Um grupo de pessoas discutia à beira de uma das enormes crateras abertas pela força das águas do Rio Grangeiro, no centro da cidade do Crato.
O religioso atribuía o caos aos castigos divinos em virtude dos pecados humanos nesta parte do mundo. Um político que se opunha ao prefeito, vendo que muitos circunstantes os ouviam, soltou, com aquela característica empolgação de palanque, depois de pigarrear ridículo de canastrão, um discurso em que se comprometia a honrar suas responsabilidades de homem público buscando soluções junto a seus aliados nos governos do estado e do país.
Já um bêbado, ainda segurando um pedaço de casca de laranja na ponta dos dedos, disse que não acreditava nessa cambada de vereadores, deputados, senadores e nem no governador, pois se eles gastassem a metade do que investiram comprando votos daria para amenizar ou quem sabe resolver o problema.
Depois de mais uma golada de cachaça, olhou em volta e perguntou pelo governador. Veio um desses aduladores de plantão e informou que sua excelência estava de férias no exterior, mas que havia mandado seu vice visitar a cidade, e, inclusive, ordenando que despachasse cem mil reais para ajudar no prejuízo catastrófico sofrido pelas famílias e comerciantes.
Um estudante ia passando e de imediato protestou alegando que o governador não tinha contrato de trabalhador, mas função de gestor público e que esse negócio de férias não estava correto. Alfinetou, ainda, dizendo ser uma piada, insuficiente e humilhante o valor que o governo havia liberado.
Com lágrimas nos olhos, uma professora alertou para a situação das famílias desabrigadas, das crianças e velhos sem agasalho e comida, e conclamou todos a se unirem numa campanha de solidariedade, até que os que se acham donos do poder resolvam ouvir o clamor da sociedade que agoniza e espera.
Convicto, o ambientalista afirmou que eram necessárias a completa desocupação e revitalização das áreas onde outrora fora o leito original do rio, construção de moradias em localidades seguras para as famílias removidas, e urgente o combate ao desmatamento da Floresta Nacional do Araripe, proteção de morros e eficiente educação ambiental. Refeito um pouco de sua embriaguez, o bêbado gritou de seu canto afirmando que dinheiro para fazer tudo isso existe, sai do Cariri em forma de vil arrecadação para os cofres estaduais e federais e para retornar em benefício do povo é uma novela sem fim.
A prefeitura não tem recursos e eles só liberam considerando a filiação partidária do administrador municipal, somou o nosso ébrio questionador.
Um poeta que a tudo assistia tomou a palavra e deu o mote para a conquista do merecido respeito e do atendimento às reivindicações populares: o povo tem que sair às ruas, protestar, exigir a execução de medidas corretas para a reconstrução da cidade e prevenção de novos desastres.
Ao redor dos debatedores já estava se reunindo uma multidão de populares, quando recomeçou a chuva e todos se dispersaram temendo a fúria das águas.
O religioso se benzeu, segurou forte seu terço, correu e se trancou na igreja ao som de trovoadas retumbantes.
Cacá Araújo
Cacá Araújo
Em comentário ao texto de Dihelson Mendonça: " De quem é a culpa?"
Um comentário:
Eu considero o Cacá Araújo um dos maiores escritores do Cariri. Já disse várias vezes que é uma pena que ele não escreva com tanta frequência quanto deveria. Sua pena está reservada quase que exclusivamente aos escritos das peças teatrais que realiza. Precisa escrever mais...
Foi exatamente por isso que dediquei aquele meu outro texto para ele, no mesmo sentido desse aqui.
Abraços,
Obrigado, Claude!
Dihelson Mendonça
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