Geraldo não sabe bem de onde surgiu o sobrenome que o faz famoso no Cariri. Ele o acompanha bem antes de fazer das calçadas seu quintal e da marquise do Banco do Brasil de Juazeiro , seu lar. Geraldo Doido é feliz e não podia ser diferente. Tem tudo de que precisa na sua casa , é um Diógenes dos nossos tempos. Confortável cama de papelão, travesseiro de jornais, iluminação doméstica a luz de mercúrio e a brisa da noite como ar condicionado, alguns Restaurantes próximos lhe servem de Cozinha. Não lhe faltam interlocutores a quem contar as suas peripécias e alimentar seus delírios.Quase nada é preciso para abrir seu sorriso sem tramelas, sorriso de banguelo, com porteira escancarada.
Os transeuntes riem , quando interpelado afirma que aquele Banco é seu e já está se preparando para aumentar o patrimônio, comprando um outro na circunvizinhança. Como não imaginar que o Banco é seu? Geraldo dorme na sua frente, ali defronte se alimenta , na vidraça do BB faz a sua maquiagem e, ao contrário dos funcionários e banqueiros, ali permanece as vinte e quatro horas. Poderia até requerer a posse por usucapião. Chegou a reclamar, alguns meses atrás, quando, sem sua expressa permissão, andaram demitindo e transferindo vários bancários, dizendo que era por causa de uma tal de Reengenharia. Geraldo Doido sabe, mais que os homens que se dizem sãos, que o que faz uma instituição não é a construção nem os equipamentos existentes nela, mas são as pessoas que lhe dão vida e a fazem eterna ou efêmera.
Quantos riem de Geraldo, do seu delírio de grandeza! Há uma certa nobreza, porém, trespassando aqueles molambos. E um risível contraste: o Capital e a vítima da sua selvageria dormindo no mesmo leito, em franca e amigável convivência. Dois Brasis antagônicos e díspares sob o mesmo teto: O Brasil do acúmulo de riqueza e o Brasil da fome e da miséria. Dois Brasis separados por um abismo!
A alucinação de Geraldo é muito comum entre nós. Quantas pessoas trabalham , dissipando sua juventude e vão acumulando riqueza, sem usufruí-la, com o único fito de mostrar orgulhosamente para os outros e se vangloriarem de ricos e soberanos? São os pobres ricos, cheios de jóias e de saldo bancário volumoso, mas que, exatamente como Geraldo, sentam vigilantes diante da riqueza e passam a vida observando e apontando aos amigos, sem a coragem de dissipá-la. Nem tentam a dificíl a alquimia de trnasformar dinheiro em felicidade. Alimentam uma loucura , exatamente como Geraldo Doido sob a Marquise do BB!
Os paises são também acometidos, às vezes, de crises de megalomania. Vejam o Brasil, de repente estabeleceram uma política econômica visando, única e exclusivamente à atração do capital estrangeiro para o país. A partir daí passamos a nos sentir ricos e prósperos, porque estávamos sentados diante do capital especulativo das nações ricas, vendo-o reluzir e pensando que era nosso, exatamente como Geraldo Doido, no seu delírio de grandeza. De repente os donos verdadeiros do dinheiro o levaram e ainda cá estamos, sob a marquise contando para todas as nações do mundo que somos ricos e afortunados , a mesma história de trancoso que Geraldo Doido conta diuturnamente a todos os que dele se aproximam. Se há loucura na história de Geraldo , o mundo todo é um hospício.
J. Flávio Vieira
P.S- Este artigo foi escrito em 1998. Recentemente “Geraldo Doido” foi barbaramente assassinado, enquanto dormia, na calçada do Banco de que se achava proprietário.
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3 comentários:
Dr. José,
Estou me deliciando com seus contos mais frequentes aqui no Cariricaturas.
Um escritor tão sem tempo (sem a intenção de contestar o exelente texto de Carlos), com os afazeres em hospitais, consultório e pacientes, e que ainda nos presenteia com seus escritos...
Obrigada por mais um presente!
Abraço!
J. Flávio,
O mundo perdeu o respeito pelo outro e está perdendo sua própria humanidade.
O que você escreveu é o resultado e a prova disto.
Abraço,
Claude
J. Flávio,
Muito pertinente a comparação entre o Brasil e Geraldo Doido.
Seu texto continua atualíssimo, mesmo passado mais de uma década.
Abraços
Aloísio
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