Na horripilante e pavorosa tragédia que se abateu sobre a decantada cidade do Rio de Janeiro (sem favor nenhum, uma das mais belas do mundo), pela recorrência um detalhe chamou a atenção: quando algum sobrevivente ou membro da família envolvida tinha a oportunidade de manifestar-se ante as câmeras televisivas, não perdia a chance de louvar a Deus, de garantir ter sido a “mão de Deus” responsável por retirá-lo do meio do furacão, de reafirmar que somente a “intervenção divina” explicaria sua sobrevivência.
Enfim, o “homem lá de cima” (como citou um deles) era merecedor de todos os créditos e honrarias, em razão da sua benevolência e magnanimidade.
Mas...
Como explicar, então, às famílias enlutadas, o destino fatídico e cruel de mais de seiscentas pessoas (por enquanto), dentre as quais crianças inocentes e idosos saudáveis, pavorosamente SOTERRADAS VIVAS pelos deslizamentos ou levadas de roldão, ribanceira abaixo, pela descomunal força das águas ??? Como justificar que a “mão de Deus” não haja guiado essas centenas de pessoas, em meio ao turbilhão, a um porto seguro, salvador e de águas plácidas ??? Como explicar que a benevolência e magnanimidade do “homem lá de cima” hajam contemplado somente alguns, enquanto, desafortunadamente, famílias inteiras (pais, mães e filhos) desciam na enxurrada, evidentemente que aterrorizados, sem vislumbrar qualquer perspectiva ??? Que Deus “elitista” é este que, ao tempo em que concede a “graça e salvação” a alguns, despreza ou esquece de tantos outros adeptos ??? Ou a “graça e salvação” estariam no desaparecer prematuro, no ir-se mais cedo desse mundo conturbado ??? Quais os critérios determinantes de quem deve ou não deve ser salvo pela “intervenção divina”, numa tragédia de tamanhas proporções ???
Existirá um “DEUS” magnânimo e benevolente e um outro cruel e maldoso ???
Difícil acreditar.
Criadores & Criaturas
"Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intata."
(Carlos Drummond de Andrade)
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segunda-feira, 17 de janeiro de 2011
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7 comentários:
J. Nilton,
Essa pergunta me remeteu a um livro chamado "Quando coisas ruins acontecem a pessoas boas" de um rabino americano chamado Harold S. Kushner.
Aí vão as palavras do rabino Henry I. Sobel, no prefácio à edição brasileira.
Não é D'us que causa a tragédia, a doença, o sofrimento. Existe uma aleatoriedade no universo e a natureza é totalmente cega. O terremoto não distingue entre pessoas boas e ruins. Nem o câncer. Nem o derrame cerebral. [...] Não são atos de D'us; são acasos da natureza.
Portanto, diz Kushner, se queremos continuar a acreditar em D'us, precisamos parar de acreditar na Sua onipotência.
Bem, perguntamos, se D'us não é todo-poderoso, se Ele não pode interferir para impedir o sofrimento humano, então, por que acreditar em D'us? Por que não jogar fora a religião de uma vez? A resposta de Kushner: Porque D'us é que nos dá força, coragem e paciência para enfrentarmos os golpes da vida. D'us é a fonte de nosso poder de suportar, nossa capacidade de superar e nossa determinação de continuar.
Perguntar [...] "como pôde D'us deixar que isso acontecesse [...]?" não leva a nada. [...] A verdadeira pergunta é: "o que fazer agora? Será que conseguiremos aceitar o fato de que a vida é imperfeita?"
D'us vem depois, através da ação de todos os homens e mulheres que de alguma forma contribuirão pela redução do sofrimento das vítimas.
O doar-se nesse trabalho de ajudar a reduzir a dor dos que sofrem é um ato de humildade típico de quem crer em D'us, pois crer em D'us é um exercício de humildade.
Um abraço.
Abraços.
Chagas,
O questionamento (simplório) que fizemos foi: por qual razão aquelas pessoas, que praticamente renasceram dos soterramentos e das enxurradas, faziam questão, quando entrevistas pela TV, de agradecer a Deus, louvar a Deus, reverberar o nome de Deus, sugerir terem sido salvas pela mão divina e por aí vai, quando, ao seu lado, semelhantes inconsoláveis choravam seus mortos (inclusive crianças inocentes) que nenhuma chance de salvação tiveram (por que essas pessoas não foram instadas, naquela hora, a pronunciar-se, a respeito ???).
