em agosto de 1992, quando o Equador atravessava longo período de dificuldades políticas e econômicas, os muros da cidade de Quito amanheceram pichados com a frase anônima “a noite avança, mas os sonhos não”. Passados tantos anos, sua essência permanece atual para uma época em que pequenos-grandes sonhos se tornam diáfanos, tênues, desfazendo-se ao toque de uma realidade marcada por valores que lançam mão dos ideais da maioria, para a realização dos sonhos de poucos.
Há muito se sabe o que sonhos podem render, assim como onde podem levar quem os manipule com a destreza de um arrombador de fechaduras. Mais que ajudar a vender de tudo, sonhos são importantes para a conquista do poder. Convenientemente plantados, cevados e colhidos, a mesma sórdida crueldade que os induz, surrupia do sonhador as esperanças. E trata de realizar desejos de quem não reconhece nem dignidade, nem necessidades na pobreza dos que sonham um futuro honesto e simples.
A solidão – que para o romancista francês Henri de Régnier só é possível na juventude, época em que temos pela frente os sonhos – pode se tornar irremediavelmente amarga quando a capacidade de sonhar se esgota. A Arte não existiria se não fossem os sonhos – combustível também para as conquistas da Humanidade. E se ainda hoje insistimos em buscar explicações para o Universo, em explorar o Tempo e em conhecer os primeiros capítulos de nossa História, então é porque ainda mantemos viva a capacidade de sonhar.
Proust aconselha a que conheçamos bem nossos sonhos para que não soframos mais com eles. Por seu lado, é a partir de “vestígios de algum sonho dobrado em versos” que nossa escritora e blogueira Claude Bloc descreve o nascimento de um poema. Daí em diante, segundo ela, “o poema vai crescendo, rindo à toa, e o sonho afiado vai se perdendo nos descaminhos da imagem refletida na transparência dos sentimentos”.
Eis aí. Para o escritor Albert Béguin, é a solidão da poesia e do sonho que nos tira de nossa desoladora solidão. E se, no dizer de Bloc, os sonhos podem desaguar em poemas, bem orientados poderíamos – por que não? – voltar a tê-los como estímulo a um futuro melhor.
2 comentários:
Li o seu texto com muito prazer !
Eduardo,
Pode crer que ser citada em um texto seu me envaidece e alegra. Creio que da forma que o fez, nunca havia acontecido, o que torna tudo isso mais ainda tocante.
Seu texto, como sempre, impecável!
Abraço,
Claude
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