Criadores & Criaturas



"Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intata.
"

(Carlos Drummond de Andrade)

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domingo, 18 de julho de 2010

Uma longa viagem - Por Marcos Barreto de Melo

Lembro-me do tempo em que eu era criança e via o meu pai fazer uma longa e demorada viagem para a fazenda Boqueirão, no município pernambucano de Bodocó. Tudo me parecia muito distante, um mundo desconhecido e quase inatingível. Os preparativos para a viagem começavam cerca de três dias antes da data marcada e seguiam um verdadeiro ritual. O meu pai não falava em viagem, mas era fácil para nós descobrirmos pelas cenas incomuns que ocorriam ao nosso redor.
Via o meu pai ir ao Crato para comprar numa serraria algumas peças de pau d’arco aparelhadas e entregá-las ao mestre Zé Nanor, que em menos de dois dias de labuta preparava uma bela cancela. Em seguida, uma primeira pintura em vermelho era aplicada.
À sombra de uma generosa e frondosa árvore que cobria o oitão da nossa casa, trabalhava o nosso compadre Neco Soares, exibindo toda a sua habilidade no trato de arreios de couro. Fazendo marras de chocalho, cordas de couro, cabeçadas, rédias para animal, consertando celas ou arrumando cangalhas. Estava desfeito todo o segredo. O meu pai iria mesmo viajar nos próximos dias.
Na véspera, com o sol já para se esconder, via os serviçais da fazenda arrumar os “trens” na carroceria da velha picape chevrolet. Sacas de milho e de feijão para semente, algumas bolas de arame farpado, carro de mão, pá , uma enxada bem encaibrada, um esticador de arame farpado, sacas de sal, veneno pra lagarta e remédio para curar bicheira na vacaria.
De madruga, eu acordava com a movimentação dos viajantes entre a sala e a varanda. A minha mãe ia para a cozinha preparar o café da manhã. Eu me levantava em meio àquela madrugada fria, agasalhado num velho e macio pijama de flanela. Não podia deixar de me despedir do meu velho. E quando ele saia, eu pedia a sua benção. Depois de ver o carro virar a curva da estrada e se perder na escuridão, eu voltava a dormir no quentinho da minha rede. Mas antes, ainda rezava e pedia a papai do céu para acompanhá-lo em sua viagem. Pedia também para que ele não demorasse muito a voltar.
Dias depois, imagino que não mais que uma semana, ele voltava sem nos avisar. Era aquela alegria quando víamos a picape coberta de poeira e de lama aproximar-se de nossa casa. Com ela vinha também um cheiro diferente de uma terra distante e desconhecida. Tinha um cheiro agradável, de mato que a gente não conhecia. E quando ele descia do carro, estávamos em fila ao seu redor novamente a lhe pedir a benção.
Na carroceria, logo descobríamos um carneirinho a berrar, cuja mãe morrera de parto. De agora em diante, ele seria criado por nós. Mas, seria também um novo brinquedo, uma diversão. E no dia seguinte, com o meu pai em casa, a vida voltava ao seu normal. Até que viesse a próxima viagem.


Marcos Barreto de Melo

6 comentários:

Aloísio disse...

Marcos
Você é imbatível quando põe suas lembranças em forma de prosa ou poesia. Parabéns

Anônimo disse...

Marcos:

Gostei do seu relato. As suas lembranças são colocadas de forma tão clara que a medida que eu lia, imaginava as cenas e me interessava em chegar ao final do texto.
Parabéns!

Abraços

Magali

Edilma disse...

Este Cariricaturas sempre nos reserva surpresas como este texto.Esses guerreiros do Cariri estão sempre com flexas armadas que de repente cuzam o espaço e acertam nossos olhos e corações na agradavel leitura.
Parabéns Marcos, adorei o texto !

socorro moreira disse...

Marcos,

Estamos lhe esperando !

Carlos Eduardo Esmeraldo disse...

Marcos

Belo texto! Senti-me participante dessa sua história, pois vivemos caaminhos semelhantes.
Um grande abraço!

Marcos Barreto de Melo disse...

Fico muito gratificado com os comentários que vocês fizeram.
Forte abraço a todos.

Marcos B. de Melo