No mais, soa estranha a sua recomendação (ou do escritor por você citado) no que se refere a "...parar de acreditar na Sua onipotência"; afinal, não é a própria Igreja Católica, através dos seus dogmas, conceitos, manuais, catecismos e homilias, que difunde e propaga a "onipotência" de Deus, que Deus é o "todo poderoso criador do céu e da Terra” ??? Por qual razão, então, só nesses momentos teríamos que "parar de acreditar na Sua onipotência", e que ele não tem esse poder todo, como você enfaticamente chega a sugerir ??? Não estaria na hora, então, de reformular os tais dogmas, conceitos, manuais, catecismos e homilias da Igreja Católica ???
Afinal, Deus foi ou não o criador do Universo, aí contemplando a própria natureza, as tragédias, as doenças, os sofrimentos, os ônus e os bônus da vida ??? Ou será que Deus é seletivo, só se responsabilizando pelas coisas boas da vida ??? Difícil acreditar, não ???
Por qual razão, só através do sofrimento imposto por Deus, do castigo contido numa tragédia dessas, o ser humano terá condição de progredir, de ir em frente, de aprender, de alcançar a salvação eterna ??? Que Deus é esse que se vale do sofrimento dos humildes integrantes do seu rebanho para afirmar-se ou fazer-se respeitado ???
J. Nilton,
Não acho que o seu questionamento seja simplório. Como eu disse, ele remete à questão de por que coisas ruins acontecem a pessoas boas. É uma questão que coloca em dúvida um dos atributos divinos: a justiça. Se D’us é justo, como pode ser injusto?Como uma coisa pode ser e não ser?Que raios de contradição é essa?
Tenho cá comigo que o motivo por que algumas pessoas atribuem a D’us o fato de terem sido salvas numa tragédia certamente deve-se ao fato de que diante de tal situação, a primeira coisa que vai para o espaço é a racionalidade. Não acredito que alguém que acaba de sobreviver a um fato onde tantos morreram possa encontrar uma teoria que explique e prove o que determinou sua sobrevivência. Por que elas insistem em louvar a D’us é só uma questão de fé. A necessidade de explicação do real existe tanto para os que têm fé em D’us quanto para os que têm fé na Razão. Aqueles que por algum motivo não estão instrumentalizados com o pensamento especulativo, racional, as pessoas simples do povo, certamente preferem a fé à Razão para tentar estabelecer as causas de determinados efeitos em suas vidas. Mesmo para eles o mundo não pode passar batido.
Você está certo em estranhar a recomendação do rabino Harold Kushner de não se fiar na onipotência divina, sobretudo se se parte da perspectiva da tradição judaico-cristã. Como pode um rabino, um sacerdote do judaísmo, sugerir tal coisa? Ora, se não D’us não explicável, há que se tentar encontrar alguma solução para o problema que deriva do fato de que A sobreviveu a algo em que B, mesmo sendo uma pessoa boa, não obteve o mesmo resultado. Como afirma o rabino Sobel no prefácio, o rabino |Kushner acredita no fato de que D’us criou o mundo de tal forma que, uma vez estabelecidas suas leis – a da gravidade por exemplo- elas não podem ser modificadas apenas para a satisfação de uns de outros não. Daí a idéia de cegueira da natureza. A natureza não age conforme um senso moral.
Kushner não afirma que não se deve deixar de lado a crença na onipotência apenas nos momentos trágicos. O que diz é que em nenhum momento devemos nos fiar na onipotência divina. É preciso que se diga também que essa não é a posição do judaísmo ortodoxo. É uma posição do rabino Kushner, que pertence a uma linha diferente, o judaísmo conservador, um meio termo entre o ortodoxo e o reformista.
Da perspectiva do “Teísmo limitado” de Kushner D’us criou todas as coisas, é extremamente bom, mas não é onipotente. Da perspectiva católica, é claro que isso seria uma heresia. Mas é preciso que se diga que nesse assunto a igreja Católica só tem a última palavra para os católicos. Se a pluralidade humana é fundamental na política, na religião não seria diferente.
Não acredito que D’us seja a causa dessas tragédias e tampouco que o sofrimento humano seja uma condição necessária para o ser humano progredir. Isso não faz parte da teologia do rabino que tomei a liberdade de usar como referência.
Eu não saberia lhe dizer “Que Deus é esse que se vale do sofrimento dos humildes integrantes do seu rebanho para afirmar-se ou fazer-se respeitado”. Talvez até estejamos falando do mesmo D’us, mas a diferença é que esse aspecto não existe no D’us em que acredito e que é Aquele mesmo do rabino que citei.
Poderíamos ter mais fé na Razão. Mas as inúmeras barbáries provocadas pelos homens contra si próprios provam que a Razão também não é toda poderosa e confiável. Parece que a luz do Iluminismo não foi tão forte.
Um forte abraço.
Palavras de Jesus: "Não cai uma folha de árvore, sem que meu Pai não saiba"...
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