Criadores & Criaturas



"Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intata.
"

(Carlos Drummond de Andrade)

ENVIE SUA FOTO E COLABORE COM O CARIRICATURAS



... Por do Sol em Serra Verde ...
Colaboração:Claude Bloc


FOTO DA SEMANA - CARIRICATURAS

Para participar, envie suas fotos para o e-mail:. e.
.....................
claude_bloc@hotmail.com

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

De quem é a Culpa ? - Por: Dihelson Mendonça

garotos da enchente

Se as catástrofes tivessem missa de sétimo dia, hoje à noite haveria uma na Igreja da Sé, em Crato:

De quem é a Culpa ?

( Monólogo dedicado a Cacá Araújo )

A oposição acha que a culpa é do prefeito e não da chuva.
O prefeito diz que a mão divina passou sobre o Crato
Os ambientalistas acham que a culpa é do homem, que não cuida da natureza
Os crentes, acham que são os desígnios de Deus!
A vereadora, num ataque de histeria, não sabe em quem por a culpa
Os desabrigados não têm tempo nem de pensar em quem por a culpa
A Rádio Princesa procura pessoas na rua que queiram por a culpa no prefeito
Os pobres acham que a culpa é dos ricos
Os Ricos dão graças a deus morarem no Grangeiro
Os juazeirenses dão graças a Padre Cícero por não morarem no Crato
Os filósofos procuram uma causa que ainda não sabem bem o que é
O artista fotografa e tranforma em obra-de-arte
As crianças aproveitam para olhar e brincar na cheia
Os gatos e cães de rua não fazem a mínima idéia...
Os velhos ficam comparando as muitas enchentes que já viram na vida
Os vagabundos discutem e brigam nos bares e na Praça Siqueira Campos
Os escritores aproveitam para escrever longas crônicas sobre o problema
Os jornalistas ficam felizes porque tem uma boa reportagem
O advogado faz conjecturas com base nas leis de responsabilidade do estado
As meninas passam o dia trocando fotos da tragédia no twitter
Os cantadores de viola encontram um novo mote
O artista estrangeiro se espanta, se espanta, se espanta...
A feira muda de lugar
Os comerciantes praguejam ao céu e retiram a lama das suas lojas
Os políticos aproveitam para aparecer na TV e prestar solidariedade
O gari lamenta, porque vai trabalhar em dobro
Os que não puderam se mudar, passam a noite vigiando o canal
Os candidatos aproveitam para fazer campanha antecipada às próximas eleições
Os desabrigados dormem nos novos abrigos lembrando-se do que perderam
O homem do Teatro resolve criar uma peça sobre a pedra da batateira
O músico da terra pega o violão e compõe novo tema sobre a água, fonte de inspiração

Enquanto isso...
Enquanto isso...

Os Cratenses olham para o céu desconfiados, pensando "quando será a próxima enchente ?".

Santo! Santo Santo! - Rogai por nós que recorremos a vós!


Texto e Foto: Dihelson Mendonça

2 comentários:

Claude Bloc disse...

Gostei demais desse texto, Dihelson. É uma análise perfeita da situação pela qual passamos e vivemos.
Você foi muito feliz em cada definição...

A perfect thing.

Abraço,

Claude

Cacá Araújo disse...

CONVERSA NA BEIRA DO RIO

Um grupo de pessoas discutia à beira de uma das enormes crateras abertas pela força das águas do Rio Grangeiro, no centro da cidade do Crato. O religioso atribuía o caos aos castigos divinos em virtude dos pecados humanos nesta parte do mundo. Um político que se opunha ao prefeito, vendo que muitos circunstantes os ouviam, soltou, com aquela característica empolgação de palanque, depois de pigarrear ridículo de canastrão, um discurso em que se comprometia a honrar suas responsabilidades de homem público buscando soluções junto a seus aliados nos governos do estado e do país. Já um bêbado, ainda segurando um pedaço de casca de laranja na ponta dos dedos, disse que não acreditava nessa cambada de vereadores, deputados, senadores e nem no governador, pois se eles gastassem a metade do que investiram comprando votos daria para amenizar ou quem sabe resolver o problema. Depois de mais uma golada de cachaça, olhou em volta e perguntou pelo governador. Veio um desses aduladores de plantão e informou que sua excelência estava de férias no exterior, mas que havia mandado seu vice visitar a cidade, e, inclusive, ordenando que despachasse cem mil reais para ajudar no prejuízo catastrófico sofrido pelas famílias e comerciantes. Um estudante ia passando e de imediato protestou alegando que o governador não tinha contrato de trabalhador, mas função de gestor público e que esse negócio de férias não estava correto. Alfinetou, ainda, dizendo ser uma piada, insuficiente e humilhante o valor que o governo havia liberado. Com lágrimas nos olhos, uma professora alertou para a situação das famílias desabrigadas, das crianças e velhos sem agasalho e comida, e conclamou todos a se unirem numa campanha de solidariedade, até que os que se acham donos do poder resolvam ouvir o clamor da sociedade que agoniza e espera. Convicto, o ambientalista afirmou que eram necessárias a completa desocupação e revitalização das áreas onde outrora fora o leito original do rio, construção de moradias em localidades seguras para as famílias removidas, e urgente o combate ao desmatamento da Floresta Nacional do Araripe, proteção de morros e eficiente educação ambiental. Refeito um pouco de sua embriaguez, o bêbado gritou de seu canto afirmando que dinheiro para fazer tudo isso existe, sai do Cariri em forma de vil arrecadação para os cofres estaduais e federais e para retornar em benefício do povo é uma novela sem fim. A prefeitura não tem recursos e eles só liberam considerando a filiação partidária do administrador municipal, somou o nosso ébrio questionador. Um poeta que a tudo assistia tomou a palavra e deu o mote para a conquista do merecido respeito e do atendimento às reivindicações populares: o povo tem que sair às ruas, protestar, exigir a execução de medidas corretas para a reconstrução da cidade e prevenção de novos desastres. Ao redor dos debatedores já estava se reunindo uma multidão de populares, quando recomeçou a chuva e todos se dispersaram temendo a fúria das águas. O religioso se benzeu, segurou forte seu terço, correu e se trancou na igreja ao som de trovoadas retumbantes.

Cacá Araújo